Nesta página todo espaço é de dimensão finita.
Sejam \(V\) e \(W\) espaços de dimensão finita sobre um corpo \(\F\) e seja \(f:V\to W\) linear. Escolhamos bases \(B\) e \(C\) em \(V\) e \(W\), respetivamente, e escreva \[\begin{align*}
B&=\{b_1,\ldots,b_k\}\\
C&=\{c_1,\ldots,c_m\}.
\end{align*}\] Em particular, \(\dim V=k\) e \(\dim W =m\). Considere para \(b_i\in B\) os vetores das coordenadas \([b_i]_B\) e \([f(b_i)]_C\) nas bases \(B\) e \(C\), respetivamente. Temos que \([b_i]_B\in\F^k\), enquanto \([f(b_i)]_C\in\F^m\) e consideramos os mesmos como vetores colunas. Usando estes vetores podemos montar uma matriz \[
[f]_C^B=\left([f(b_1)]_C\, |\, [f(b_2)]_C\, |\, \cdots\, | \,[f(b_k)]_C\right).
\] Ou seja, a \(i\)-ésima coluna de \([f]_C^B\) é a coluna \([f(b_i)]_C\). A matriz \([f]_C^B\) chama-se a matriz de \(f\) relativa às bases \(B\) e \(C\).
Lema 56.1 Se \(v\in V\), então \[
[f(v)]_C=[f]_C^B[v]_B.
\]
Comprovação. Nos dois lados da equação temos que calcular a imagem de \(v\in V\) por uma transformação linear \(V\to \F^m\). No lado esquerdo temos que aplicar a composição \[
v\mapsto f(v)\mapsto [f(v)]_C
\] e no lado direito temos \[
v\mapsto [v]_B\mapsto [f]^B_C[v]_B.
\] Precisa-se provar que estas duas transformações são iguais. Para provar que as duas transformações são iguais, é suficente verificar que eles são iguais em uma base de \(V\). Usando a base \(B\), temos que \[
[f(b_i)]_C=\mbox{$i$-ésima coluna de $[f]_C^B$}.
\] Mas \([b_i]_B\) é o vetor \(e_i\) na base canônica de \(\F^k\), então \([f]_C^B[b_i]_B\) também é apenas a \(i\)-ésima coluna de \([f]_C^B\). Logo as duas expressões na equação do lema são iguais para todo \(v\in V\).
Exercício 56.1 Sejam \(V\), \(U\), e \(W\) espaços vetoriais com bases \(B\), \(C\) e \(D\) e sejam \(f:V\to U\) e \(g:U\to W\) transformações lineares. Mostre que \[
[g\circ f]_D^B=[g]_D^C[f]_C^B.
\] Deduza que se \(f:V\to U\) é isomorfismo, então \[
[f^{-1}]_B^C=\left([f]_C^B\right)^{-1}.
\]
Exercício 56.2 Lembre que para dois espaços vetoriais \(V,W\) sobre \(\F\), denotamos por \(\mbox{Hom}(V,W)\) o conjunto de transforações lineares de \(V\) para \(W\). Note que \(\mbox{Hom}(V,W)\) é um espaço vetorial com as operações \[
(f+g)(v)=f(v)+g(v)\quad\mbox{e}\quad (\alpha f)(v)=\alpha f(v)
\] para todo \(f,g\in\mbox{Hom}(V,W)\), \(v\in V\) e \(\alpha\in \F\).
Assuma que \(\dim V=k\) e \(\dim W=m\) (finitas) e assuma que \(B\) e \(C\) são bases fixadas em \(V\) e \(W\), respetivamente. Então a aplicação \(f\mapsto [f]_C^B\) pode ser vista como uma aplicação \[
\mbox{Hom}(V,W)\to M_{m\times k}(\F).
\] Mostre que esta aplicação é um isomorfismo de espaços vetoriais.
Assuma que \(V\) é um espaço com bases \(B=\{b_1,\ldots,b_k\}\) e \(C=\{c_1,\ldots,c_k\}\). A aplicação identidade \(\mbox{id}_V:V\to V\) é linear e assim, podemos consider a sua matriz \([\mbox{id}_V]_C^B\). Pela definição de \([\mbox{id}_V]_C^B\), a \(i\)-ésima coluna de \([\mbox{id}_V]_C^B\) é o vetor \([b_i]_C\) e para \(v\in V\), temos que \[
[v]_C=[\mbox{id}_V]_C^B[v]_B.
\] Ou seja, a matriz \([\mbox{id}_V]_C^B\) é a matriz de mudança de base de \(B\) para \(C\).
Uma transformação linear \(f:V\to V\) chama-se endomorfismo de \(V\). Se temos um endomorfismo \(f\) de \(V\), então normalmente consideramos a sua matriz \([f]_B^B\) tomando a mesma base de \(V\) para o domínio e para a codimínio. Quando temos duas bases \(B\) e \(C\) de \(V\), precisaremos a relação entre \([f]_B^B\) e \([f]_C^C\).
Lema 56.2 Seja \(f:V\to V\) linear e sejam \(B\) e \(C\) bases de \(V\). Então \[
[f]_C^C=[\mbox{id}_V]_C^B[f]_B^B[\mbox{id}_V]^C_B=[\mbox{id}_V]_C^B[f]_B^B\left([\mbox{id}_V]_C^B\right)^{-1}.
\] Ou seja, denotando por \(X\) e \(Y\) as matrizes de \(f\) nas bases \(B\) e \(C\), respetivamente, e por \(Q\) a matriz mudança de base de \(B\) para \(C\), temos que \[
Y=QXQ^{-1}.
\]
Se \(P\) e \(Q\) são matrizes quadradas \(n\times n\) com coeficientes em um corpo \(\F\) e \(Q\) é ainda invertível, então a matriz \(QPQ^{-1}\) é chamada de conjugada de \(P\) por \(Q\). O resultado anterior diz que as matrizes do mesmo endomorfismo \(f:V\to V\) em bases diferentes são conjugadas. A conjugada \(QPQ^{-1}\) está frequentamente denotada por \(P^Q\).
Na álgebra linear, nós frequentamente enfrentamos o seguinte problema: dado um endomorfismo \(f:V\to V\), ache uma base de \(V\) tal que a matriz \([f]_B^B\) está em uma forma simples (diagonal, triangular, etc). Denotando a matriz de \(f\) em uma base \(B\) qualquer por \(X\), este problema é equivalente a achar uma matriz \(Q\) tal que a conjugada \(X^Q\) está na forma desejada (diagonal, triangular, etc). Este problema é importante nas aplicações computacionais, pois se \(Y=X^Q\) é diagonal ou triangular, calcular imagens por multiplicação matricial por \(Y\) precisa de menos operações que fazer o mesmo usando uma matriz \(X\) genérico.