65  Os Teoremas de Sylow

65.1 Subgrupos de Sylow

Lembremos, para um primo \(p\), que um grupo finito chama-se \(p\)-grupo finito se \(|G|\) é uma potência de \(p\) (Seção 63.3). Lembremos também o Teorema de Lagrange (Teorema 58.1) que afirma que a ordem de um subgrupo de um grupo finito divide a ordem do grupo. A recíproca do teorema não é válida: por exemplo, o grupo \(A_4\) não possui subgrupo de ordem \(6\) (verifique).

Definição 65.1 Seja \(G\) um grupo finito de ordem \(n\). Assuma que \(p\) é um primo e \(\alpha\geq 0\) é um número inteiro tal que \(p^\alpha\mid n\), mas \(p^{\alpha+1}\nmid n\). Se \(H\) é um subgrupo de \(G\) tal que \(|H|=p^\alpha\), então \(H\) é dito \(p\)-subgrupo de Sylow de \(G\).

Exemplo 65.1  

  1. Se \(p\nmid |G|\), então \(\{1\}\) é um \(p\)-subgrupo de Sylow de \(G\).
  2. Seja \(G=S_3\). Os subgrupos \(\left<(i,j)\right>\) com \(1\leq i<j\leq 3\) são \(2\)-subgrupos de Sylow de \(G\). O subgrupo \(\left<(1,2,3)\right>\) é um \(3\)-subgrupo de Sylow de \(G\).
  3. Seja \(G=S_4\). Então \(D_4=\left<(1,2,3,4),(1,3)\right>\) é um \(2\)-subgrupo de Sylow de \(G\), enquanto \(\left<(1,2,3)\right>\) é um \(3\)-subgrupo de Sylow de \(G\).
  4. Seja \(G=GL(n,p)\). Calculamos no Exemplo 57.2 que \[ |G|=p^{n(n-1)/2}\prod_{i=1}^n(p^i-1). \] Portanto um \(p\)-subgrupo de Sylow de \(G\) tem cardinalidade \(p^{n(n-1)/2}\). Considere o subgrupo \(U\) de matrizes triangulares superiores com \(1\) nas entradas diagonais. Como \(|U|=p^{n(n-1)/2}\), temos que \(U\) é um \(p\)-subgrupo de Sylow de \(G\). O mesmo \(U\) é um \(p\)-subgrupo de Sylow de \(SL(n,p)\).

65.2 Os Teoremas de Sylow

Exercício 65.1 Seja \(G\) um grupo e sejam \(H\) e \(K\) subgrupos de \(G\) tal que \(H\) é normalizado por \(K\) (ou seja, \(H^x=H\) para todo \(x\in K\)). Mostre que \(HK\) é um subgrupo de \(G\). (Dica: compare com item 3. do Lema 61.1).

Exercício 65.2 Para um número natural \(k\) e primo \(p\), denote por \(|k|_p\) a maior potência de \(p\) que divide \(k\).

  1. Mostre que \[ |k!|_p=\lfloor k/p\rfloor+\lfloor k/p^2\rfloor+\lfloor k/p^3\rfloor+\cdots. \]
  2. Deduze que \[ p\nmid \binom{k}{|k|_p}. \]

Teorema 65.1 Seja \(G\) um grupo finito de ordem \(n\), seja \(p\) um primo. As seguintes são verdadeiras.

  1. \(G\) possui um \(p\)-subgrupo de Sylow.
  2. Se \(P\) e \(Q\) são dois \(p\)-subgrupos de Sylow em \(G\), então \(P\) e \(Q\) são conjugados.
  3. Se \(n_p\) é o número de \(p\)-subgrupos de Sylow em \(G\), então \(n_p\equiv 1\pmod p\).

Comprovação.

  1. Assuma que \(p^\alpha\) é a maior potência de \(p\) que divide \(n\) e ponha \[ \mathcal S=\{X\subseteq G\mid |X|=p^\alpha\}. \] Temos que \(|\mathcal S|=\binom{n}{p^\alpha}\) e Exercício 65.2 mostra que \(p\nmid |\mathcal S|\). O grupo \(G\) age em \(\mathcal S\) por multiplicação à direita: \[ Sg=\{sg\mid s\in S\}\quad\mbox{para todo}\quad S\in\mathcal S,\ g\in G. \] Como \(p\nmid |\mathcal S|\), existe uma \(G\)-órbita \(\mathcal X\) tal que \(p\nmid |\mathcal X|\). Seja \(X\in\mathcal X\) e \(P\) o estabilizador \(G_X\) de \(X\). Temos pelo Corolário 62.1 que \[ p\nmid |\mathcal X|=|G|/|P| \tag{65.1}\] e em particular \(p^\alpha\mid |P|\). Por outro lado, \(P\) age em \(X\) por multiplicação à direita. Se \(x\in X\), o seu estabilizador \(P_x\) é o subgrupo trivial, pois se \(xs=x\) com algum \(s\in P\), então \(s=1\), pela lei de cancelamento. Obtemos de novo pelo Corolário 62.1 que \[ p^\alpha =|X|\leq |xP|=|P|. \tag{65.2}\] Combinando, Equação 65.1 e Equação 65.2, obtemos que \(|P|=p^\alpha\) e \(P\) é subgrupo de Sylow de \(G\).

