Automorfismos de corpos
Definição 74.1 Se \(\F\) é um corpo, uma aplicação bijetiva \(\sigma:\F\to \F\), \(a\mapsto a^\sigma\), chama-se automorfismo, se valem para todo \(a,b\in \F\)
- \((a+b)^\sigma=a^\sigma+b^\sigma\);
- \((ab)^\sigma=a^\sigma b^\sigma\).
Exemplo 74.1
A bijeção \(\mbox{id}_\F\) é automorfismo para todo corpo \(\F\). Este automorfismo chama-se automorfismo trivial. Os corpos \(\Q\), \(\Z_p\) não têm automorfismos não triviais (consegue demonstrar?).
Se \(\F=\C\), então \(\sigma:\C\to \C\), \(z^\sigma=\bar z\) (conjugado complexo) é um automorfismo de \(\C\).
Se \(\F\) é um corpo de caraterística \(p\) (primo), então a aplicação \(\varphi:a\mapsto a^p\) é injetiva e satisfaz as duas propriedades na definição de automorfismo. Para um corpo arbitrário, \(\varphi\) não precisa ser sobrejetiva, mas se \(\F\) é finito, então \(\varphi\), sendo injetiva, será obrigatoriamente sobrejetiva e é um automorfismo. O automorfismo \(\varphi\) de um corpo finito \(\F\) é chamado de automorfismo de Frobenius.
É fácil provar que a composição de automorfismos é automorfismo. Em particular, se \(\F\) é um corpo finito de caraterística \(p\), então \[
\varphi^k:\F\to \F, \quad a\mapsto a^{p^k}
\] é um automorfismo de \(\F\). Vocês vão aprender na disciplina Grupos e Corpos que todos os automorfismos de corpos finitos têm esta forma.
Se \[
\F=\{a+b\sqrt 2\mid a,b \in \Q\},
\] então \(a+b\sqrt 2\mapsto a-b\sqrt 2\) é um automorfismo.
Espaços e complementos ortogonais
Definição 74.11 Seja \(V\) um espaço com forma sesquilinear reflexiva \(B\) e \(U\leq V\). Definimos o espaço ortogonal \(U^\perp\) de \(U\) como \[
U^\perp=\{v\in V\mid B(v,u)=0\mbox{ para todo }u\in U\}.
\]
Lema 74.5 As seguintes afirmações são válidas para o espaço ortogonal em relação a uma forma \(\sigma\)-sesquilinear reflexiva:
- \(U^\perp\leq V\);
- Se \(U\leq W\), então \(W^\perp\leq U^\perp\);
- \(\mbox{Rad}(V)=V^\perp\) e \(V^\perp\leq U^\perp\) para todo \(U\leq V\);
- Se \(B\) é não degenerada e \(\dim V\) é finita, então \(\dim U^\perp+\dim U=\dim V\).
Comprovação. As afirmações 1., 2., 3. são simples. Vamos provar apenas 4. Assuma que \(\dim V=n\), que \(X=\{b_1,\ldots,b_n\}\) é uma base de \(V\) tal que \(\{b_1,\ldots,b_k\}\) é base de \(U\), e seja \(G=G_X(B)\) a matriz de \(B\) na base \(X\). Temos por resultado anterior que um vetor \(v\) com \([v]_X=(\alpha_1,\ldots,\alpha_n)^t\) pertençe a \(U^\perp\) se e somente se \[
(\alpha_1,\ldots,\alpha_n)G [w]_B^\sigma =0\quad \mbox{para todo}\quad w\in U
\] que vale se e somente se \[
(\alpha_1,\ldots,\alpha_n)G [b_i]_B^\sigma =0\quad \mbox{para todo}\quad i\in\{1,\ldots,k\}.
\] A equação anterior é equivalente ao sistema de equações \[
(\alpha_1,\ldots,\alpha_n)G e_i =0\quad \mbox{para todo}\quad i\in\{1,\ldots,k\}
\] onde \(e_1,\ldots,e_n\) é a base canônica de \(\F^n\). Mas o sistema anterior é um sistema linear homogêneo com incôgnitas \(\alpha_1,\ldots,\alpha_n\) e a matriz desta sistema está formada pelas primeiras \(k\) colunas de \(G\). Como \(B\) é não degenerada, \(G\) tem posto \(n\) e as primeiras \(k\) colunas de \(G\) são linearmente independentes. Portanto, o espaço de soluções tem dimensão \(n-k\).
Na situação do item 4. do resultado anterior, se \(U\cap U^\perp=0\), então \(V=U\oplus U^\perp\) e \(U^\perp\) é chamado de complemento ortogonal de \(U\). Neste caso, escrevemos que \(V=U\perp U^\perp\) para indicar que os dois espaços na decomposição são ortogonais.
Exemplo 74.4 Considere \(V=\C^2\) com a forma bilinear simétrica \(B(v,w)=v_1w_1+v_2w_2\) para \(v=(v_1,v_2)\) e \(w=(w_1,w_2)\) pertencentes a \(\C^2\). Observe que não aplicamos o conjugado complexo na segunda variável! Note que esta forma está não degenerada, pois na base canônica a sua matriz é a matriz identidade. Considere a base \(\{(1,i),(1,-i)\}\) de \(\C^2\). Nesta base, a matriz da forma é \[
\begin{pmatrix} 0 & 2 \\ 2 & 0\end{pmatrix}
\] Se \(U=\langle (1,i)\rangle\), então \(U^\perp =U\) e \(\C^2\neq U\oplus U^\perp\). Ou seja, o espaço ortogonal \(U^\perp\) não é complemento ortogonal de \(U\).