60  Subgrupos normais e homomorfismos

60.1 Subgrupos normais

Definição 60.1 Um subgrupo \(H\) de \(G\) é dito normal se \(gH=Hg\) para todo \(g\in G\). Esta condição pode ser expressa por dizer que \(g^{-1}Hg=H\) para todo \(g\in G\). Escrevemos que \(H\unlhd G\), ou \(H\lhd G\) quando \(H< G\).

Exercício 60.1 Mostre que \(H\leq G\) é normal em \(G\) se e somente se \(g^{-1}Hg\subseteq H\) para todo \(g\in G\).

As afirmações dos seguintes exemplos podem ser justificadas ou por exercícios anteriores ou por contas triviais.

Exemplo 60.1  

  • \(\{1\}\) e \(G\) são normais em \(G\).
  • Em um grupo abeliano, todo subgrupo é normal.
  • O subgrupo \(\operatorname{SL}(n,\F)\) é normal em \(\operatorname{GL}(n,\F)\).
  • Se \(|G:H|=2\), então \(H\) é normal em \(G\).
  • \(\left<(1,2)(3,4),(1,3)(2,4)\right>=\{1,(1,2)(3,4),(1,3)(2,4),(1,4)(2,3)\}\) é normal em \(S_4\).
  • \(\left<(1,2)\right>=\{1,(1,2)\}\) não é normal em \(S_3\).

60.2 O Grupo quociente

Definição 60.2 Seja \(N\) um subgrupo normal em um grupo \(G\). Definimos uma operação no conjunto das classes laterais \(Ng\) (onde \(g\in G\)) no modo seguinte: \[ (Ng_1)(Ng_2)=Ng_1g_2. \] Como \(N\) é normal, esta operação é bem definida. Além disso, ela é associativa, \(N1=N\) é elemento neutro, e todo elemento \(Ng\) tem inverso (nomeadamente, \(Ng^{-1}\)). Assim o conjunto das classes laterais com esta operação é um grupo denotado por \(G/N\). O grupo \(G/N\) é dito grupo quociente (de \(G\) por \(N\)). Temos que \(|G/N|=|G:N|\). Em particular, se \(G\) é finito, então \(|G/N|=|G|/|N|\).

Exemplo 60.2 Considere o grupo aditivo \(\Z\), seja \(n\geq 2\) e seja \(n\Z=\left<n\right>=\{nk\mid k\in \Z\}\). Se \(a\in\Z\), então a classe lateral \(n\Z+a\) é a classe residual \(\{nk+a\mid k\in\Z\}\) e a operação entre classes laterais é definida como \[ (n\Z+a)+(n\Z+b)=n\Z+(a+b) \] e esta operação corresponde à operação \(+\) entre classes residuais modulo \(n\). Temos então que o grupo \(\Z_n\) pode ser visto como o grupo quociente \(\Z/n\Z\).

60.3 Homomorfismos

Definição 60.3 Sejam \(G\) e \(H\) grupos. Um mapa \(\varphi:G\to H\) é dito homomorfismo se \[ \varphi(ab)=\varphi(a)\varphi(b)\quad\mbox{para todo}\quad a,b\in G. \].

Exercício 60.2 Verifique as seguintes propriedades de um homomorfismo \(\varphi:G\to H\).

Se \(g\in G\) e \(n\in\Z\), então \(\varphi(g^n)=\varphi(g)^n\). Em particular, \(\varphi(g^{-1})=\varphi(g)^{-1}\) e \(\varphi(1_G)=\varphi(1_H)\).

Exemplo 60.3 Se \(G\) e \(H\) são grupos, então o mapa \(\varphi:G\to H\) definido por \(\varphi(g)=1_H\) é um homomorfismo. Se \(G\leq H\), então o mapa \(\varphi:G\to H\) definido por \(\varphi(g)=g\) é um homorfismo. Este mapa é chamado de inclusão ou mergulho de \(G\) em \(H\).

Se \(N\) é um subgrupo normal de \(G\) então o mapa \(\varphi:G\to G/N\) definido por \(\varphi(g)=Ng\) é um homomorfismo. Este mapa é chamado de homomorfismo natural ou projeção natural de \(G\) em \(G/N\). Pelo raciocínio anterior, o mapa \(\varphi :\Z\to \Z_n\) definido por \(\varphi(k)=k+n\Z\) é um homomorfismo.

