4  Pares ordenados e produtos cartesianos

4.1 Pares ordenados

A ordem dos elementos em um conjunto não faz diferença; ou seja, os conjuntos \(\{a,b\}\) e \(\{b,a\}\) são iguais. Além disso, os conjuntos \(\{a,a,b\}\) e \(\{b,b,a\}\) são também iguais ao conjunto \(\{a,b\}\) e não tem como indicar quantas vezes um conjunto contém algum elemento. Às vezes é necessário trabalhar com coleções ordenadas de objetos (onde a ordem faz diferença) que podem também conter elementos mais que uma vez. Para isso servem os pares ordenados. O par ordenado dos objetos \(a,b\) é denotado por \((a,b)\).

A propriedade fundamental de pares ordenados é que \[ (a,b)=(c,d)\quad \bicond\quad a=c\mbox{ e }b=d. \]

Uma possível definição formal de um par ordenado é devido ao matemático Kuratowski. Ele definiu o par ordenado \((a,b)\) como o conjunto \(\{\{a\},\{a,b\}\}\). O leitor pode verificar que definindo assim pares ordenados, o conceito obtido satisfaz a propriedade fundamental.

Exemplo 4.1 No plano cartesiano, um ponto \(P\) está definido com suas coordenadas \((x,y)\); ou seja, com o par ordenado \((x,y)\). Por exemplo, o ponto \(P=(1,2)\) é diferente do ponto \(Q=(2,1)\) e precisamos também falar do ponto \(R=(-1,-1)\). De fato, dois pontos \(P_1=(x_1,y_1)\) e \(P_2=(x_2,y_2)\) são iguais se e somente se \(x_1=x_2\) e \(y_1=y_2\).

4.2 O produto cartesiano

Definição 4.1 O produto cartesiano de dois conjuntos \(A\) e \(B\) é o conjunto de pares ordenados \((a,b)\) tais que \(a\in A\) e \(b\in B\). Em símbolos, \[ A\times B=\{(a,b)\mid a\in A\mbox{ e }b\in B\} \]

Exemplo 4.2 Por exemplo, se \(A=\{1,2\}\) e \(B=\{1,3,4\}\), então \[ A\times B=\{(1,1),(1,3),(1,4),(2,1),(2,3),(2,4)\} \]

Exemplo 4.3 O conjunto dos pontos no plano cartesiano pode ser identificado com o conjunto \[ \R\times \R=\{(x,y)\mid x,y\in \R\}. \]

4.3 Relações

Definição 4.2 Sejam \(A\) e \(B\) conjuntos. Uma relação entre \(A\) e \(B\) é um subconjunto \[ R\subseteq A\times B. \] Quando \(A=B\) e \(R\subseteq A\times A\), dizemos que \(R\) é uma relação sobre \(A\).

Exemplo 4.4 Por exemplo, considerando o conjunto no Exemplo 4.2, o conjunto \[ R=\{(1,3),(1,4),(2,1)\} \] é uma relação entre \(A\) e \(B\).

Definição 4.3 Seja \(R\subseteq A\times B\). Quando \((a,b)\in R\) dizemos que \(a\) está relacionado com \(B\), \(a\) está em relação com \(b\), ou que \(a\) e \(b\) estão relacionados. Neste caso escrevemos \[ aRb. \]

Exemplo 4.5 No Exemplo 4.4, temos que \(1\) está relacionado com \(3\) pela relação \(R\) e escrevemos que \(1R3\). Por outro lado, \(2\) não está relacionado com \(3\) pela mesma relação e escrevemos que \(2\not R3\).

Quando trabalhamos com relações teoricamente, denotamo-nas com letras como \(R\), \(Q\), \(S\), etc. Quando trabalhamos com relações particulares, usaremos símbolos tais como \(=\), \(\leq\), \(<\), \(\prec\), etc, como nos seguintes exemplos.

Exemplo 4.6 Os seguintes são exemplos importantes de relações.

  1. Em qualquer conjunto \(A\neq\emptyset\), temos a relação igualdade \(=\). Formalmente, a igualdade é a relação \[ \{(a,a)\mid a\in A\}\subseteq A\times A. \] Dois elementos \(a,b\in A\) estão relacionados se e somente se \(a=b\).

  2. Se \(A\subseteq \R\) não vazio, então temos a relação menor \(<\). Esta relação está definido com o conjunto \[ \{(a,b)\in A\times A\mid a<b\}\subseteq A\times A. \] Podemos definir similarmente a relação menor ou igual \(\leq\) como o conjunto \[ \{(a,b)\in A\times A\mid a\leq b\}\subseteq A\times A. \] Além disso, o leitor pode também definir as relações maior e maior ou igual.

  3. No conjunto \(\Z\) podemos definir a relação divisor \(\mid\). Esta relação está definida formalmente como \[ \{(a,b)\in\Z\times\Z\mid b=qa\textrm{ com algum }q\in \Z\}. \]

4.4 Propriedades de relações

Definição 4.4 Seja \(R\) uma relação sobre \(A\).

  1. Dizemos que \(R\) é reflexiva se \(aRa\) para todo \(a\in A\) (ou seja \((a,a)\in R\) para todo \(a\in A\)).
  2. Dizemos que \(R\) é simétrica se \(aRb\) implica que \(bRa\) para todo \(a,b\in A\).
  3. Dizemos que \(R\) é antisimétrica se \(aRb\) e \(bRa\) implicam que \(a=b\) para todo \(a,b\in A\).
  4. Dizemos que \(R\) é transitiva se \(aRb\) e \(bRc\) implicam que \(aRc\) para todo \(a,b,c\in A\).

Exemplo 4.7 Considerando as relações no Exemplo 4.6, temos que as relações de igualdade, maior ou igual, menor ou igual, e divisor são reflexivas. A igualdade é simétrica. As relações maior ou igual, menor ou igual, maior e menor são antisimétricas, e todas as relações neste exemplo são transitivas.

4.5 \(k\)-uplas ordenadas e produto cartesiano de vários conjuntos

Similarmente ao par ordenado, podemos considerar coleções ordenadas \((a_1,a_2,\ldots,a_k)\) (chamadas de \(k\)-uplas) de objetos. A propriedade fundamental destes \(k\)-uplas é que \[ (a_1,a_2,\ldots,a_k)=(b_1,b_2,\ldots,b_k)\quad\mbox{se e somente se}\quad \forall i\in\{1,\ldots,k\}\colon a_i=b_i. \]

Podemos definir o produto cartesiano de conjuntos \(A_1,\ldots,A_k\) como \[ A_1\times \cdots \times A_k=\{(a_1,a_2,\ldots,a_k)\mid \forall i\in\{1,\ldots,k\}\colon a_i\in A_i\}. \]

Exemplo 4.8 Similarmente ao plano cartesiano, um ponto no espaço cartesiano pode ser caraterizado por uma \(3\)-upla (tripla) \((x,y,z)\in\R\times \R\times \R=\R^3\). Assim o espaço cartesiano pode ser identificado com o conjunto \(\R^3=\R\times \R\times\R\).

Na disciplina GAAL, vocês estudam o espaço \(\R^n\) que pode ser visto como o produto cartesiano \(\R\times\cdots\times\R\) de \(n\) cópias de \(\R\) e seus elementos são \(n\)-uplas \((x_1,\ldots,x_n)\) com \(x_i\in \R\).