81  O grupo alternado

81.1 Permutações pares e ímpares

Seja \(n\) um número natural e considere o grupo simétrico \(S_n\). O grupo \(S_n\) age sobre o a conjunto \(\Q[x_1,\ldots,x_n]\) de polinômios permutando as variáveis.

Exercício 81.1 Mostre que esta ação de \(S_n\) induz automorfismos da álgebra \(\Q[x_1,\ldots,x_n]\). Ou seja, temos para todo \(f,g\in \Q[x_1,\ldots,x_n]\), \(\alpha\in\Q\) e \(\sigma\in S_n\) que

  1. \((f+g)\sigma=f\sigma+g\sigma\);
  2. \((fg)\sigma=(f\sigma)(g\sigma)\);
  3. \((\alpha f)\sigma=\alpha(f\sigma)\).

Ou seja, obtemos um mergulho \(S_n\to \aut{\Q[x_1,\ldots,x_n]}\).

Considere o polinômio \[ \Psi=\Psi(x_1,\ldots,x_n)=\prod_{1\leq i<j\leq n} (x_i-x_j). \] Se \(\sigma\in S_n\), então \(\Psi \sigma\in\{\Psi,-\Psi\}\); ou seja, a órbita de \(\Psi\) contém apenas dois elementos, nomeadamente \(\Psi\) e \(-\Psi\).

Definição 81.1 Uma permutação \(\sigma\in S_n\) é dita par se \(\Psi\sigma=\Psi\); caso contrário ela é dita ímpar. O conjunto \(A_n\) das permutações pares é o estabilizador de \(\Psi\) pela ação de \(S_n\) sobre \(\Q[x_1,\ldots,x_n]\) e portanto é um subgrupo de \(S_n\). Este grupo chama-se grupo alternado de grau \(n\). Além disso, \[ |S_n:A_n|=|\Psi S_n|=2 \] e em particular \(A_n\) é um subgrupo normal em \(S_n\). Note que \[ |A_n|=|S_n|/2=n!/2. \]

Exercício 81.2 Mostre, para  \(\sigma\in S_n\), que \(\sigma\in A_n\) se e somente se \[ |\{(i,j)\mid 1\leq i<j\leq n \mbox{ tais que }\ i\sigma > j\sigma\}| \] é um número par.

As seguintes afirmações nos ajudam determinar se uma permutação particular é par ou ímpar.

Lema 81.1 Seja \(n\) um número natural com \(n\geq 3\) e sejam \(\sigma,\pi\) elementos de \(S_n\).

  1. Se \(\sigma,\pi\in A_n\), então \(\sigma\pi\in A_n\).
  2. Se \(\sigma,\pi\in S_n\setminus A_n\), então \(\sigma\pi\in A_n\).
  3. Se \(\sigma\in A_n\) e \(\pi\in S_n\setminus A_n\), então \(\sigma\pi,\pi\sigma\in S_n\setminus A_n\).
  4. Se \(1\leq a< b\leq n\), então \((a,b)\not\in A_n\).
  5. Um ciclo de comprimento \(m\) é par se e somente se \(m\) é ímpar.

Comprovação. 1.–3. Afirmações 1-3 podem ser deduzidas imediatamente da definição de \(A_n\) mas também do fato que \(A_n\) tem índice \(2\) em \(S_n\).

  1. Como \(A_n\) é normal em \(S_n\), ele é fechado para conjugação e é suficiente mostrar esta afirmação para \(\sigma=(1,2)\). Note que \[\begin{eqnarray*} \Psi\sigma&=&\left[\prod_{1\leq i<j\leq n}(x_i-x_j)\right]\sigma\\&=&\left[(x_1-x_2)\prod_{i=3}^n(x_1-x_i)\prod_{i=3}^n(x_2-x_i)\prod_{3\leq i<j\leq n}(x_i-x_j)\right]\sigma\\&=& (x_2-x_1)\prod_{i=3}^n(x_2-x_i)\prod_{i=3}^n(x_1-x_i)\prod_{3\leq i<j\leq n}(x_i-x_j)\\ &=&-\Psi. \end{eqnarray*}\]

  2. Como no item anterior, basta provar esta afirmação para o ciclo \(\sigma=(1,2,\ldots,m)\). Note que \[ \sigma=(1,2,\ldots,m)=(1,2)(1,3)\cdots(1,m). \] Portanto \(\sigma=(1,2,\ldots,m)\) é um produto de \(m-1\) ciclos de comprimento 2. Combinando os itens anteriores, temos que \(\sigma\in A_n\) se e somente se \(m\) é ímpar.