Em relação com homomorfismos usamos as seguintes expressões.

  • Morfismo é a mesma coisa que homomorfismo. A palavra morfismo está mais usada ma teoria de categorias.
  • Monomorfismo: homomorfismo injetivo.
  • Epimorfismo: homomorfismo sobrejetivo.
  • Isomorfismo: homomorfismo injetivo e sobrejetivo.
  • Endomorfismo: um homomorfismo \(G\to G\).
  • Automorfismo: um isomorfismo \(G\to G\).

Definição 60.4 Dois grupos \(G\) e \(H\) são ditos isomorfos que existe um isomorfismo (ou seja, um homomorfismo injetivo e sobrejetivo) \(G\to H\). O conjunto de automorfismos \(G\to G\) é um grupo chamado do grupo de automorfismos de \(G\). Este grupo é denotado por \(\mbox{Aut}(G)\).

Exemplo 60.4 Assumindo que \(V\) é um \(\F\)-espaço vetorial de dimensão finita \(n\) com base \(B\), obtemos um isomorfismo \[ \GLV V\to \GL n\F,\quad f\mapsto [f]_B^B \] onde \([f]_B^B\) a matriz da transformação linear \(f\in\GLV V\). O fato que esta correspondência é um isomorfismo segue do fácil argumento de álgebra linear. Temos então que \(\GLV V\) e \(\GL n\F\) são grupos isomorfos e escrevemos que \(\GLV V\cong\GL n\F\).

Exemplo 60.5 Sejam \(G\) e \(H\) grupos cíclicos da mesma ordem (finita ou infinita). Assuma que \(G=\left<g\right>\) e \(H=\left<h\right>\). Temos que a aplicação \[ G\to H,\quad g^k\mapsto h^k \mbox{ para todo } k\in\Z \] é um isomorfismo. Obtemos que \(G\cong H\); ou seja, dois grupos cíclicos da mesma ordem são isomorfos. Em particular, se \(G\) é grupo cíclico de ordem \(n\), então \(G\cong\Z_n\).

Corolário 60.1 Seja \(p\) um primo e seja \(G\) um grupo de ordem \(p\). Então \(G\cong\Z_p\).

Comprovação. Se \(G\) é um grupo de ordem \(p\), então obtemos do Teorema 59.1 que \(G\) é cíclico. Ora, \(G\cong\Z_p\) segue do Exemplo 60.5.

60.4 O Teorema de Núcleo e Imagem

Definição 60.5 Dado um homorfismo \(\varphi:G\to H\), definimos \[\begin{eqnarray*} \mbox{Im}\,\varphi&=&\{\varphi(g)\mid g\in G\}\\ \ker\varphi&=&\{g\in G\mid \varphi(g)=1_H\}. \end{eqnarray*}\]

O seguinte resultado resuma as propriedades mais importantes de homomorfismos.

Teorema 60.1 Seja \(\varphi:G\to H\) um homomorfismo. As seguintes afirmações são verdadeiras.

  1. \(\mbox{Im}\,\varphi\leq H\);
  2. \(\ker\varphi\unlhd G\);
  3. \(\varphi\) é injetivo se e somente se \(\ker\varphi=\{1_G\}\);
  4. \(G/\ker\varphi\cong \mbox{Im}\,\varphi\).

Comprovação.

  1. Exercício.

  2. Assuma que \(g\in G\) e \(h\in\ker\varphi\). Então \[ \varphi(g^{-1}hg)=\varphi(g^{-1})\varphi(h)\varphi(g)=\varphi(g)^{-1}\varphi(g)=1_H \] que diz que \(g^{-1}hg\in\ker \varphi\). Ora Exercício 60.1 mostra que \(\ker\varphi\unlhd G\).

  3. Se \(\varphi\) é injetivo, então \(1_G\) deve ser o único elemento cuja imagem é \(1_H\), então \(\ker\varphi=\{1_G\}\). Assuma agora que \(\varphi\) é injetivo e sejam \(a,b\in G\) tais que \(\varphi(a)=\varphi(b)\). Isto implica que \[ 1_H=\varphi(a)\varphi(b)^{-1}=\varphi(ab^{-1}), \] ou seja, \(ab^{-1}\in \ker\varphi=\{1_G\}\). Daqui obtemos que \(ab^{-1}=1_H\); ou seja \(a=b\). Assim, temos que \(\varphi\) é injetivo.

