67  Projeções

Definição 67.1 Uma transformação \(f\in\mbox{End}(V)\) chama-se projeção (ou idempotente em outros contextos) se \(f^2=f\).

Definição 67.2 Seja \(f\in\mbox{End}(V)\) e \(U\leq V\). O subespaço \(U\) chama-se \(f\)-invariante se \(f(u)\in U\) para todo \(u\in U\). Neste caso a restrição \(f|_U:U\to U\) é uma transformação linear de \(U\); ou seja \(f|_U\in\mbox{End}(U)\).

Seja \(V=U\oplus W\) uma decomposição para soma direta. Se \(v\in V\), então \(v\) pode ser escrito unicamente como \(v=u+w\) com \(u\in U\) e \(w\in W\) e pode-se definir \(f:V\to V\) como \(f(v)=u\). O endomorfismo \(f\) é uma projeção tal que \(\mbox{Im}(f)=U\) e \(\ker f=W\).

Lema 67.1 As seguintes afirmações são equivalentes para um endomorfismo \(f:V\to V\).

  1. \(f\) é uma projeção.
  2. \(\mbox{Im}(f)\) é \(f\)-invariante e \(f|_{\textrm{Im}(f)}=\mbox{id}_{\textrm{Im}(f)}\).
  3. \(f\) é raiz do polinômio \(t^2-t\) e \(m_f(t)\in\{t,t-1,t^2-t\}\). (Em particular, os possíveis autovalores de \(f\) são \(0\) e \(1\).)
  4. \(V_0=\ker f\), enquanto \(V_1=\ker(\mbox{id}_V-f)=\mbox{Im}(f)\).
  5. \(V=V_0\oplus V_1\).

Comprovação.

  1. \(\Rightarrow\) 2.: Segue do fato que \(f(f(v))=f(v)\) quando \(f\) for uma projeção.
  2. \(\Rightarrow\) 3.: Assuma afirmação 2. Então temos para \(v\in V\) que \(f(f(v))=f(v)\); ou seja, \(f^2=f\). Portanto \(f\) é raiz do polinômio \(t^2-t\). O polinômio minimal \(m_f(t)\) de \(f\) é divisor de \(t^2-t\). A fatoração do polinômio \(t^2-t\) é \(t^2-t=t(t-1)\), então os possíveis divisores mônicos são \(t\), \(t-1\), ou \(t^2-1\).
  3. \(\Rightarrow\) 4.: \(V_0=\ker f\) vale para qualquer endomorfismo. Afirmamos que \(V_1=\mbox{Im}(f)\). Se \(f\) é raiz de \(t^2-t\), então \(f^2=f\). Se \(f(v)\in\mbox{Im}(f)\), então \(f(f(v))=f(v)\), logo \(f(v)\in V_1\). Seja \(v\in V_1\). Então \(f(v)=v\) e \(v\in \mbox{Im}(f)\).
  4. \(\Rightarrow\) 5.: Temos que \(V_0\cap V_1=0\), então precisamos provar que \(V=V_0+V_1\). Se \(V_1=\mbox{Im}(f)\), então \(f(f(v))=f(v)\) para todo \(v\in V\). Seja \(v\in V\). Escreva \(v=(v-f(v))+f(v)\). Ora \(f(v-f(v))=f(v)-f(f(v))=f(v)-f(v)=0\). Logo \(v-f(v)\in\ker f\) e \(V=\ker f+\mbox{Im}(f)=V_0+V_1\).
  5. \(\Rightarrow\) 1.: Seja \(v\in V\) e escreva \(v=v_0+v_1\) com \(v_0\in\ker f=V_0\) e \(v_1\in V_1\). Logo \[ f(v)=f(v_0+v_1)=f(v_0)+f(v_1)=f(v_1)=v_1 \] e \(f(f(v))=f(v_1)=v_1\). Logo \(f^2=f\) e \(f\) é uma projeção.

Lembre que um espaço vetorial \(V\) é soma direta de espaços \(V_1,\ldots,V_k\) (ou seja, \(V=V_1\oplus\cdots\oplus V_k\)), se \[ V=V_1+\cdots+V_k\quad \mbox{e} \quad V_i\cap (\sum_{j\neq i}V_j)=0. \] Em particular, não basta assumir que \(V_i\cap V_j=0\) para todo \(i\neq j\). Se \(V=V_1\oplus\cdots\oplus V_k\), pode-se definir \(p_i:V\to V\) por \[ p_i(v)=v_i \] onde \(v=v_1+\cdots+v_k\) com \(v_i\in V_i\). Definindo assim, temos que \(p_i\) é uma projeção para cada \(i\), \(p_1+\cdots+p_k=\mbox{id}_V\) e \(p_ip_j=0\) quando \(i\neq j\). O teorema seguinte diz que este argumento pode ser revertido.

Teorema 67.1 Sejam \(p_1,\ldots,p_k:V\to V\) tais que

  1. \(p_1+\cdots+p_k=\mbox{id}_V\);
  2. \(p_ip_j=0\) para todo \(i\neq j\).

Então os \(p_i\) são projeções e \(V=\mbox{Im}(p_1)\oplus\cdots\oplus\mbox{Im}(p_k)\).

Comprovação. Temos para \(v\in V\) que \[\begin{align*} p_i(v)&=p_i(\mbox{id}_V(v))=p_i((p_1+\cdots+p_k)(v))=p_i(p_1(v)+\cdots+p_k(v))\\ &=p_i(p_1(v))+\cdots+p_i(p_i(v))+\cdots+p_i(p_k(v))=p_i(p_i(v)). \end{align*}\] Logo \(p_i^2=p_i\) e \(p_i\) é uma projeção.

Se \(v\in V\), então \[ v=\mbox{id}_V(v)=(p_1+\cdots+p_k)(v)=p_1(v)+\cdots+p_k(v)\in \mbox{Im}(p_1)+\cdots+\mbox{Im}(p_k). \] Para provar que a soma é direta, seja \(p_i(v)\in\mbox{Im}(p_i)\cap\sum_{j\neq i}\mbox{Im}(p_j)\) e escreva \[ p_i(v)=p_1(v_1)+\cdots+p_{i-1}(v_{i-1})+p_{i+1}(v_{i+1})+\cdots+p_k(v_k). \] Ora, \[\begin{align*} p_i(v)&=p_i(p_i(v))=p_i(p_1(v_1)+\cdots+p_{i-1}(v_{i-1})+p_{i+1}(v_{i+1})+\cdots+p_k(v_k))\\&=0. \end{align*}\] Portanto, \(\mbox{Im}(p_i)\cap\sum_{j\neq i}\mbox{Im}(p_j)=0\) e a soma é direta.