81.2 Grupos simples

Definição 81.2 Um grupo \(G\neq\{1\}\) chama-se simples se \(G\) não possui subgrupo normal além dos subgrupos \(\{1\}\) e \(G\).

Exercício 81.3 Seja \(G\) um grupo abeliano. Mostre que \(G\) é simples se e somente se \(G\) é um grupo cíclico de ordem prima.

Grupos simples podem ser vistos como blocos de construção para grupos em geral.

81.3 Grupos \(2\)-transitivos

Definição 81.3 Um grupo que age em \(\Omega\) é dito \(2\)-transitivo se para todo \((\alpha,\beta),(\gamma,\delta)\in\Omega\times\Omega\) tais que \(\alpha\neq \beta\) e \(\gamma\neq \delta\), existe \(g\in G\) tal que \((\alpha,\beta)g=(\gamma,\delta)\) (ou seja, \(\alpha g=\gamma\) e \(\beta g=\delta\)).

Exercício 81.4 Mostre que um grupo transitivo \(G\) em \(\Omega\) é 2-transitivo se e somente se o estabilizador \(G_\alpha\) é transitivo em \(\Omega\setminus\{\alpha\}\) para todo \(\alpha\in\Omega\).

Exemplo 81.1 Os grupos \(S_n\) (\(n\geq 2\)) e \(A_n\) (\(n\geq 4\)) são 2-transitivos. Os grupos \(\operatorname{GL}(n,\F)\) e \(\operatorname{SL}(n,\F)\) são 2-transitivos em \(\mathbb P\F^n\) (\(n\geq 2\)).

Definição 81.4 Um subgrupo (próprio) \(H< G\) de \(G\) é dito maximal se não existe subgrupo \(K\) de \(G\) tal que \(H<K<G\).

Exemplo 81.2 Pelo Teorema 75.1, temos que um subgrupo \(H\) de índice primo em \(G\) é maximal em \(G\).

Lema 81.2 Se \(G\) é um grupo não trivial, age em \(\Omega\) e \(G\) é \(2\)-transitivo, então \(G_\alpha\) é subgrupo maximal para todo \(\alpha\in\Omega\).

Comprovação. Seja \(\alpha\in\Omega\) e considere o estabilizador \(G_\alpha\). Vamos provar, para todo \(g\in G\setminus G_\alpha\), que \[ \left<G_\alpha,g\right>=G. \] Isso é uma outra forma de dizer que \(G_\alpha\) é maximal em \(G\). Seja \(g\in G\setminus G_\alpha\) arbitrário. A inclusão \(\leq\) está claramente válida, então precisa provar a inclusão \(\geq\). Seja \(H=\left<G_\alpha,g\right>\). Usando a notação da Seção 79.5, notemos primeiro que \[ G_{\alpha\to \alpha}=G_\alpha\subseteq H. \] Seja agora \(\gamma\in\Omega\setminus\{\alpha\}\). Como \(g\not\in G_\alpha\), temos que \(\beta=\alpha g\neq \alpha\). Como \(G\) é \(2\)-transitivo, Exercício 81.4 implica que existe \(g_\gamma\in G_\alpha\) tal que \(\beta g_\gamma=\gamma\), e assim \(\alpha gg_\gamma=\gamma\). Usando novamente a notação em Seção 79.5, isso implica que \[ G_{\alpha\to \gamma}=G_\alpha g g_\gamma\subseteq H\quad\mbox{para todo}\quad\gamma\in\Omega\setminus\{\alpha\}. \] Portanto, temos que \[ G_{\alpha\to \gamma}\subseteq H\quad\mbox{para todo}\quad\gamma\in\Omega. \] Mas o Teorema 79.2 nos diz que os conjuntos \(G_{\alpha\to \beta}\) são precisamente as classes laterais de \(G_\alpha\) in \(G\). Logo toda classe lateral de \(G_\alpha\) está contida de \(H\). Como a união destas classes laterais é o proprio \(G\), temos que \(G\leq H\) e que \(H=G\).

