58  Subgrupos e classes laterais

58.1 Subgrupos

Definição 58.1 Seja \(X\) um grupo, e \(Y\subseteq X\) não vazio. Dizemos que \(Y\) é um subgrupo de \(X\) se \(Y\) é fechado para produto e para inversos; ou seja, para todo \(x,y\in Y\),

  • \(x\cdot y\in Y\);
  • \(x^{-1}\in Y\).

Se \(Y\) é um subgrupo de \(X\), então escrevemos \(Y\leq X\). Note que a definição implica que o elemento neutro de \(X\) pertence a cada subgrupo \(Y\) e ele é o elemento neutro de \(Y\).

Exemplo 58.1  

  • Se \(G\) é um grupo, então \(G\leq G\). Um subgrupo de \(G\) diferente de \(G\) é dito subgrupo próprio. Escreve-se \(H<G\) para enfatizar que \(H\) é um subgrupo próprio de \(G\).
  • Se \(G\) é um grupo, então \(\{1\}\leq G\) e este é o único subgrupo com um elemento. Se \(H\) é um subgrupo e \(H\neq\{1\}\), então \(H\) é dito não trivial.
  • \(\SLV V\leq \GLV V\leq \sym V\) e \(\SL n\F\leq \GL n\F\).
  • \(\{2n\mid n\in\Z\}\leq \Z\), mas \(\{2n+1\mid n\in\Z\}\not\leq \Z\) (considerando a operação \(+\)).
  • \(\{1,-1\}\leq\{1,-1,i,-i\}\leq \C^*\).
  • As simetrias rotacionais formam um subgrupo de \(D_n\), mas as simetrias reflexivas não (explique porque).

58.2 Classes laterais

Definição 58.2 Seja \(G\) um grupo e \(H\leq G\) (subgrupo de \(G\)). Se \(g\in G\), então o conjunto \[ gH=\{gh\mid h\in H\} \] é chamado de classe lateral à esquerda (de \(H\) em \(G\)). O conjunto \[ Hg=\{hg\mid h\in H\} \] é chamado de classe lateral à direita (de \(H\) em \(G\)).

Exemplo 58.2 O leitor já deve conhecer vários exemplos de classes laterais.

  • Considere o grupo \((\Z,+)\). Seja \(n\in\N\) e seja \(H=n\Z=\{qn\mid q\in\Z\}\leq \Z\) o subgrupo formado pelos múltiplos de \(n\). Se \(a\in\Z\), a classe lateral \[ H+a=\{qn+a\mid q\in\Z\}=\{qn+r\mid q\in \Z\}=H+r \] onde \(r\in\{0,\ldots,n-1\}\) é o resto de \(a\) quando dividido por \(n\). Portanto, a classe lateral \(H+a\) coincide com a classe residual \[ H+r=\{qn+r\mid q\in\Z\} \] dos inteiros que dão resto \(q\) quando divididos por \(n\) (veja Seção 25.1). Ou seja, o número de classes laterais é \(n\) (finito) e \(a_1,a_2\in\Z\) pertencem a mesma classe lateral se \(a_1\equiv a_2\pmod n\).
  • Considere o grupo \((\R^3,+)\) e considere o subgrupo \[ H=\{(x,y,z)\mid x+y+z=0\}. \] O subgrupo \(H\) pode ser visto como um plano em \(\R^3\). Se \(v=(x_0,y_0,z_0)\), então a classe lateral \[ H+v=\{(x,y,z)\mid x+y+z=x_0+y_0+z_0\} \] é o plano paralelo a \(H\) e passa pelo vetor \(v\). Além disso, cada plano paralelo a \(H\) é uma classe lateral de \(H\). Neste caso, temos um número infinito de classes laterais.
  • Seja \(\F\) um corpo, \(\alpha\in\F^*\) e seja \(A\in\GL n\F\) uma matriz com \(\det A=\alpha\). Então a classe lateral \(\SL n\F A\) é o conjunto de matrizes \(n\times n\) com determinante \(\alpha\). O número de classes laterais de \(\SL n\F\) em \(\GL n\F\) é \(|\F^*|\).