  2. Seja \(C=\{P^g\mid g\in G\}\) a classe de conjugação de \(P\) em \(G\). Note que os elementos de \(C\) são \(p\)-subgrupos de Sylow de \(G\). O grupo \(G\) age no conjunto \(C\) e o grupo \(Q\) também age neste conjunto. Pelo Teorema Órbita-Estabilizador (Corolário 62.1, veja também Exemplo 62.6), \[ |C|=|G:N_G(P)|. \] Como \(P\leq N_G(P)\), temos que \(p^\alpha\mid |N_G(P)|\). Em particular \(p\nmid |C|\). Assuma que \(C_1,\ldots,C_r\) são as \(Q\)-órbitas em \(C\). Aplicando de novo o Teorema Órbita-Estabilizador, temos que \(|C_i|=p^{a_i}\) com \(a_i\geq 0\) e temos que \[ |C|=p^{a_1}+\cdots+p^{a_r}. \] Como \(p\nmid |C|\), obtemos que existe algum \(i\) tal que \(a_i=0\); ou seja, existe uma \(Q\)-órbita tal que \(|C_i|=1\). Suponha que \(C_i=\{R\}\). Então \(R\) é um \(p\)-subgrupo de Sylow tal que \(R\) é normalizado por \(Q\). Pelo Exercício 65.1, \(RQ\) é um subgrupo de \(G\) de ordem \(|R||Q|/|R\cap Q|=p^{2\alpha}/|R\cap Q|\). Como \(p^\alpha\) é  a maior potência que divide a ordem de \(G\), o Teorema de Lagrange (Teorema 58.1) implica que \(R=.\). Ou seja \(Q\) é igual um conjugado de \(P\).

  3. Seja \(S\) o conjunto de \(p\)-subgrupos de Sylow de \(G\) e seja \(P\in S\). Temos que \(P\) age em \(S\) por conjugação e \(\{P\}\) é uma \(P\)-órbita. Afirmamos que \(\{P\}\) é a única \(p\)-órbita com cardinalidade uma. Assuma que \(\{R\}\) é uma outra \(P\)-órbita. O raciocínio no parágrafo anterior mostra que \(RP\) é um subgrupo de \(G\), e portanto \(R=P\). Sejam \(S_1,\ldots,S_m\) as \(P\)-órbitas com cardinalidade maior que um. Temos pelo Teorema Órbita-Estabilizador que \(|S_i|=p^{b_i}\) com \(b_i\geq 1\) para todo \(i\) e \[ |S|=1+|S_1|+\cdots+|S_m|=1+p^{b_1}+\cdots+p^{b_m}\equiv 1\pmod p. \]

65.3 Consequências dos Teoremas de Sylow

Corolário 65.1 Sejam \(G\) um grupo finito,  \(p\) um primo, e \(H\) um \(p\)-subgrupo de Sylow em \(G\) com \(|H|=p^\alpha\).

  • O subgrupo \(H\) é normal em \(G\) se e somente se ele é o único \(p\)-subgrupo de Sylow de \(G\).
  • O número \(n_p\) de \(p\)-subgrupos de \(G\) satisfaz as condições \[ n_p\equiv 1\pmod p,\quad n_p\mid |G|/p^\alpha. \]

Corolário 65.2 (Teorema de Cauchy) Se \(G\) é um grupo finito e \(p\) um primo tal que \(p\mid |G|\), então \(G\) possui um elemento de ordem \(p\).

Comprovação. Seja \(P\) um \(p\)-subgrupo de Sylow de \(G\). Assuma que \(g\in P\setminus\{1\}\). Então, \(|g|=p^k\) com algum \(k\geq 1\). Ora, \(g^{p^{k-1}}\) é um elemento de ordem \(p\).

Exercício 65.3 Seja \(G\) um grupo finito, \(p\) um primo e \(H\) um \(p\)-subgrupo de \(G\). Mostre que \(H\) está contido em um \(p\)-subgrupo de Sylow de \(G\). [Dica: Adapte o argumento na demonstração da afirmação 2 no teorema acima.]

Exercício 65.4 Deduza do Exercício 65.3 a seguinte versão grupo-teórica do Teorema de Engel (compare também com o Teorema de Lie). Seja \(V\) um espaço vetorial de dimensão finita sobre \(\Z_p\) e assuma que \(P\leq \GLV V\) tal que \(|P|=p^\alpha\) com algum \(\alpha\geq 1\). Deduza do Exercício 65.3 que existe uma base \(B\) de \(V\) tal que as matrizes dos endomorfismos de \(P\) na base \(B\) são unitriangulares (triangulares superiores com \(1\) nas entradas diagonais).

Exercício 65.5 Resolve o exercício Exercício 65.4 sem usar os Teoremas de Sylow. [Dica: Considere as \(P\)-órbitas nos vetores de \(V\) e mostre que existe pelo menos uma órbita na forma \(\{v\}\) com \(v\neq 0\). Depois use indução pela dimensão de \(V\).]

Exemplo 65.2 Não existe um grupo simples de ordem 100. De fato, se \(G\) é um grupo de ordem 100, então  o número de \(5\)-subgrupos de Sylow de \(G\) é congruente com 1 módulo 5 mas também é um divisor de \(100/25=4\). Portanto, \(G\) possui único \(5\)-subgrupo de Sylow que precisa ser normal e assim \(G\) não pode ser um grupo simples.

Exercício 65.6 Demonstre que não há grupo simples de ordem \(66\) ou de ordem \(144\). O caso da ordem \(66\) é fácil é pode usar o argumento do Exemplo 65.2. O caso da ordem \(144\) é mais difícil, mas pode assistir ao vídeo do Michael Penn.