89  Extensões de corpos

89.1 Extensões finitas, algébricas

Definição 89.1 Sejam \(\F\) e \(\E\) corpos tais que \(\F\subseteq\E\). Dizemos que \(\E\) é uma extensão de \(\F\). Escrevemos que \(\E:\F\) é uma extensão.

Exemplo 89.1 \(\R\) é uma extensão de \(\Q\) e \(\C\) é uma extensão de \(\R\).  Se \(f(x)\) é um polinômio irredutível sobre um corpo \(\F\), então \(\F[x]/(f(x))\) é uma extensão \(\F\).

Definição 89.2 Assuma que \(\E\) é uma extensão de \(\F\). Neste caso \(\E\) é um espaço vetorial sobre \(\F\) e podemos considerar a dimensão \(\dim_\F\E\). Esta quantidade será referida como o grau da extensão de \(\E\) sobre \(\F\).

Exemplo 89.2 \(\R:\Q\) é uma extensão de grau infinita, o grau da extensão \(\C:\R\) é igual a dois e se \(f(x)\in\F[x]\) for irredutível, então \(\F[x]/(f(x)):\F\) é uma extensão com grau igual ao grau do polinômio \(f(x)\).

Definição 89.3 Uma extensão \(\E:\F\) é dita finita se \(\dim_\F\E\) é finita. Se \(\E:\F\) é uma extensão e \(\alpha\in\E\), então \(\alpha\) é dito algébrico (sobre \(\F\)) se existe um polinômio \(f(x)\in\F[x]\) não nulo tal que \(f(\alpha)=0\). Caso contrário, \(\alpha\) é dito transcendental (sobre \(\F\)). Uma extensão \(\E:\F\) é dita algébrica se todos os elementos de \(\E\) são algébricos sobre \(\F\). Caso contrário \(\E\) é dito transcendental sobre \(\F\).

Exemplo 89.3 Se \(\alpha\in\F\), então \(\alpha\) é álgebrico sobre \(\F\), pois ele é raiz do polinômio \(x-\alpha\in\F[x]\). Os números \(\sqrt 2,i\in\C\) são algébricos sobre \(\Q\). Os números \(\pi,e\in\R\) são transendetais sobre \(\Q\), mas este fato não é fácil de mostrar e as demonstrações tipicamente usam técnicas analíticas. Coloco aqui alguns vídeos que fazem a demonstração.

Um outro número famoso transcendetal é o constante de Liouville.

Um outro vídeo interessante sobre números transcendetais:

Lema 89.1 Se \(\E:\F\) é uma extensão finita, então ela é algébrica.

Comprovação. Seja \(\alpha\in\E\). Como \(\dim_\F\E\) é finita, a sequência \(\alpha^0,\alpha,\alpha^2,\ldots\) é linearmente dependente; ou seja existe algum \(k\geq 0\) tal que \(\alpha^0,\alpha,\alpha^2,\ldots,\alpha^{k}\) são linearmente dependetes. Em outras palavras, existem coeficientes \(\beta_0,\ldots,\beta_{k}\) tal que \[ \beta_0\alpha^0+\beta_1\alpha+\beta_2\alpha^2+\cdots+\beta_k\alpha^k=0. \] Isso implica que \(\alpha\) é raiz do polinômio \(f(x)=\beta_0+\beta_1x+\cdots+\beta_kx^k\) e portanto \(\alpha\) é algébrico. Como \(\alpha\) foi escolhido arbitrariamente, \(\E:\F\) é uma extensão algébrica.

89.2 O polinômio mínimo

É recomendado que o leitor revise o conceito do polinômio irredutível Definição 34.1, Teorema 34.1, Teorema 36.2.

Definição 89.4 Se \(\E:\F\) é uma extensão e \(\alpha\in\E\setminus\{0\}\) é algébrico, então o conjunto \[ I_\alpha=\{f(x)\in\F[x]\mid f(\alpha)=0\} \] é um ideal não trivial. Como os ideais de \(\F[x]\) são principais (Teorema 88.1), existe um único polinômio mônico \(m_\alpha(x)\) tal que \(I_\alpha=(m_\alpha(x))\). O polinômio \(m_\alpha(x)\) é chamado de polinômio minimal de \(\alpha\) (sobre \(\F\)).

Definição 89.5 Se \(a,b\) são elementos de um anel \(R\), então \(a\) e \(b\) são associados se existir \(r\in R\) invertível tal que \(b=ra\). Consequentemente, se \(f(x),g(x)\in\F[x]\) são polinômios, \(f(x)\) e \(g(x)\) são associados se e somente se existir \(\alpha\in\F^*\) tal que \(g(x)=\alpha f(x)\).

Lema 89.2 Com as suposições do parágrafo anterior, as seguintes são verdadeiras.

  1. O polinômio \(m_\alpha(x)\) é  irredutível.
  2. se \(f(x)\in\F[x]\) é irredutível e mônico tal que \(f(\alpha)=0\), então \(f(x)=m_\alpha(x)\).

Comprovação. 1. Assuma que \(m_\alpha(x)=a(x)b(x)\). Tem-se que \[ 0=m_\alpha(\alpha)=a(\alpha)b(\alpha), \] que implica que \(a(\alpha)=0\) ou \(b(\alpha)=0\). No primeiro caso \(a(x)\in I_\alpha\) e então \(a(x)\) é um múltiplo de \(m_\alpha(x)\). Mas no mesmo tempo \(a(x)\) é um divisor de \(m_\alpha(x)\) que implica que \(a(x)\) tem de ser um associado (múltiplo escalar) de \(m_\alpha(x)\). Se \(b(x)=0\), obtemos similarmente que \(b(x)\) é um associado de \(m_\alpha(x)\). Isso significa que \(m_\alpha(x)\) é irredutível.