  4. Seja \(N=\ker\varphi\) e defina \[ \bar \varphi:G/N\to \mbox{Im}\,\varphi,\quad Ng\mapsto \varphi(g). \] É fácil ver que \(\bar\varphi\) é um homomorfismo bem definido e ele é sobrejetivo. Assuma que \(g\in G\) tal que \(\bar\varphi(Ng)=1_H\). Isto implica que \(\varphi(g)=1_H\); ou seja, \(g\in N\) e \(Ng=N=1_{G/N}\). Portanto \(\ker\bar\varphi=\{1_{G/N}\}\) e isto implica que \(\bar\varphi\) é injetivo. Logo \(\bar\varphi\) é um isomorfismo e \(G/\ker\varphi\cong \mbox{Im}\,\varphi\).

A afirmação 4. no Teorema 60.1 está conhecido como O Teorema do Núcleo e a Imagem.

Exemplo 60.6  

  1. Sejam \(\F\) um corpo, \(n\geq 2\) e \(\varphi: \operatorname{GL}(n,\F)\to \F^*=\F\setminus\{0\}\) definido com \(\varphi(X)=\det X\). Temos que \(\varphi\) é um homomorfismo sobrejetivo e que \(\ker\varphi=\operatorname{SL}(n,\F)\). Pelo teorema anterior, obtemos que \(\operatorname{GL}(n,\F)/\operatorname{SL}(n,\F)\cong \F^*\).

  2. Seja \(n\geq 2\) e considere a homorfismo \(\psi:\Z\to \Z_n\), \(\psi(k)=k\in \Z_n\). Então \(\psi\) é um homomorfismo com núcleo \(n\Z\). Obtemos mais uma forma para justificar que \(\Z/n\Z\cong \Z_n\).

60.5 Os outros teoremas de isomorfismo

Exercício 60.3 Seja \(H\leq G\) e \(N\unlhd G\). Mostre que \(HN\leq G\).

Teorema 60.2 Seja \(G\) um grupo.

  1. Se \(H\leq G\) e \(N\unlhd G\), então \(H\cap N\unlhd H\) e \(HN/N\cong H/(H\cap N)\).
  2. Se \(M\unlhd N\unlhd G\), então \((G/M)/(N/M) \cong G/M\).

Comprovação.

  1. Primeiro, se \(n\in H\cap N\) e \(h\in H\), então \(h^{-1}nh\in H\) e \(h^{-1}nh\in N\) (pois \(N\) é normal). Portanto \(h^{-1}nh\in H\cap N\). Exercício 60.1 implica que \(H\cap N\unlhd H\). Por definição, os elementos de \(HN/N\) são classes laterais na forma \(hnN\) com \(h\in H\) e \(n\in N\), mas \(nN=N\), então \[ HN/N=\{hnN\mid h\in H\mbox{ and }n\in N\}=\{hN\mid h\in H\}. \] Defina uma aplicação \[ \psi:H\to HN/N,\quad h\mapsto hN. \] O argumento nas linhas anteriores implica que \(\psi\) é sobrejetiva. Vamos calcular \(\ker\psi\). Assuma que \(h\in H\) e calculemos que \[ h\in \ker\psi\bicond hN=N\bicond h\in N\bicond h\in H\cap N. \] Logo \(\ker\psi=H\cap N\). Ora item 4. do Teorema 60.1 implica que \(H/(H\cap N)\cong HN/N\).

  2. Exercício.

Teorema 60.3 Seja \(G\) um grupo e \(N\unlhd G\). Existe uma bijeção entre os conjuntos \[ \{H\leq G\mid N\leq H\}\quad\mbox{e}\quad \{K\leq G/N\}. \] dada por \(H\mapsto H/N\). Além disso, esta bijeção restringe a uma bijeção entre os conjuntos \[ \{H\unlhd G\mid N\leq H\}\quad\mbox{e}\quad \{K\unlhd G/N\}. \]

Comprovação. Sejam \(X\) e \(Y\) os dois conjuntos na primeira linha destacada do teorema. Seja \(\pi:G\to G/N\) a projeção natural e defina \[ \psi:X\to Y,\quad \psi(H)=H/N \] e \[ \varphi:Y\to X,\quad \varphi(K)=\pi^{-1}(K). \] Uma conta elementar (que deixamos para o leitor) mostra que \(\psi\circ \varphi=\operatorname{id}_Y\) e \(\varphi\circ\psi=\operatorname{id}_X\). Isso implica que \(\psi\) e \(\varphi\) são bijeções. A verificação da segunda afirmação é exercício do leitor.

