57  O espaço dual

Definição 57.1 Se \(V\) é um \(\F\)-espaço vetorial, então \(V^*=\mbox{Hom}(V,\F)\) é dito espaço dual de \(V\). Os elementos de \(V^*\) são chamados de formas lineares ou funcionais lineares de \(V\).

Se \(\dim V=k\) é finita, então \(\dim V^*=\dim V=k\).

Seja \(B=\{b_i\mid i\in I\}\) uma base de \(V\). Para \(i\in I\), defina \[ b_i^*\in V^*,\quad b_i^*(b_j)=\delta_{i,j}=\left\{\begin{array}{cc} 1 & \mbox{se $i=j$}\\ 0 & \mbox{se $i\neq j$}\end{array}\right. \]

Lema 57.1 O conjunto \(B^*=\{b_i^*\mid i\in I\}\) é L.I. em \(V^*\). Além disso, se \(\dim V\) é finita, então \(B^*\) é base de \(V^*\).

Comprovação. Assuma que uma combinação linear \[ \alpha_1 b_{i_1}^*+\cdots+\alpha_m b_{i_m}^*=0_{V^*}. \] Denote o lado esquerdo da equação anterior por \(\varphi\). Seja \(j\in\{1,\ldots,m\}\) e calculemos que \[\begin{align*} 0&=\varphi(b_{i_j})=(\alpha_1 b_{i_1}^*+\cdots+\alpha_m b_{i_m}^*)(b_{i_j})\\&= \alpha_1 b_{i_1}^*(b_{i_j})+\cdots+\alpha_jb_{i_j}^*(b_{i_j})+\cdots+\alpha_m b_{i_m}^*(b_{i_j})\\&=\alpha_{i_j}. \end{align*}\] Então \(\alpha_{i_j}=0\) para todo \(j\). Ou seja, \(B^*\) é L.I.

Se \(\dim V\) é finita, então \(\dim V=\dim V^*\) e assim \(B^*\) (sendo um conjunto L.I. com cardinalidade \(\dim V^*\)) é base de \(B^*\).

Quando \(\dim V\) for finita, a base \(B^*\) é chamada de base dual de \(B\). Note que se \(\dim V\) é infinita, então \(B^*\) não é conjunto gerador, pois a funcional \(\varphi\in V^*\) que leva \(\varphi(b_i)=1\) para todo \(i\) não pertence ao subespaço \(\langle B^*\rangle\).

Sejam \(V\) e \(W\) \(\F\)-espaços vetoriais, e seja \(f\in\mbox{Hom}(V,W)\). Definimos o dual \(f^*\in \mbox{Hom}(W^*,V^*)\) com a regra \[ f^*(\varphi)=\varphi\circ f. \] Usando diagramas \[ \begin{array}{cc} W & \stackrel{\varphi}{\longrightarrow} & \F\\ f\uparrow & \nearrow \\ V && \end{array} \] o mapa \(f^*(\varphi)\) é representado pela flecha diaginal. Note que o morfismo original está de \(V\) para \(W\), enquanto o morfismo dual está de \(W^*\) para \(V^*\).

Exercício 57.1 Seja \(f:V\to W\) uma transformação linear entre \(\F\)-espaços de dimensão finita. Sejam \(B\) e \(C\) bases de \(V\) e \(W\), respetivamente. Mostre que \[ [f^*]^{C^*}_{B^*}=([f]^B_C)^t \] onde \((-)^t\) significa a matriz transposta.

Se \(\F\) é um corpo, a categoria dos \(\F\)-espaços vetoriais consiste

Neste contesto, as transformações lineares também são chamadas de morfismos ou flechas.

O conceito “dual” associa um espaço vetorial \(V\) com seu dual \(V^*\) e cada morfismo \(f:V\to W\) com o seu dual \(f^*:W^*\to V^*\). Além disso, é fácil verificar que \[ \mbox{id}_V^*=\mbox{id}_{V^*} \] e que se \(f:V\to U\) e \(g:U\to W\) são transformações lineares, então \[ (g\circ f)^*=f^*\circ g^*. \] Devido a estas propriedades, dizemos que o dual é um functor contravariante da categoria de espaços vetoriais.

Note que a correspondência entre \(V\) e \(V^*\) não é natural (ou canônica), pois precisa-se fixar uma base para definí-la. No entanto, existe uma correspondência natural entre \(V\) e \(V^{**}=(V^*)^*\). Os elementos de \(V^{**}\) são transformações lineares em \(\mbox{Hom}(V^*,\F)=\mbox{Hom}(\mbox{Hom}(V,\F),\F)\). Ou seja, se \(\psi\in V^{**}\), então \(\psi:V^*\to \F\) é linear.

Seja \(v\in V\) e defina \[ \psi_v:V^*\to \F,\quad \psi_v(\varphi)=\varphi(v)\quad \mbox{para todo}\quad \varphi\in V^*. \] O leitor deve verificar que \(\psi_v:V^*\to \F\) é linear e assim \(\psi_v\in V^{**}\). Defina \[ \Psi:V\to V^{**},\quad \Psi(v)=\psi_v. \]

Lema 57.2 A aplicação \(\Psi:V\to V^{**}\) é linear e injetiva. Se \(\dim V=k\) finita, então \(\Psi\) é um isomorfismo entre \(V\) e \(V^{**}\).

Comprovação. O leitor pode verificar que \(\Psi\) é linear. Seja \(v\in\ker \Psi\). Então \(\psi_v=0\). Assuma que \(v\neq 0\) e seja \(B\) uma base de \(V\) que contém \(v\) e considere o elemento \(v^*\) na base dual. Então \[ 0=\psi_v(v^*)=v^*(v)=1. \] Isso é uma contradição, então \(v=0\) deve valer. Assim \(\ker\Psi=0\) e \(\Psi\) é injetiva.

Se \(\dim V=k\) finita, então \(\dim V^{**}=\dim V^*=\dim V\) e uma aplicação injetiva \(V\to V^{**}\) é um isomorfismo.

Note que se \(f\in\mbox{Hom}(V,W)\), então já definimos \(f^*:W^*\to V^*\) e podemos definir \(f^{**}:V^{**}\to W^{**}\) como \[ f^{**}(\gamma)=\gamma \circ f^*\quad\mbox{para todo}\quad \gamma\in V^{**}. \] Usando diagramas \[ \begin{array}{cc} V^* & \stackrel{\gamma}{\longrightarrow} & \F\\ f^*\uparrow & \nearrow \\ W^* && \end{array} \] o mapa \(f^{**}(\gamma)\) está representado pela flecha diagonal. Mais detalhadamente, temos para \(\gamma\in V^{**}\), \(\varphi\in W^*\) que \[ f^{**}(\gamma)(\varphi)=(\gamma\circ f^*)(\varphi)=\gamma(f^*(\varphi))=\gamma(\varphi\circ f). \]

É fácil verificar que \[ \mbox{id}_V^{**}=\mbox{id}_{V^{**}} \] e que se \(f:V\to U\) e \(g:U\to W\) são transformações lineares, então \[ (g\circ f)^{**}=g^{**}\circ f^{**}. \] Ou seja, o duplo dual é um functor covariante da categoria dos \(\F\)-espaços vetoriais.