91  Automorfismos de corpos e o grupo de Galois

91.1 Automorfismos de corpos

Definição 91.1 Seja \(\E\) um corpo. Lembre que um mapa \(\varphi:\E\to\E\) bijetivo é dito automorfismo de \(\E\) se \(\varphi(x+y)=\varphi(x)+\varphi(y)\) e \(\varphi(xy)=\varphi(x)\varphi(y)\) vale para todo \(x,y\in\E\). O conjunto de automorfismos de \(\E\) é um grupo com a operação de composição e este grupo é denotado por \(\aut \E\). Se \(\varphi\in\aut\E\), então definimos \[ \fix\varphi=\{x\in \E\mid \varphi(x)=x\}. \]

Exercício 91.1 \(\fix\varphi\) é um corpo, portanto \(\E:\fix\varphi\) é uma extensão de corpos.

Exercício 91.2 A conjugação complexa \(\varphi: x+iy\mapsto x-iy\) é um automorfismo de  \(\C\)\(\fix\varphi = \R\).

Exemplo 91.1 Seja \(p\) um primo e seja \(f(x)\in\Z_p[x]\) um polinômio irredutível de grau \(d\). Defina \(\E=\Z_p[x]/(f(x))\) e note que \(\E\) é um corpo de \(q=p^d\) elementos. Pelo Exercício 90.2, o mapa \(\varphi:\E\to\E\) definido como \(\alpha\mapsto \alpha^p\) é um automorfismo. Além disso, \(\fix\varphi\) é o conjunto de soluções da equação \(x^p=x\) e esta equação tem precisamente \(p\) soluções, nomeadamente, os elementos de \(\Z_p\). Logo \(\fix\varphi=\Z_p\). O automorfismo \(\varphi\) é conhecido como o automorfismo de Frobenius.

91.2 O grupo de Galois

Definição 91.2 Seja \(\E:\F\) uma extensão de corpos. Defina \[ \gal \E\F=\{\alpha\in\aut\E\mid \F\subseteq\fix\alpha\}. \] Em outras palavras, \(\gal\E\F\) é o conjunto de automorfismos \(\varphi\) de \(\E\) tais que \(\varphi(x)=x\) para todo \(x\in\F\). É fácil verificar que \(\gal\E\F\) é um subgrupo de \(\aut\E\). Este subgrupo é chamado de grupo de Galois da extensão \(\E:\F\) ou de grupo de Galois de \(\E\) sobre \(\F\).

Exercício 91.3 Se \(\varphi\in\gal\E\F\), então \(\varphi\) é uma transformação \(\F\)-linear de \(\E\).

Lema 91.1 Seja \(\E:\F\) uma extensão, \(f(x)\in\F[x]\), \(\alpha\in\E\) tal que \(f(\alpha)=0\), e \(\varphi\in\gal\E\F\). Então \(f(\varphi(\alpha))=0\). Em particular, \(\gal\E\F\) age (veja Definição 79.1) sobre o conjunto das raízes de \(f(x)\) em \(\E\)

Comprovação. Exercício. Revise a demonstração do fato bem conhecido que se um número complexo é raiz de um polinômio com coeficientes reais, então o conjugado complexo deste número será também raiz do mesmo polinômio (Lema 32.2).

Exemplo 91.2 Determinemos \(\gal\C\R\). Seja \(\varphi\in\gal\C\R\). Como \(\varphi\) é uma transformação \(\R\)-linear, as imagens \(\varphi(1)\) e \(\varphi(i)\) determinam \(\varphi\). Como \(1\in\R\), temos que \(\varphi(1)=1\). Note que \(i\) é raiz do polinômio \(x^2+1\), então \(\varphi(i)\) será raiz do mesmo polinômio que implica que \(\varphi(i)=\pm i\). Escolhendo \(\varphi(i)=i\), obtemos que \(\varphi=\mbox{id}_\C\), enquanto escolhendo \(\varphi(i)=-i\), obtemos a conjugação complexa. Obtivemos então que \(\gal\C\R\) é um grupo de ordem 2.

