81  Espaços normados

81.1 Definição e exemplos

Definição 81.1 Um espaço vetorial normado é um par \((V, \|-\|)\), onde:

  1. \(V\) é um espaço vetorial sobre um corpo \(\mathbb{K}\) (\(\mathbb{R}\) ou \(\mathbb{C}\)).
  2. \(\|\cdot\|: V \to \mathbb{R}\) é uma função chamada norma, que satisfaz as seguintes propriedades para todos \(x, y \in V\) e \(\alpha \in \mathbb{K}\):
    • Positividade: \(\|x\| \geq 0\) e \(\|x\| = 0\) se, e somente se, \(x = 0\).
    • Homogeneidade: \(\|\alpha x\| = |\alpha| \|x\|\).
    • Desigualdade Triangular: \(\|x + y\| \leq \|x\| + \|y\|\).

Exemplo 81.1  

  1. Espaços com Produto Interno:
    Se \(V\) é um espaço vetorial com um produto interno \(\langle \cdot, \cdot \rangle\), a norma induzida é dada por:
    \[ \|x\| = \sqrt{\langle x, x \rangle}. \]
    Por exemplo, no espaço \(\mathbb{R}^n\) com o produto interno usual \(\langle x, y \rangle = \sum_{i=1}^n x_i y_i\), a norma é a norma euclidiana.

  2. Norma \(\|x\|_p\):
    Para \(1 \leq p < \infty\), a norma \(\|x\|_p\) em \(\mathbb{R}^n\) é definida como:
    \[ \|x\|_p = \left( \sum_{i=1}^n |x_i|^p \right)^{1/p}. \]
    Por exemplo, para \(p = 2\), temos a norma euclidiana.

  3. Norma \(\|x\|_1\):
    A norma \(\|x\|_1\) é um caso especial da norma \(\|x\|_p\) com \(p = 1\):
    \[ \|x\|_1 = \sum_{i=1}^n |x_i|. \]
    Essa norma é frequentemente usada em otimização e estatística.

  4. Norma \(\|x\|_\infty\):
    A norma \(\|x\|_\infty\) é definida como:
    \[ \|x\|_\infty = \max_{1 \leq i \leq n} |x_i|. \]
    Essa norma mede o maior valor absoluto entre as componentes de \(x\).

  5. Espaços \(L_p\):
    Seja \((X, \mathcal{A}, \mu)\) um espaço de medida e \(1 \leq p < \infty\). O espaço \(L_p(X, \mu)\) é o conjunto de todas as funções mensuráveis \(f: X \to \mathbb{K}\) (onde \(\mathbb{K}\) é \(\mathbb{R}\) ou \(\mathbb{C}\)) tais que:
    \[ \|f\|_p = \left( \int_X |f(x)|^p \, d\mu(x) \right)^{1/p} < \infty. \]
    Para \(p = \infty\), o espaço \(L_\infty(X, \mu)\) consiste em funções mensuráveis essencialmente limitadas, com a norma:
    \[ \|f\|_\infty = \operatorname{ess\,sup}_{x \in X} |f(x)|, \]
    onde \(\operatorname{ess\,sup}\) denota o supremo essencial.
    Os espaços \(L_p\) são exemplos importantes de espaços normados, amplamente utilizados em análise funcional e teoria da medida.

Note que os exemplos 2., 3., e 4., podem ser considerados em um espaço qualquer de dimensão finita escolhendo uma base. De fato, se \(V\) é espaço de dimensão finita com base \(X=\{b_1,\ldots,b_n\}\) e \(v\in V\), pode definir \[ \|v\|_p=\|[v]_x\|=\left(\sum_{i=1}^n|\alpha|^p\right)^{1/p} \] onde \([v]_X=(\alpha_1,\ldots,\alpha_n)\in\K^n\) é o vetor das coordenadas de \(v\) na base \(X\). Claramente, a norma obtida assim em \(V\) depende da base \(X\).

81.2 Distância em Espaços Normados

Definição 81.2 A norma em um espaço vetorial normado \((V, \|\cdot\|)\) induz uma distância \(d: V \times V \to \mathbb{R}\), definida por:
\[ d(x, y) = \|x - y\|, \]
para todos \(x, y \in V\).

Lema 81.1 A função \(d(x, y)\) satisfaz as seguintes propriedades para todos \(x, y, z \in V\):

  1. Não-negatividade: \(d(x, y) \geq 0\) e \(d(x, y) = 0\) se, e somente se, \(x = y\).
  2. Simetria: \(d(x, y) = d(y, x)\).
  3. Desigualdade Triangular: \(d(x, z) \leq d(x, y) + d(y, z)\).

Essas propriedades garantem que \(d(x, y)\) é uma métrica, tornando \(V\) um espaço métrico.