Exemplo 81.3 Obtemos do Lema 81.2 que \(S_{n-1}\) é maximal em \(S_n\) e \(A_{n-1}\) é maximal em \(A_n\).

81.4 \(A_n\) é simples

Exercício 81.5 Assuma que \(G\) age em \(\Omega\) transitivamente e seja \(\alpha\in\Omega\). Mostre para todo \(H\leq G\) que \(G_\alpha H=G\) se e somente se \(H\) é transitivo em \(\Omega\).

Teorema 81.1 Se \(n=3\) ou se \(n\geq 5\), então o grupo alternado \(A_n\) é simples.

Comprovação. Note que \(A_3=\left<(1,2,3)\right>\) então \(A_3\) é um grupo cíclico de ordem três, portanto simples. O grupo \(\left<(1,2)(3,4),(1,3)(2,4)\right>\) é normal em \(A_4\), então \(A_4\) não é simples. O resto da demonstração vai por indução em \(n\), o caso \(n=5\) sendo a base da indução.

Vamos provar primeiro que \(A_5\) é simples. Começamos por determinar as classes de conjugação de \(A_5\). Lembre que as classes de conjugação de \(S_5\) foram determinadas no Exemplo 80.3. Para determinar as classes de \(A_5\), vamos primeiro fazer algumas observações. Seja \(C\) uma classe de conjugação de \(S_5\) e seja \(\sigma\in C\).

Como \(A_5\unlhd S_5\), a classe \(C\) ou é contido inteiramente em \(A_5\) (ou seja, \(C\subseteq A_5\)) ou está completamente fora de \(A_5\) (ou seja, \(C\cap A_5=\emptyset\)). Se \(C\subseteq A_5\), então \(C\) é uma união de classes de conjugação de \(A_5\). Assuma que \(C\subseteq A_5\). Usando o centralizador definido em Exemplo 79.5, note que \[ C_{A_5}(\sigma)=A_5\cap C_{S_5}(\sigma). \] Se \(C_{S_5}(\sigma)\leq A_5\), então \(C_{S_5}(\sigma)=C_{A_5}(\sigma)\) e a Proposição 80.1 implica que \[ |\sigma^{A_5}|=|A_5:C_{A_5}(\sigma)|=|S_5:C_{S_5}(\sigma)|/2=|\sigma^{S_5}|/2. \] Ou seja, neste caso, a \(S_5\)-classe \(C\) é uma união de duas \(A_5\)-classes \(C'\) e \(C''\) cada uma contendo a metade dos elementos de \(C\). Se \(C_{S_5}(\sigma)\not\leq A_5\), então \(C_{S_5}(\sigma)A_5=S_5\) e obtemos do Lema 78.1 que \(C_{S_5}(\sigma)A_5=S_5\). Portanto, \[ |S_5|=\frac{|C_{S_5}(\sigma)||A_5|}{|C_{S_5}(\sigma)\cap A_5|}=\frac{|C_{S_5}(\sigma)||A_5|}{|C_{A_5}(\sigma)|}. \] Isto implica que \(|C_{A_5}(\sigma)|=|C_{S_5}(\sigma)|/2\). Portanto a Proposição 80.1 implica que \[ |\sigma^{A_5}|=|A_5:C_{A_5}(\sigma)|=|S_5:C_{S_5}(\sigma)|=|\sigma^{S_5}|. \] Ou seja, neste caso, a \(S_5\)-classe \(C\) será uma classe em \(A_5\).

Agora usando a tabela das classes de \(S_5\) no Exemplo 80.3 e estas observações, é possível obter uma tabela das classes de conjugação de \(A_5\).

\(x\) \(|x^{A_5}|\) \(|C_{A_5}(x)|\) \(C_{A_5}(x)\)
\(1\) \(1\) \(60\) \(A_5\)
\((1,2)(3,4)\) \(15\) \(4\) \(\left<(1,2)(3,4),(1,3)(2,4)\right>\)
\((1,2,3)\) \(20\) \(3\) \(\left<(1,2,3)\right>\)
\((1,2,3,4,5)\) \(12\) \(5\) \(\left<(1,2,3,4,5)\right>\)
\((1,2,3,5,4)\) \(12\) \(5\) \(\left<(1,2,3,5,4)\right>\)

Seja \(N\) um subgrupo normal de \(A_5\). Então temos pelo Teorema 75.1 que \(|N|\mid 60\) e \(N\) é uma união de classes de conjugação contendo a classe \(\{1\}\) (Exercício 77.1). Portanto \[ |N|=1+\alpha_1\cdot 15+\alpha_2\cdot 20+\alpha_3\cdot 12 \] onde \(\alpha_1,\alpha_2\in\{0,1\}\) e \(\alpha_3\in\{0,1,2\}\). Uma consideração fácil mostra que as únicas possibilidades para \(|N|\) são \(|N|=1\) ou \(|N|=60\). Portanto \(A_5\) não possui subgrupo normal difrente de \(\{1\}\) ou \(A_n\).