Exemplo 91.3 Seja \(\xi=\exp(2\pi i/3)\) (terceira raiz da unidade) e considere a extensão \(\E=\Q(\xi)\) de \(\Q\). Note que \(\xi\) é raiz do polinômio \(x^3-1=(x-1)(x^2+x+1)\) e que o polinômio \(x^2+x+1\) é irredutível sobre \(\Q\). Em particular, \(m_\xi(x)=x^2+x+1\) e \(\E\) é um espaço vetorial de dimensão \(2\) sobre \(\Q\). Além disso, \[ \E=\left<1,\xi\right>_\Q=\{\alpha+\beta\xi\mid \alpha,\beta\in\Q\} \] e para determinar os automorfismos \(\varphi\in\gal\E\Q\), é suficiente saber \(\varphi(1)\) e \(\varphi(\xi)\). Como no exemplo, anterior, \(\varphi(1)=1\) e \(\varphi(\xi)\) é raiz de \(x^2+x+1\); consequentemente \(\varphi(\xi)=\xi\) ou \(\varphi(\xi)=\xi^2=\bar\xi\) (conjugado complexo). O primeiro caso dá o automorfismo identidade, enquanto o segundo dá o automorfismo \[ \alpha+\beta\xi\mapsto \alpha+\beta\bar\xi^2 \quad\mbox{onde}\quad\alpha,\beta\in\Q. \] (Na verdade, precisa verificar que isso é um automorfismo, mas isso é uma conta simples que o leitor pode fazer.) Então \(|\gal\E\Q|=2\).

Exemplo 91.4 Seja \(\alpha=\sqrt[3]2\) e considere o corpo \(\Q(\alpha)\). Pelo Critério de Einsenstein (Teorema 36.2), o polinômio \(x^3-2\in\Q[x]\) é irredutível, \(\alpha\) é raiz deste polinômio, e assim Lema 89.2 implica que \(m_\alpha(x)=x^3-2\). Obtemos por Lema 89.3 que \[ \Q(\alpha)\cong\Q[x]/(x^3-2). \] Em particular, \(\Q(\alpha):\Q\) é uma extensão de grau \(3\).

Observe que o corpo \(\Q(\alpha)\) não é corpo de decomposição de \(m_\alpha(x)=x^3-2\)! De fato, as raízes complexas de \(x^3-2\) são \[ \alpha=\sqrt[3]2,\quad \alpha_1=\sqrt[3]2\xi_1,\quad \alpha_2=\sqrt[3]2\xi_2 \] onde \[ \xi_1=\exp(2\pi i/3)\quad\mbox{e}\quad \xi_2=\exp(4\pi i/3)=\xi_1^2 \] são as terceiras raízes não triviais da unidade. Por definição, o corpo de decomposição de \(x^3-2\) é \[ \E=\Q\left(\sqrt[3]2,\sqrt[3]2\xi_1,\sqrt[3]2\xi_2\right)=\Q\left(\sqrt[3]2,\sqrt[3]2\xi_1,\sqrt[3]2\xi_1^2\right). \] Notando que \(\xi_1=\alpha_1/\alpha\in\E\), obtemos que \[ \E=\Q\left(\sqrt[3]2,\xi_1\right)=\Q\left(\sqrt[3]2\right)(\xi_1). \] O polinômio minimal de \(\xi_1\) sobre \(\Q\left(\sqrt[3]2\right)\) é \(x^2+x+1\), e assim \[ \E=\Q(\sqrt[3]2)[x]/(x^2+x+1). \] Temos que a extensão \(\E:\Q\) é de grau \(6\).

Afirmamos que \(\gal{\Q(\sqrt[3]2)}\Q\) é trivial. De fato, se \(g\in\gal{\Q(\sqrt[3]2)}\Q\), então \(g\) está determinado por \(g(\sqrt[3]2)\). Por outro lado, \(m_{\sqrt[3]2}(x)=x^3-2\), e Lema 91.1 implica que \(g(\sqrt[3]2)\) é raiz do polinômio \(x^3-2\). As demais raízes deste polinômio não são reais, mas \(\Q(\sqrt[3]2)\subseteq\R\). Portanto, \(g(\sqrt[3]2)=\sqrt[3]2\) e \(g=\mbox{id}_{\Q(\sqrt[3]2)}\). Logo \(\gal{\Q(\sqrt[3]2)}\Q=1\).