Exemplo 58.3 Seja \(G=S_3\) e seja \(H=\{1,(1,2)\}\). Então temos as seguintes classes laterais: \[\begin{eqnarray*} H\cdot 1&=&H(1,2)=H=\{1,(1,2)\};\\ H(1,3)&=&H(1,2,3)=\{(1,3),(1,2,3)\};\\ H(2,3)&=&H(1,3,2)=\{(2,3),(1,3,2)\};\\ 1H&=&(1,2)H=H=\{1,(1,2)\};\\ (1,3)H&=&(1,3,2)H=\{(1,3),(1,3,2)\};\\ (2,3)H&=&(1,2,3)H=\{(2,3),(1,2,3)\}. \end{eqnarray*}\] Portanto, \(H\) tem três classes laterais à direita e três classes laterais à esquerda.

No seguinte lema, vamos enunciar algumas propriedades das classes laterais. Nós vamos tratar apenas classes laterais à direita, propriedades análogas podem ser verificadas para classes laterais à esquerda.

Lema 58.1 As seguintes afirmações são verdadeiras para um subgrupo \(H\leq G\) e para \(g,g_1,g_2\in G\):

  1. \(Hg\subseteq G\);
  2. se \(g_1,g_2\in G\), então \(Hg_1=Hg_2\) se e somente se \(g_1g_2^{-1}\in H\); em particular \(Hg=H\) se e somente se \(g\in H\).
  3. \(|Hg|=|H|\);
  4. \(H(g_1g_2)=(Hg_1)g_2\);
  5. se \(g_1,g_2\in G\) tais que \(Hg_1\cap Hg_2\neq \emptyset\), então \(Hg_1=Hg_2\).

Comprovação. Demonstração: Itens 1., 2., e 4. serão exercícios.

  1. Defina \(\psi:H\to Hg\), como \(\psi(h)=hg\). Então \(\psi\) é sobrejetivo pela definição de \(Hg\). Se \(\psi(h_1)=\psi(h_2)\), então \(h_1g=h_2g\), que implica que \(h_1=h_2\). Portanto \(\psi\) é injetivo, e em particular \(\psi\) é uma bijeção entre \(H\) e \(Hg\). Isto implica que \(|H|=|Hg|\).
  1. Assuma que \(x\in Hg_1\cap Hg_2\). Portanto \(x=h_1g_1=h_2g_2\) com \(h_1,h_2\in H\). Isto implica que \(h_2^{-1}h_1=g_2g_1^{-1}\) e em particular que \(g_2g_1^{-1}\in H\). Ora, item 2. implica que \(Hg_2=Hg_1\).

58.3 O Teorema de Lagrange

Joseph-Louis Lagrange (1736-1813)

Se  \(H\leq G\), então o lema anterior implica que as classes laterais \(Hg\) à direita (ou à esquerda) formam uma partição do conjunto \(G\). Além disso, cada classe lateral tem a mesma cardinalidade (igual à cardinalidade de \(H\)). Assuma \(G\) é finito e que \(Hg_1,\ldots,Hg_k\) são as classes laterais distintas de \(H\). Temos que \[ G=Hg_1\cup \cdots\cup Hg_k \] onde a união é disjunta. Portanto \[ |G|=|Hg_1|+\cdots+|Hg_k|=|H|+\cdots+|H|=k|H|. \] Assim obtemos o Teorema de Lagrange.

Teorema 58.1 (O Teorema de Lagrange) Seja \(G\) um grupo finito e \(H\) um subgrupo de \(G\). Então \(|H|\) é um divisor de \(|G|\).

Definição 58.3 O número de classes laterais de \(H\) em \(G\) é chamado de índice de \(H\) em \(G\) e é denotado por \(|G:H|\).

Note que se \(G\) for finito e \(H\leq G\), então \(|G:H|=|G|/|H|\).