50  Aplicação: A teoria de Fourier

O espaço vetorial \(C^0[-\pi, \pi]\) é o conjunto de todas as funções contínuas no intervalo \([- \pi, \pi]\). Este espaço é um espaço vetorial real com as operações de adição de funções e multiplicação por escalar definidas pontualmente. O produto interno neste espaço é definido por: \[ \langle f, g \rangle = \int_{-\pi}^{\pi} f(x) g(x) \, dx \] onde \(f\) e \(g\) são funções em \(C^0[-\pi, \pi]\).

Considere as funções \[ 1,\ \cos t,\ \sen t,\ \cos(2t),\ \sen(2t),\ldots \tag{50.1}\]

Lema 50.1 O sistema na Equação 50.1 é um sistema ortogonal.

Comprovação. Para mostrar que a função \(1\) é ortogonal a \(\cos(nt)\) para \(n \geq 1\), precisamos verificar que o produto interno entre essas funções é zero. Ou seja, precisamos calcular a integral: \[ \langle 1, \cos(nt) \rangle = \int_{-\pi}^{\pi} 1 \cdot \cos(nt) \, dt. \] Sabemos que a integral de \(\cos(nt)\) sobre um período completo é zero para \(n \geq 1\). Portanto: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \cos(nt) \, dt = 0. \] Portanto, a função \(1\) é ortogonal a \(\cos(nt)\) para \(n \geq 1\). O mesmo argumento mostra que \(1\perp \sen(nt)\) para \(n\geq 1\).

Para mostrar que \(\cos(nt)\) é ortogonal a \(\cos(mt)\) para \(m \neq n\), precisamos verificar que o produto interno entre essas funções é zero. Ou seja, precisamos calcular a integral: \[ \langle \cos(nt), \cos(mt) \rangle = \int_{-\pi}^{\pi} \cos(nt) \cos(mt) \, dt. \] Utilizando a identidade trigonométrica para o produto de cossenos, temos: \[ \cos(nt) \cos(mt) = \frac{1}{2} [\cos((n+m)t) + \cos((n-m)t)]. \] Portanto, a integral se torna: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \cos(nt) \cos(mt) \, dt = \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} \cos((n+m)t) \, dt + \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} \cos((n-m)t) \, dt. \] Sabemos que a integral de \(\cos(kt)\) sobre um período completo é zero para qualquer \(k \neq 0\). Portanto: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \cos((n+m)t) \, dt = 0 \quad \text{e} \quad \int_{-\pi}^{\pi} \cos((n-m)t) \, dt = 0 \] Assim, concluímos que: \[ \langle \cos(nt), \cos(mt) \rangle = 0 \] Portanto, \(\cos(nt)\) é ortogonal a \(\cos(mt)\) para \(m \neq n\).

Para mostrar que \(\sen(nt)\) é ortogonal a \(\sen(mt)\) para \(m \neq n\), precisamos verificar que o produto interno entre essas funções é zero. Ou seja, precisamos calcular a integral: \[ \langle \sen(nt), \sen(mt) \rangle = \int_{-\pi}^{\pi} \sen(nt) \sen(mt) \, dt \] Utilizando a identidade trigonométrica para o produto de senos, temos: \[ \sen(nt) \sen(mt) = \frac{1}{2} [\cos((n-m)t) - \cos((n+m)t)] \] Portanto, a integral se torna: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \sen(nt) \sen(mt) \, dt = \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} \cos((n-m)t) \, dt - \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} \cos((n+m)t) \, dt \] Sabemos que a integral de \(\cos(kt)\) sobre um período completo é zero para qualquer \(k \neq 0\). Portanto: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \cos((n-m)t) \, dt = 0 \quad \text{e} \quad \int_{-\pi}^{\pi} \cos((n+m)t) \, dt = 0 \] Assim, concluímos que: \[ \langle \sen(nt), \sen(mt) \rangle = 0 \] Portanto, \(\sen(nt)\) é ortogonal a \(\sen(mt)\) para \(m \neq n\).

Para mostrar que \(\cos(mt)\) é ortogonal a \(\sen(nt)\) para qualquer \(m\) e \(n\), precisamos verificar que o produto interno entre essas funções é zero. Ou seja, precisamos calcular a integral: \[ \langle \cos(mt), \sen(nt) \rangle = \int_{-\pi}^{\pi} \cos(mt) \sen(nt) \, dt \] Utilizando a identidade trigonométrica para o produto de cosseno e seno, temos: \[ \cos(mt) \sen(nt) = \frac{1}{2} [\sen((n+m)t) - \sen((n-m)t)] \] Portanto, a integral se torna: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \cos(mt) \sen(nt) \, dt = \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} \sen((n+m)t) \, dt - \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} \sen((n-m)t) \, dt \] Sabemos que a integral de \(\sen(kt)\) sobre um período completo é zero para qualquer \(k\). Portanto: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \sen((n+m)t) \, dt = 0 \quad \text{e} \quad \int_{-\pi}^{\pi} \sen((n-m)t) \, dt = 0 \] Assim, concluímos que: \[ \langle \cos(mt), \sen(nt) \rangle = 0 \] Portanto, \(\cos(mt)\) é ortogonal a \(\sen(nt)\) para qualquer \(m\) e \(n\).