Assuma que \(A_n\) é simples para algum \(n\geq 5\) considere \(G=A_{n+1}\). Seja \(G_i\) o estabilizador do ponto \(i\) em \(G\). Em particular \(G_i\cong A_{n}\) e \(G_i\) é subgrupo maximal em \(A_n\) por Lema 81.2. Seja \(N\unlhd G\).  A interseção \(N\cap G_1\) é normal em \(G_1\) (Teorema 77.2). Pela hipótese da indução, tem-se que \(N\cap G_1=G_1\) ou \(N\cap G_1=1\). No primeiro caso, como \(N\) é um subgrupo normal de \(G\) que contém \(G_1\). Mas \(G_1\) não é normal em \(G\), e assim \(G_1<N\). Como \(G_1\) é maximal em \(G\) (Lema 81.2), temos que \(N=G\).

Assuma agora que \(N\cap G_i=1\) para todo \(i\). Assuma que \(N\neq 1\). Neste caso \(NG_1=G\) (\(G_1\) é maximal) e Lema 78.1 implica que \(|N|=n+1\). Além disso, obtemos do Exercício 81.5 que \(N\) é transitivo e Corolário 79.1 implica que \(N_\alpha=1\) para todo \(\alpha\in\Omega\). Assuma que \(\sigma\in N\setminus\{1\}\) e escreva \(\sigma\) como um produto \(\sigma=\sigma_1\cdots \sigma_m\) de ciclos disjuntos onde  \(\sigma_i\) é um \(r_i\)-ciclo com \(r_1\geq r_2\geq\cdots\geq r_m\). Assuma que \(r_1\geq 3\) e seja \(\sigma_1=(1,2,\ldots,k)\) com \(k\geq 3\). Seja \(\varrho=(3,4,5)\). Então \([\varrho,\sigma^{-1}]= \sigma^\varrho\sigma^{-1}\in N\cap G_1\setminus\{1\}\) que é uma contradição. Portanto \(r_1=\cdots=r_m=2\). Assuma que \(\sigma=(1,2)(3,4)\cdots\) e seja \(\varrho=(4,5,6)\). Então \(\sigma^\varrho\sigma^{-1}\in N\cap G_1\) que é uma contradição.

81.5 Outros grupos simples

Na verdade, os grupos não abelianos simples são bastante complicados. Um projeto para obter uma classificação dos grupos simples finitos foi iniciado nos anos 1950. O resultado foi anunciado em 1979, mas partes da demonstração foram publicadas apenas no início dos anos 2000. O teorema da classificação afirma o seguinte.

Teorema 81.2 Os grupos simples finitos são

  • os grupos cíclicos de ordem prima;
  • os grupos alternados \(A_n\) com \(n\geq 5\);
  • os grupos finitos de tipo Lie definidos sobre um corpo finito;
  • os 26 grupos esporádicos.

Um exemplo de um grupo simples de tipo Lie é \(\operatorname{PSL}(n,q)=\operatorname{SL}(n,q)/Z\) onde \(Z\) é o centro de \(\operatorname{SL}(n,q)\). Pode se provar, para \(n\geq 2\), que \(\operatorname{PSL}(n,q)\) é simples a menos que \((n,q)\in\{(2,2),(2,3)\}\).

A demonstração do teorema de classificação é extremamente profunda e, se fosse escrita em um único documento, ocuparia cerca de 10 mil páginas.

Entre os grupos esporádicos, o maior e o mais misterioso é o grupo Monstro. Nos seguintes vídeos, o lendário John Conway fala sobre este grupo.

Aqui tem mais um vídeo sobre outros grupos esporádicos, incluindo seu irmão caçula o Baby Monstro.

Finalmente, aqui vem um vídeo de 3Blue1Brown sobre a mesmo tópico.