Se \(V\) é espaço métrico, então podemos definir conceitos topológicos em \(V\). Por exemplo, uma sequência \(v_n\) de vetores em \(V\) é dito convergente se existe \(v\in V\) tal que para todo \(\varepsilon>0\), existe \(N\geq 0\) em tal forma que \[ d(v_n,v)=\|v_n-v\|\leq \varepsilon \] sempre que \(n\geq N\). Pode-se definir similarmente o conceito de sequências de Cauchy.

Definição 81.3 Um espaço normado \(V\) chama-se espaço de Banach se \(V\) é completo como espaço métrico. Ou seja, toda sequência de Cauchy em \(V\) é convergente.

Exercício 81.1 Seja \(V\) espaço normado de dimensão finita e seja \(\|-\|\) uma norma em \(V\). Considere \(\|-\|\) como uma função \(V\to \R\). Escolha uma base \(X\) de \(V\) de defina a norma \(\|-\|_2\) como no Exemplo 81.1.
Mostre que \(\|-\|\) é uma função contínua em na norma \(\|-\|_2\). Ou seja, mostre que para todo \(v\in V\), para todo \(\varepsilon>0\) existe \(\delta>0\) tal que sempre quando \(x\in V\) tal que \(\|v-x\|_2\leq \delta\), então \(|\|v\|-\|x\||\leq \varepsilon\).

81.3 Normas Equivalentes

Definição 81.4 Duas normas \(\|\cdot\|_a\) e \(\|\cdot\|_b\) em um espaço vetorial \(V\) são chamadas equivalentes se existem constantes positivas \(C_1\) e \(C_2\) tais que:
\[ C_1 \|x\|_a \leq \|x\|_b \leq C_2 \|x\|_a, \]
para todo \(x \in V\).
Normas equivalentes induzem as mesmas noções de convergência e topologia em \(V\).

Exercício 81.2 Mostre que a equivalência de normas é ume relação de equivalência sobre o conjunto de normas em \(V\). Ou seja

  1. toda norma \(\|-\|\) é equivalente a si mesma;
  2. se \(\|-\|_a\) e \(\|-\|_b\) são equivalentes, então \(\|-\|_a\) e \(\|-\|_b\) são equivalentes.
  3. se \(\|-\|_a\) e \(\|-\|_b\) são equivalentes e \(\|-\|_b\) e \(\|-\|_c\) são equivalentes, então \(\|-\|_a\) e \(\|-\|_c\) são equivalentes

Teorema 81.1 Em um espaço vetorial de dimensão finita \(V\), todas as normas são equivalentes.
Ou seja, se \(\|\cdot\|_a\) e \(\|\cdot\|_b\) são duas normas em \(V\), então existem constantes positivas \(C_1\) e \(C_2\) tais que:
\[ C_1 \|x\|_a \leq \|x\|_b \leq C_2 \|x\|_a, \]
para todo \(x \in V\).

Comprovação. Seja \(X\) uma base fixada para \(V\) e considere a norma \(\|-\|_2\) relativa a base \(X\). Para demonstrar o teorema, basta mostrar que qualquer norma \(\|-\|\) em \(V\) é equivalente à norma \(\|-\|_2\).
Ou seja, precisamos encontrar constantes positivas \(C_1\) e \(C_2\) tais que:
\[ C_1 \|x\|_2 \leq \|x\| \leq C_2 \|x\|_2, \]
para todo \(x \in V\).

Seja \[ B = \{v\in V\mid \|v\|_2=1\}. \] Para provar o teorema, é suficiente mostrar que existem constantes positivas \(C_1\) e \(C_2\) tais que:
\[ C_1 \leq \|x\| \leq C_2, \]
para todo \(x \in B\). Isso ocorre porque, para qualquer \(x \in V \setminus \{0\}\), podemos escrever \(x = \|x\|_2 \cdot u\), onde \(u = x / \|x\|_2 \in B\). Assim, temos:
\[ \|x\| = \| \|x\|_2 \cdot u \| = \|x\|_2 \cdot \|u\|. \]
Portanto, se a desigualdade acima for válida para todos os vetores em \(B\) com constantes \(C_1\) e \(C_2\), então \[ C_1\|x\|_2\leq \|x\|_2 \cdot \|u\|\leq C_2 \|x\|_2; \] ou seja, \[ C_1\|x\|_2\leq \|x\|\leq C_2 \|x\|_2; \]

A bola \(B\) é compacta é \(V\), pois a bola \[ \{v\in \K^n\mid \|v\|_2=1\} \] é compacta em \(\K^n\) (Teorema de Heine-Borel). A função \(\|-\|: B \to \mathbb{R}\) é contínua e atinge seus valores máximo e mínimo em \(B\). Assim, existem constantes positivas \(C_1\) e \(C_2\) tais que:
\[ C_1 = \min_{x \in B} \|x\| \quad \text{e} \quad C_2 = \max_{x \in B} \|x\|. \]
Portanto, para todo \(x \in B\), temos:
\[ C_1 \leq \|x\| \leq C_2. \]
Isso prova a desigualdade desejada.