  1. Assuma que \(f(x)\in\F[x]\) irredutível e mônico tal que \(f(\alpha)=0\). Neste caso \(f(x)\in I_\alpha\) e \((f(x))\subseteq I_\alpha\). Por outro lado, \(f(x)\) sendo irredutível, \((f(x))\) é um ideal maximal. Como \(I_\alpha\neq \F[x]\), temos que \((m_\alpha(x))=I_\alpha=(f(x))\). Isso implica que \(m_\alpha(x)\) é um associado de \(f(x)\). Como os dois são mônicos, obtemos que \(m_\alpha(x)=f(x)\).

Definição 89.6 Seja \(\E:\F\) uma extensão  assuma que \(\alpha_1,\ldots,\alpha_k\in\E\). O menor subcorpo de \(\E\) que contém \(\F\) e \(\alpha_1,\ldots,\alpha_k\) é chamado do corpo gerado por \(\alpha_1,\ldots,\alpha_k\) (sobre \(\F\)) e é denotado por \(\F(\alpha_1,\ldots,\alpha_k)\).

O corpo \(\F(\alpha_1,\ldots,\alpha_k)\) coincide com o conjunto de todas as expressões racionais em \(\alpha_1,\ldots,\alpha_k\) com coeficientes em \(\F\): \[\begin{eqnarray*} \F(\alpha_1,\ldots,\alpha_k)&=&\left\{f(\alpha_1,\ldots,\alpha_k)/g(\alpha_1,\ldots,\alpha_k)\mid\right.\\&& \left.f(x_1,\ldots,x_k),g(x_1,\ldots,x_k)\in\F[x_1,\ldots,x_k] \mbox{ e }g(\alpha_1,\ldots,\alpha_k)\neq 0\right\}. \end{eqnarray*}\]

89.3 Extensões simples

No seguinte lema descrevemos extensões da forma \(\F(\alpha)\) quando \(\alpha\) é um elemento algébrico em uma extensão.

Lema 89.3 Seja \(\E:\F\) uma extensão e \(\alpha\in\E\setminus\{0\}\) algébrico. Assuma que \(m_\alpha(x)\) tem grau \(k\). Então \(\F(\alpha)\cong \F[x]/(m_\alpha(x))\) e \[ \F(\alpha)=\{\beta_0+\beta_1\alpha+\cdots+\beta_{k-1}\alpha^{k-1}\mid \beta_i\in\F\}. \].

Comprovação. Defina \(\varphi:\F[x]\rightarrow \F(\alpha)\) por \(f(x)\mapsto f(\alpha)\). Note que \(\varphi\) é um homomorfismo de anéis e que \(\ker\varphi = I_\alpha\). Portanto \[ \mbox{Im}\,\varphi\cong \F[x]/\ker\varphi=\F[x]/I_\alpha=\F[x]/(m_\alpha(x)). \] Como \(m_\alpha(x)\) é irredutível (Lema 89.2), temos que \(\F[x]/(m_\alpha(x))\) é um corpo (Teorema 88.1) e portanto (por isomorfismo) \(\mbox{Im}\,\varphi\) é também um corpo. Além disso, o corpo \(\mbox{Im}\,\varphi\) contém \(\F\) e \(\alpha\), e então \(\mbox{Im}\,\varphi=\F(\alpha)\). Isso implica que \[ \F(\alpha)\cong\F[x]/(m_\alpha(x)). \]

A segunda afirmação segue da primeira. De fato, como \(\varphi\) é um isomorfismo, ele precisa ser sobrejetivo, e portanto todo elemento de \(\F(\alpha)\) pode ser escrito como \(f(\alpha)\) onde \(f(x)\in\F[x]\). Escreva \(f(x)=q(x)m_\alpha(x)+r(x)\)  onde \(r(x)=0\) ou ele é um polinômio de grau menor que o grau de \(m_\alpha(x)\) (Teorema 30.1). Ora \[ f(\alpha)=q(\alpha)m_\alpha(\alpha)+r(\alpha)=r(\alpha). \] Isso implica que \[\begin{eqnarray*} \F(\alpha)&=&\{r(\alpha)\mid r(x)\in\F[x],\ r(x)=0\mbox{ ou } \mbox{grau}\,r(x)<\mbox{grau}\,m_\alpha(x) \}\\&=&\{\beta_0+\beta_1\alpha+\cdots+\beta_{k-1}\alpha^{k-1}\mid \beta_i\in\F\}. \end{eqnarray*}\]

Definição 89.7 Uma extensão da forma \(\F(\alpha)\) chama-se extensão simples.

Corolário 89.1 Sejam \(\E_1\) e \(\E_2\) duas extensões de um corpo \(\F\) e sejam \(\alpha_1\in\E_1\) e \(\alpha_2\in\E_2\) tais que \(m_{\alpha_1}(x)=m_{\alpha_2}(x)\) (sobre \(\F\)). Então existe um isomorfismo \(\varphi:\F(\alpha_1)\to\F(\alpha_2)\) tal que \(\varphi(\beta)=\beta\) para todo \(\beta\in\F\) e \(\varphi(\alpha_1)=\alpha_2\).

Comprovação. Seja \(g(x)= m_{\alpha_1}(x)=m_{\alpha_2}(x)\) e sejam \(\varphi_1:\F[x]/(g(x))\to\F(\alpha_1)\) e \(\varphi:\F[x]/(g(x))\to\F(\alpha_2)\) os isomorfismos dados pelo Lema 89.3. Então a composição \[ \varphi_2\varphi_1^{-1}:\F(\alpha_1)\to \F(\alpha_2) \] é como exigido.