Definição 55.1 Sejam \(U\) e \(V\) espaços vetoriais sobre o mesmo corpo \(\F\). Uma aplicação \(f:U\to V\) é dito linear se \[
f(u+v)=f(u)+f(v)\quad \mbox{e}\quad f(\alpha u)=\alpha f(u)
\] valem para todo \(u,v\in U\) e \(\alpha\in \F\).
Uma condição equivalente à condição na definição anterior é que \[
f(\alpha u+\beta v)=\alpha f(u)+\beta f(v)
\] vale para todo \(u,v\in V\) e \(\alpha,\beta\in\F\). Também segue diretamente da definição que se \(u_1,\ldots,u_k\in U\) e \(\alpha_1,\ldots,\alpha_k\in\F\), então \[
f(\alpha_1u_1+\cdots+\alpha_ku_k)=\alpha_1f(u_1)+\cdots+\alpha_kf(u_k);
\] ou seja, uma transformação linear preserva combinações lineares.
Exercício 55.1 Mostre que \(f(0_U)=0_V\) para qualquer transformação linear \(f:U\to V\).
Exemplo 55.1 Exemplos são dados na aula, e nas notas do John e Rodney.
Lema 55.1 Seja \(U\) um \(\F\)-espaço vetorial com base \(X=\{x_i\mid i \in I\}\). Seja \(V\) um outro \(\F\)-espaço e seja \(f_0:X\to V\) uma aplicação qualquer. Então existe uma única transformação linear \(f:U\to V\) tal que \(f|_X=f_0\).
Comprovação. Se \(u\in U\), então \(u\) pode ser escrito unicamente na forma \[
u=\alpha_1x_1+\cdots+\alpha_k x_k
\] com \(\alpha_i\in \F\) e \(x_i\in X\). Defina \[
f(u)=\alpha_1f_0(x_1)+\cdots+\alpha_k f_0(x_k).
\] O fato que \(f\) está bem definida, ela é linear e que ela é única é exercício para o leitor.
A relação entre as aplicações no lema anterior pode ser expressa na forma de um diagrama comutativo:
\[\begin{array}{ccc}
U & \stackrel{f}{\longrightarrow} & V\\
i\uparrow &\nearrow f_0&\\
X & &
\end{array}\]
A aplicação \(i:X\to U\) é a inclusão \(i(x)=x\) para todo \(x\in X\). O resultado diz que para todo \(f_0:X\to V\) existe unicamente \(f:U\to V\). Denotando por \(\mbox{Hom}(U,V)\) o conjunto de aplicações lineares de \(U\) para \(V\), temos que a corresponência \(f_0\mapsto f\) determina uma bijeção \[
\mbox{Func}(X,V)\to \mbox{Hom}(U,V).
\]
Definição 55.2 Seja \(f:U\to V\) uma transformação linear. Então \[
\mbox{Im}\,f=\{f(u)\mid u \in U\}\quad\mbox{e}\quad \ker f=\{u\in U\mid f(u)=0\}.
\] O conjunto \(\mbox{Im}\,f\) chama-se a imagem, enquanto \(\ker f\) chama-se o núcleo de \(f\).
Lema 55.2 Se \(f:U\to V\) é uma transformação linear, então \(\mbox{Im}\,f\leq V\) e \(\ker f\leq U\).
Lembre que uma função \(\varphi:X\to Y\) é dita injetiva se \(\varphi(x_1)=\varphi(x_2)\) implica que \(x_1=x_2\) para todo \(x_1,x_2\in X\).
Lema 55.3 Uma transformação linear \(f:U\to V\) é injetiva se e somente se \(\ker f=\{0\}\).
Comprovação. Assuma que \(f\) é injetiva e seja \(u\in \ker f\). Então \(f(u)=f(0)=0\). Mas a definição da injetividade implica neste caso que \(u=0\). Logo \(\ker f=\{0\}\).
Assuma agora que \(\ker f=\{0\}\) e sejam \(u_1,u_2\in U\) tal que \(f(u_1)=f(u_2)\). Neste caso, \[
0=f(u_1)-f(u_2)=f(u_1+u_2);
\] ou seja, \(u_1-u_2\in\ker f\). Como \(\ker f\) contém apenas a vetor nulo, tem~se que \(u_1-u_2=0\); ou seja \(u_1=u_2\). Portanto, \(f\) é injetiva.
Exercício 55.2 Sejam \(f:U\to V\) e \(g:V\to W\) transformações lineares. Mostre que \(g\circ f:U\to W\) é linear.
Uma transformação linear \(f:U\to V\) é dito isomorfismo se \(f\) é injetiva e sobrejetiva. Neste caso, podemos definir o inverso \[
f^{-1}:V\to U,\quad f^{-1}(v)=u\mbox{ se e somente se }f(u)=v.