Exercício 91.4 Seja \(\E\) um corpo e sejam \(\varphi_1,\ldots,\varphi_k\in\aut\E\) distintos. Assuma que \(\alpha_1,\ldots,\alpha_k\in\E\) são tais que \(\alpha_1\varphi_1+\cdots+\alpha_k\varphi_k=0\). Mostre que \(\alpha_1=\cdots=\alpha_k=0\). Em outras palavras, \(\varphi_1,\ldots,\varphi_k\) são linearmente independentes no \(\E\)-espaço \[ \mbox{Func}(\E,\E)=\{f:\E\to\E \mbox{ é uma função}\}. \]

Lema 91.2 Seja \(\E:\F\) uma extensão finita. Então \(|\gal\E\F|\leq \dim_\F\E\).

Comprovação. Os elementos de \(\gal\E\F\) são elementos do \(\E\)-espaço \(\mbox{Hom}_\F(\E,\E)\) (Exercício 91.3). Dada uma base \(B\) de \(\E\) sobre \(\F\), \(\mbox{Hom}_\F(\E,\E)\) é isomorfo como \(\E\)-espaço com \[ \mbox{Func}(B,\E)=\{f:B\to \E\mid f\mbox{ é função}\}. \] Note que \(\dim_\E\mbox{Func}(B,\E)=|X|=\dim_\F\E\). Portanto, \(n+1\) elementos distintos \(\varphi_1,\ldots,\varphi_{n+1}\in\gal\E\F\) são linearmente dependentes em \(\mbox{Func}(B,\E)\) e eles são também linearmente dependentes em \(\mbox{Hom}_\F(\E,\E)\). Ora, Exercício 91.4 implica que \[ |\gal\E\F|leq\dim_\E\mbox{Hom}_\F(\E,\E)=\dim_{\E}\mbox{Func}(B,\E)=|B|=\dim_\F\E. \]

Nos Exemplo 91.2 e Exemplo 91.3, \(|\gal\E\F|= \dim_\F\E\). No entanto, no Exemplo 91.4 temos desigualdade própria \(|\gal\E\F|< \dim_\F\E\). O motivo disso vai ser explicado pelo conceito de extensões normais a ser discutido na seção seguinte.

91.3 Extensões normais

Definição 91.3 Uma extensão \(\E:\F\) algébrica é dita normal se para todo polinômio irredutível \(f(x)\in\F[x]\), se \(f(x)\) possui raiz em \(\E\), então \(f(x)\) decompõe-se em produto de polinômios do primeiro grau (ou seja, \(\E\) contem um corpo de decomposição para \(f(x)\)).

Exemplo 91.5 Pelo Exemplo 91.4, a extensão \(\Q(\sqrt[3]2):\Q\) não é normal.

Lema 91.3 Assuma que \(\E:\F\) é uma extensão finita. Então ela é normal se e somente se \(\E\) é o corpo de decomposição de algum polinômio \(f(x)\in\F[x]\).

Comprovação. Assuma primeiro que \(\E:\F\) é finita e é normal. Então \(\E=\F(\alpha_1,\ldots,\alpha_k)\) com \(\alpha_i\in\E\). Note que \(m_{\alpha_i}(x)\) possui raiz em \(\E\) (nomeadamente, \(\alpha_i\)) e ele decompõe-se em produto de polinômios do primeiro grau. Portanto, \[ f(x)=m_{\alpha_1}(x)\cdots m_{\alpha_k}(x) \] também decompõe-se em produto de polinômios do primeiro grau em \(\E\). Por outro lado, \(\E\) é gerado pelas raízes de \(f(x)\), então \(\E\) é corpo de decomposição de \(f(x)\) sobre \(\F\).