60.6 A conjugação

Definição 60.6 Seja \(G\) um grupo e \(g,h\in G\). O elemento \(g^h:=h^{-1}gh\) é dito conjugado de \(g\) por \(h\).

Seja \(h\in G\) como no Definição 60.6. Defina o mapa \[ c_h: G\to G,\quad gc_h=h^{-1}gh. \] Note que \(c_h\) está no lado direito do seu argumento.

Lema 60.1 As seguintes afirmações são verdadeiras.

  1. \(c_h\in \operatorname{Aut}(G)\).
  2. A aplicação \(c:h\mapsto c_h\) é um homomorfismo \(G\to \operatorname{Aut}(G)\).
  3. \(\operatorname{Im}\,c\unlhd \operatorname{Aut}(G)\).
  4. \(\ker c=\{x\in G\mid xy=yx\mbox{ para todo }y\in G\}\).

Comprovação.

  1. Note que \[ (g_1g_2)c_h=h^{-1}g_1g_2h=h^{-1}g_1hh^{-1}g_2h=(g_1c_h)(g_2c_h). \] Logo, \(c_h\) é homomorfismo. Note que \(c_{h^{-1}}\) é inverso de \(c_h\), pois \[ gc_hc_{h^{-1}}=(h^{-1}gh)c_{h^{-1}}=hh^{-1}ghh^{-1}=g \] e similarmente \(gc_{h^{-1}}c_{h}=g\) para todo \(g\in G\). Portanto \(c_h\) é uma bijeção. Isso implica que \(c_h\in\operatorname{Aut}(G)\).

  2. Note que \[ gc_{h_1h_2}=(h_1h_2)^{-1}gh_1h_2=h_2^{-1}h_1^{-1}gh_1h_2=h_2^{-1}(gc_{h_1})h_2=gc_{h_1}c_{h_2}. \] Logo a aplicação \(h\mapsto c_h\) é um homomorfismo \(G\to\operatorname{Aut}(G)\).

  3. Seja \(h\in G\) e \(\alpha\in\operatorname{Aut}(G)\). Se \(g\in G\), então \[ g\alpha^{-1}c_h\alpha=(h^{-1}(g\alpha^{-1}) h)\alpha=((h^{-1}\alpha)g(h\alpha))=gc_{h\alpha}. \] Portanto, \(\alpha^{-1}c_h\alpha=c_{h\alpha}\). Exercício 60.1 implica que \(\operatorname{Im}\,c\unlhd\operatorname{Aut}(G)\).

  4. Temos que \(h\in\ker c\) se e somente se \(gc_h=g\) para todo \(g\in G\). Isso vale se e somente se \(h^{-1}gh=g\); ou seja \(gh=hg\) para todo \(g\in G\).

Definição 60.7 O conjunto \[ \{x\in G\mid xy=yx\mbox{ para todo }y\in G\} \] é chamado de centro de \(G\) e é denotado por \(Z(G)\). Com esta notação, podemos escrever que \(\ker c= Z(G)\).

O seguinte lema é imadiato.

Lema 60.2 Temos que \(Z(G)=G\) se e somente se \(G\) é abeliano.

Definição 60.8 Um automorfismo na forma \(g\mapsto h^{-1}gh\) com \(h\in G\) fixado, é dito automorfismo interno de \(G\). A afirmação 3. no Lema 60.1 diz que os automorfismos internos formam um subgrupo normal em \(\operatorname{Aut}(G)\). O grupo dos automorfismos internos é denotado por \(\operatorname{Inn}(G)\).

O teorema seguinte segue das considerações anteriores.

Teorema 60.4 \(Z(G)\unlhd G\) e \(\operatorname{Inn}(G)\cong G/Z(G)\).