Para calcular a norma da função \(1\), precisamos calcular a raiz quadrada do produto interno da função consigo mesma. Ou seja, precisamos calcular: \[ \|1\| = \sqrt{\langle 1, 1 \rangle} = \sqrt{\int_{-\pi}^{\pi} 1 \cdot 1 \, dt} \] Calculando a integral, temos: \[ \int_{-\pi}^{\pi} 1 \, dt = 2\pi \] Portanto: \[ \|1\| = \sqrt{2\pi} \]

Para calcular a norma de \(\cos(nt)\), precisamos calcular a raiz quadrada do produto interno da função consigo mesma. Ou seja, precisamos calcular: \[ \|\cos(nt)\| = \sqrt{\langle \cos(nt), \cos(nt) \rangle} = \sqrt{\int_{-\pi}^{\pi} \cos^2(nt) \, dt} \] Utilizando a identidade trigonométrica \(\cos^2(nt) = \frac{1 + \cos(2nt)}{2}\), temos: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \cos^2(nt) \, dt = \int_{-\pi}^{\pi} \frac{1 + \cos(2nt)}{2} \, dt = \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} 1 \, dt + \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} \cos(2nt) \, dt \] Sabemos que a integral de \(\cos(2nt)\) sobre um período completo é zero. Portanto: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \cos^2(nt) \, dt = \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} 1 \, dt = \frac{1}{2} \cdot 2\pi = \pi \] Portanto: \[ \|\cos(nt)\| = \sqrt{\pi} \]

Para calcular a norma de \(\sen(nt)\), precisamos calcular a raiz quadrada do produto interno da função consigo mesma. Ou seja, precisamos calcular: \[ \|\sen(nt)\| = \sqrt{\langle \sen(nt), \sen(nt) \rangle} = \sqrt{\int_{-\pi}^{\pi} \sen^2(nt) \, dt} \] Utilizando a identidade trigonométrica \(\sen^2(nt) = \frac{1 - \cos(2nt)}{2}\), temos: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \sen^2(nt) \, dt = \int_{-\pi}^{\pi} \frac{1 - \cos(2nt)}{2} \, dt = \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} 1 \, dt - \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} \cos(2nt) \, dt \] Sabemos que a integral de \(\cos(2nt)\) sobre um período completo é zero. Portanto: \[ \int_{-\pi}^{\pi} \sen^2(nt) \, dt = \frac{1}{2} \int_{-\pi}^{\pi} 1 \, dt = \frac{1}{2} \cdot 2\pi = \pi \] Portanto: \[ \|\sen(nt)\| = \sqrt{\pi} \]

Assuma que \(V=\left<1,\cos t,\sen t, cos(2t), \sen(2t),\ldots\right>\) é o espaço gerado pelas funções no sistema na Equação 50.1. Se \(f\in V\), então \[ f = a_0+\sum_{m=1}^k c_i\cos(mt)+\sum_{m=1}^k s_i\sen(mt). \] Considerando que o sistema é ortogonal, obtemos pela Proposição 49.2, que \[\begin{align*} a_0 &= \frac{\langle f, 1 \rangle}{\|1\|^2} = \frac{1}{2\pi} \int_{-\pi}^{\pi} f(t) \, dt;\\ c_i &= \frac{\langle f, \cos(it) \rangle}{\|\cos(it)\|^2} = \frac{1}{\pi} \int_{-\pi}^{\pi} f(t) \cos(it) \, dt;\\ s_i &= \frac{\langle f, \sen(it) \rangle}{\|\sen(it)\|^2} = \frac{1}{\pi} \int_{-\pi}^{\pi} f(t) \sen(it) \, dt \end{align*}\] Assim obtemos que \[\begin{align*} f(t) &= \frac{1}{2\pi} \left( \int_{-\pi}^{\pi} f(x) \, dx \right) \\&+ \frac{1}{\pi}\sum_{m=1}^k \left( \int_{-\pi}^{\pi} f(x) \cos(mx) \, dx \right) \cos(mt) \\&+ \sum_{m=1}^k \frac{1}{\pi}\left( \int_{-\pi}^{\pi} f(x) \sen(mx) \, dx \right) \sen(mt) \end{align*}\]

Um teorema principal da Teoria de Fourier afirma que qualquer função \(f\in C^0[-\pi,\pi]\) pode ser aproximada por combinações lineares como na linha anterior.

Teorema 50.1 Se \(f\in C^0[-\pi,\pi]\), então \[\begin{align*} f(t) &= \frac{1}{2\pi} \left( \int_{-\pi}^{\pi} f(x) \, dx \right) \\&+ \frac{1}{\pi}\sum_{m=1}^\infty \left( \int_{-\pi}^{\pi} f(x) \cos(mx) \, dx \right) \cos(mt) \\&+ \frac{1}{\pi}\sum_{m=1}^\infty \left( \int_{-\pi}^{\pi} f(x) \sen(mx) \, dx \right) \sen(mt) \end{align*}\] no sentido que as sumas parciais finitas na expressão anterior convergem para \(f\) na norma associada com o produto inteiro \(\left<-,-\right>\). Ou seja, o subespaço \(V\) é topologicamente denso em \(C^0[-\pi,\pi]\).

A demonstração do Teorema 50.1 está além dos objetivos desta disciplina, mas ele mostra como as ideias de ortogonailidade, projeção ortogonal, etc podem ser usadas em áreas fora da álgebra linear.