Assuma agora que \(\E\) é corpo de decomposição de algum polinômio \(f(x)\). Seja \(m(x)\in\F[x]\) um polinômio irredutível tal que \(m(x)\) possui raiz \(\alpha\) em \(\E\). Seja \(\K\) o corpo de decomposição de \(m(x)\) sobre \(\E\) e assuma que \(\beta\in\K\) é uma outra raiz de \(m(x)\). Basta provar que \(\beta\in\E\). Considere as cadeias \[ \E(\alpha):\F(\alpha):\F\quad\mbox{e}\quad \E(\beta):\F(\beta):\F. \] As extensões \(\F(\alpha):\F\) e \(\F(\beta):\F\) são isomorfas, pois \(m_\alpha(x)=m_\beta(x)=m(x)\in\F[x]\). Além disso, \(\E(\alpha)\) é corpo de decomposição de \(f(x)\) sobre \(\F(\alpha)\) e \(\E(\beta)\) é corpo de decomposição de \(f(x)\) sobre \(\F(\beta)\). Portanto, as extensões \(\E(\alpha):\F(\alpha)\) e \(\E(\beta):\F(\beta)\) são também isomorfas. Em particular, \[ \dim_{\F}\E(\alpha)=\dim_\F\F(\alpha)\cdot\dim_{\F(\alpha)}\E(\alpha)=\dim_\F\F(\beta)\cdot\dim_{\F(\beta)}\E(\beta)=\dim_\F \E(\beta). \] Por outro lado, \(\alpha\in\E\) e \(\E(\alpha)=\E\) e obtemos que \[ \dim_{\F}\E=\dim_\F \E(\beta). \] que (considerando que as dimensões são finitas) implica que \(\E(\beta)=\E\); ou seja, \(\beta\in\E\) com foi o objetivo deste argumento.

Lema 91.4 [Lema da Extensão] Seja \(\E:\F\) uma extensão normal e finita e \(\K_1,\K_2\subseteq \E\) corpos tais que \(\F\subseteq \K_1,\K_2\). Assuma que \(\psi:\K_1\to \K_2\) um isomorfismo tal que \(\psi|_\F=\mbox{id}_\F\). Então existe \(\bar\psi\in\gal\E\F\) tal que \(\bar\psi|_{\K_1}=\psi\). Em outras palavras, o isomorfismo \(\psi\) pode ser extendido a um elemento de \(\gal\E\F\).

Comprovação. Por Lema 91.3, \(\E\) é corpo de decomposição de \(f(x)\in\F[x]\). Pela definição do corpo de decomposição (Definição 90.1), \(\E\) é corpo de decomposição de \(f(x)\) sobre \(\K_1\) e sobre \(\K_2\). O resto segue do Teorema 90.1.

91.4 Extensões separáveis

Exercício 91.5 Seja \(f(x)\in\F[x]\) um polinômio. Mostre que as seguintes são equivalentes:

  1. \(f(x)\) não possui raiz múltipla em nenhuma extensão de \(\F\).
  2. \(\mbox{mdc}(f(x),f'(x))=1\) onde \(f'(x)\) é o derivado de \(f(x)\).

Definição 91.4 Seja \(\F\) um corpo. Um polinômio \(f(x)\in\F[x]\) chama-se separável se \(f(x)\) não possui raízes múltiplas em nenhuma extensão de \(\F\). Seja \(\E:\F\) uma extensão algébrica. Um elemento \(\alpha\in\E\) é dita separável (sobre \(\F\)), se \(m_\alpha(x)\) é um polinômio separável. A extensão \(\E:\F\) é separável se todo elemento \(\alpha\in\E\) é separável.

Note que a separabilidade de \(f(x)\) e de \(m_\alpha(x)\) no Definição 91.4 pode ser verificada usando o critério no Exercício 91.5.

Exercício 91.6 Seja \(\E:\F\) uma extensão algébrica. Mostre que ela é separável se

  1. a caraterística de \(\F\) (e de \(\E\)) é zero;
  2. \(\E\) é finito.