\]
Exercício 55.3 Seja \(f:U\to V\) um isomorfismo. Mostre que \(f^{-1}:V\to U\) é linear.
Dizemos que \(U\) e \(V\) são isomorfos se existir um isomorfismo \(f:U\to V\). Neste caso escrevemos que \(U\cong V\). Note que espaços isomorfos são definidos sobre o mesmo corpo.
É fácil verificar que a aplicação identidade \(\mbox{id}_V:V\to V\) é um isomorfismo para qualquer espaço \(V\) e que a composição de isomorfismos é isomorfismo. Portanto, temos, para quaisquer espaços vetoriais \(U\), \(V\), \(W\), que
- \(V\cong V\);
- se \(V\cong U\) então \(U\cong V\);
- se \(U\cong V\) e \(V\cong W\), então \(U\cong W\).
Espaços isomorfos compartilhas as propriedades importantes. Por exemplo, se \(f:V\to W\) é um isomorfismo e \(X\) é uma base de \(V\), então \(f(X)=\{f(x)\mid x\in X\}\) é base de \(W\). Em particular, \(\dim V=\dim W\).
Exemplo 55.2 Seja \(V\) um espaço de dimensão finita sobre um corpo \(\F\). Assuma que \(\dim V=n\). Seja \(B=\{b_1,\ldots,b_n\}\) uma base de \(V\). Se \(v\in V\), então \(v\) pode ser escrito unicamente na forma \[
v=\alpha_1 b_1+\cdots+\alpha_n b_n.
\] O vetor \((\alpha_1,\ldots,\alpha_n)\) é chamado de vetor das coordenadas de \(v\) na base \(B\) e é denotado por \([v]_B\) ou mais simplesmente \(v_B\). É fácil verificar que a transformação \(f:V\to \F^n\) definido como \[
f(v)=[v]_B\quad\mbox{para}\quad v\in V
\] é um isomorfismo entre \(V\) e \(\F^n\).
Corolário 55.1 Se \(V\) é um \(\F\)-espaço vetorial de dimensão \(n\), então \(V\cong \F^n\). Mais geralmente, se \(U\) e \(V\) são \(\F\)-espaços vetoriais de dimensão finita tais que \(\dim U=\dim V\), então \(U\cong V\).
Teorema 55.1 (O Teorema de Núcleo e Imagem) Seja \(f:U\to V\) uma transformação linear. Defina \(\bar f:U/\ker f\to \mbox{Im}\,f\) com a regra \[
\bar f(u+\ker f)=f(u)\quad\mbox{para todo}\quad u\in U.
\] Então \(f\) é um isomorfismo bem definido e \(U/\ker f\cong \mbox{Im}\,f\).
Comprovação. Primeiro verificamos que \(\bar f\) está bem definido. Sejam \(u_1,u_2\in U\) tais que \(u_1+\ker f=u_2+\ker f\); ou seja, \(u_1-u_2\in \ker f\). Logo \[
f(u_1)-f(u_2)=f(u_1-u_2)=0
\] e assim \(f(u_1)=f(u_2)\). Então \(\bar f(u+\ker f)\) não depende da representante da classe lateral \(u+\ker f\). Note também que \(\bar f(u+\ker f)=f(u)\in \mbox{Im}\,f\) para todo \(u\in U\). Portanto a aplicação \(\bar f:U/\ker f\to \mbox{Im}\,f\) está bem definida.
É fácil verificar que \(\bar f\) é linear. Verifiquemos que \(\bar f\) é injetiva. Precisa provar que \(\ker \bar f=0\). Seja \(u+\ker f\in \ker\bar f\). Neste caso \[
0=\bar f(u+\ker f)=f(u);
\] ou seja \(u\in \ker f\) e \(u+\ker f=\ker f=0_{U/\ker f}\). Segeu que \(\bar f\) é injetiva.
Ora se \(v\in \mbox{Im}\,f\), então \(f(u)=v\) com algum \(u\in U\) e segeu que \(\bar f(u+\ker f)=v\). Logo \(\bar f\) é sobrejetiva.
Obtivemos que \(\bar f:U/\ker f\to \mbox{Im}\,f\) é um isomorfismo e assim \(U/\ker f\cong \mbox{Im}\,f\).
Corolário 55.2 Se \(f:U\to V\) é uma transformação linear entre espaços vetoriais, então \[
\dim U=\dim \ker f+\dim \mbox{Im}\,f.
\] Se \(U\) e \(V\) têm dimensão finita, então \[
\dim \mbox{Im}\,f=\dim U-\dim\ker f.
\]