Teorema 91.1 Seja \(\F\) um corpo. Assuma que \(\E\) é um corpo de decomposição de um polinômio irredutível \(f(x)\in\F[x]\) com \(\mbox{grau}\,f(x)=k\). Então \(G=\gal\E\F\) permuta as raízes de \(f(x)\) transitivamente. Além disso, se \(f(x)\) é separável, então \(G\) pode ser visto como um subgrupo transitivo de \(S_k\) e \(k\) divide \(|G|\).

Comprovação. Sejam \(\alpha,\beta\in\E\) duas raízes de \(f(x)\). Note que \(m_\alpha(x)=m_\beta(x)=f(x)\). O Corolário 89.1 implica que existe um isomorfismo \(\psi:\F(\alpha)\to\F(\beta)\) tal que \(\psi|_\F=\mbox{id}_\F\) e \(\psi(\alpha)=\beta\). Pelo Lema 91.4, existe \(\varphi\in\gal\E\F\) tal que \(\varphi(\alpha)=\beta\). Isso implica que \(\gal\E\F\) permuta transitivamente as raízes de \(f(x)\).

Ora assuma que \(f(x)\) é separável. Para mostrar que \(\gal\E\F\) pode ser considerado como um subgrupo de \(S_k\), observe que \(f(x)\) não possui raízes múltiplas em \(\E\) (pois \(f(x)\) é separável) e isso significa que \(f(x)\) tem precisamente \(k\) raízes, nomeadamente \(\alpha_1,\ldots,\alpha_k\) mutualmente distintas. Se um elemento \(\sigma\) de \(\gal\E\F\) está no núcleo da ação em \(\{ \alpha_1,\ldots,\alpha_k\}\), então \(\sigma\) fixa todas as raízes. Mas como \(\E\) é gerado por estas raízes (sendo corpo de decomposição), \(\sigma=\mbox{id}_\E\). Então \(\gal\E\F\) pode ser visto como um subgrupo do grupo simétrico do conjunto  \(\{ \alpha_1,\ldots,\alpha_k\}\) e este grupo simétrico é claramente isomorfo a \(S_k\). Finalmente, o fato que \(k\mid |\gal\E\F|\) segue do Teorema Órbita-Estabilizador (Corolário 79.1).

Lema 91.5 Seja \(\E:\F\) uma extensão finita e separável. Então existe um elemento \(\gamma\in\E\) tal que \(\E=\F(\gamma)\). Ou seja, \(\E:\F\) é uma extensão simples.

Comprovação. Primeiro, se \(\F\) é um corpo finito, então \(\E\) (extensão finita de \(\F\)) é também finito e \(\E=\F(\alpha)\) onde \(\alpha\in\E\) é um gerador de \(\E^*=\E\setminus\{0\}\) (Teorema 76.2). Ou seja, \(\E\) é extensão simples e podemos assumir no resto do argumento que \(\F\) é corpo infinito.

É suficiente provar que quando \(\E=\F(\alpha,\beta)\), existe \(\gamma\in\E\) tal que \(\E=\F(\gamma)\). Afirmamos que existe algum \(c\in\F\) tal que \(\E=\F(\alpha,\beta)=\F(\alpha+c\beta)\). Seja \(c\in\F\) tal que \(\F(\alpha,\beta)\neq\F(\alpha+c\beta)\) e ponha \(\K=\F(\alpha+c\beta)\). Por suposição, \(\K\subset \F(\alpha,\beta)\) e \(\alpha,\beta\not\in\K\). Seja \(\L\) um corpo de decomposição de \(m_\beta(x)\in\K[x]\) sobre \(\K\). Note que \(m_\beta(x)\) é divisor do polinômio minimal \(m_\beta^\F(x)\) de \(\beta\) sobre \(\F\). Por suposição \(m_\beta^\F(x)\) é um polinômio separável, então \(m_\alpha(x)\) também é separável. Além disso, \(\alpha=(\alpha+c\beta)-c\beta\in\L\) e portanto \(\E\subseteq \L\). Como \(\mbox{grau}\,m_\beta(x)\) é maior que dois e \(m_\beta(x)\) é separável, existe \(\beta'\in\L\setminus\{\beta\}\) tais que \(m_\beta(\beta')=0\). Pelo Teorema 91.1, existe \(\sigma\) um automorfismo em \(\gal{\L}{\K}\) tal que \(\sigma(\beta)=\beta'\) e \(\sigma(\alpha+c\beta)=\alpha+c\beta\). Portanto \[ \alpha+c\beta=\sigma(\alpha+c\beta)=\sigma(\alpha)+c\sigma(\beta)=\sigma(\alpha)+c\beta'. \] e \[ c = \frac{\alpha-\sigma(\alpha)}{\beta'-\beta}. \] Como \(\sigma\in \gal{\L}{\K}\), temos por Lema 91.2, temos um número finito de possibilidades para a expressão no lado direito da equação anterior. Isso quer dizer que temos apenas um número finito de possibilidades para \(c\in\F\) tal \(c\) satisfaz a equação anterior. Seja \(c\in\F\) tal que \(c\) não satisfaz esta equação. Temos com este \(c\) que \(\F(\alpha+c\beta)= \F(\alpha,\beta)\).

91.5 Extensões de Galois

Definição 91.5 Uma extensão \(\E:\F\) é dita extensão de Galois se ela é algébrica, normal e separável.

Teorema 91.2 Seja \(\E:\F\) uma extensão de Galois finita. Temos que \[ \fix{\gal\E\F}=\{\alpha\in\E\mid g(\alpha)=\alpha\mbox{ para todo }g\in\gal\E\F\}=\F. \]

Comprovação. Claramente \(\F\subseteq \fix{\gal\E\F}\) então precisa provar a outra inclusão. Assuma que \(\K=\fix{\gal\E\F}\) e seja \(\alpha\in \E\setminus\F\). Vamos provar que \(\alpha\not\in\K\). Seja \(m_\alpha(x)\) o polinômio mínimo de \(\alpha\) sobre \(\F\) e note que o grau de \(m_\alpha(x)\) é maior ou igual a \(2\). Como a extensão \(\E:\F\) é normal e separável, \(m_\alpha(x)\) é produto de fatores do primeiro grau em \(\E\) e existe \(\beta\in\E\) diferente de \(\alpha\) tal que \(m_\alpha(\beta)=0\). Ora, existe um isomorfismo \(\psi:\F(\alpha)\to \F(\beta)\) tal que \(\psi|_\F=\mbox{id}_\F\). Pelo Lema 91.4, existe um automorfismo \(\varphi\in\gal\E\F\) tal que \(\varphi(\alpha)=\beta\). Isso implica que \(\alpha\not\in\fix{\gal\E\F}\).

Lema 91.6 Seja \(\E\) um corpo e seja \(H\leq\aut\E\) um subgrupo finito. Assuma que \(\alpha\in\E\). Considere o polinômio \[ f_{H,\alpha}(x)=\prod_{h\in H}(x-h(\alpha)). \] Denotando por \(\fix H\) or corpo \[ \fix H=\{\beta\in\E\mid h(\beta)=\beta\mbox{ para todo }h\in H\}, \] temos que

  1. \(f_{H,\alpha}(x)\in\fix H[x]\);
  2. \(f_{H,\alpha}(\alpha)=0\);
  3. \(\mbox{grau}f_{H,\alpha}(x)=|H|\).

Em particular, \(\alpha\) é algébrico sobre \(\fix H\) e \(\dim_{\fix H}\fix H(\alpha)\leq |H|\).

Comprovação. Exercício.

Teorema 91.3 Seja \(\E:\F\) uma extensão de Galois finita. Então \(|\gal\E\F|=\dim_\F\E\).

Comprovação. Seja \(n=|\gal\E\F|\). Pelo  Lema 91.2, \(n\leq\dim_\F\E\), então basta provar a outra desigualdade. Pelo Lema 91.5, temos que \(\E=\F(\alpha)\) com algum \(\alpha\in\E\). Afirmamos que \(\mbox{grau}\,m_\alpha(x)\leq n\) e isso vai implicar que \(\dim_\F\E\leq n\). Considere o polinômio \(f_{H,\alpha}(x)\) no Lema 91.6. Temos que \(f_{H,\alpha}(x)\in\fix H[x]=\F[x]\), \(f_{H,\alpha}(\alpha)=0\) e \(\mbox{grau}f_{H,\alpha}(x)=|H|\). Portanto, \[ \dim_\F\E=\mbox{grau}\,m_\alpha(x)\leq \mbox{grau} f_{H,\alpha}(x)=n=|H|. \]

Exemplo 91.6 Considere um corpo \(\F_q\) com \(q\) elementos onde \(q=p^d\) com algum primo \(p\). Como \(\F_q\) é corpo de decomposição do polinômio \(x^q-x\in\Z_p[x]\) (Teorema 90.2), temos que a extensão \(\F_q:\Z_p\) é normal. Portanto, \(|\gal{\F_q}{\Z_p}|=\dim_{\Z_p}\F_q=d\). De fato, \(\gal{\F_q}{\Z_p}\) é cíclico gerado pelo automorfismo de Frobenius \(\varphi:x\mapsto x^p\).

Lema 91.7 Seja \(\E:\K:\F\) uma cadeia de extensões e assuma que \(\E:\F\) é extensão de Galois finita.

  1. \(\E:\K\) é de Galois finita.
  2. \(\K:\F\) é normal se e somente se \(\sigma(\K)=\K\) para todo \(\sigma\in\gal\E\F\). Neste caso, \(\K:\F\) é Galois.

Comprovação.

  1. Por Lema 91.3, \(\E\) é corpo de decomposição de \(f(x)\in\F[x]\) sobre \(\F\). Ora, \(\E\) é corpo de decomposição do mesmo \(f(x)\) sobre \(\K\). Logo \(\E:\K\) é normal e finita. Precisa provar que \(\E:\K\) é extensão separável. Seja \(\alpha\in\E\) e considere o polinômio minimal \(m_\alpha(x)\in\K[x]\). Note que \(m_\alpha(x)\) é divisor do polinômio minimal \(p(x)\in\F[x]\) de \(\alpha\) sobre \(\F\). Como \(\E:\F\) é separável, \(p(x)\) não possui raízes múltiplas em nenhuma extensão e assim \(m_\alpha(x)\) também não possui raízes múltiplas em nenhuma extensão.

  2. Assuma que \(\K:\F\) é normal. Seja \(\sigma\in\gal\E\F\) e \(\alpha\in\K\). Seja \(m_\alpha(x)\in\F[x]\) o polinômio minimal de \(\alpha\). Por Lema 91.1, \(\sigma(\alpha)\) é raiz de \(m_\alpha(x)\). Como \(\K:\F\) é normal, temos que \(\sigma(\alpha)\in \K\) e assim \(\K\subseteq \sigma(\K)\). Como \(\sigma\) é um \(\F\) isomorfismo e \(\dim_\F\K\) é finita, obtemos que \(\K= \sigma(\K)\). Ora assuma que \(\sigma(\K)=\K\) para todo \(\sigma\in\gal\E\F\). Seja \(q(x)\in\F[x]\) um polinômio irredutível que possui raiz \(\alpha\in\K\). Seja \(\beta\in\E\) outra raiz de \(q(x)\). Por Lema 89.3, existe \(\psi:\F(\alpha)\to \F(\beta)\) isomorfismo tal que \(\psi|_\F=\mbox{id}_\F\) e \(\psi(\alpha)=\psi(\beta)\). Pelo Lema 91.4, existe um \(\sigma\in\gal\E\F\) tal que \(\sigma|_{\F(\alpha)}=\psi\). Portanto, \(\beta\in\sigma(\K)=\K\), e temos que toda raiz de \(p(x)\) está contida em \(\K\). Logo \(\K\) é extensão normal.