66  A decomposição cíclica

Se \(f:V\to V\) é um operador linear, e \(A\leq V\), então definimos a pré-imagem de \(A\) por \(f\) como \[ f^{-1}(A)=\{v\in V\mid f(v)\in A\}. \] Note que \(f\) não precisa ser invertivel.

Exercício 66.1 Demonstre as seguintes aformações para um endomorfismo \(f:V\to V\) e para \(A,B\leq V\):

  • \(f^{-1}(A)\leq V\);
  • \(\ker f\leq f^{-1}(A)\);
  • \(f^{-1}(f(A))=A+\ker f\);
  • \(f^{-1}(A+B)=f^{-1}(A)+f^{-1}(B)\);
  • \(f(A\cap B)=f(A)\cap f(B)\).

Teorema 66.1 Seja \(V\) um espaço vetorial de dimensão não necessariamente finita e \(f:V\to V\) um operador nilpotente com grau de nilpotência \(d\) (ou seja, \(m_f(t)=t^d\)).

  • Existe um vetor \(v\in V\) tal que \(f^{m-1}(v)\neq 0\).
  • Pondo \(U=\langle v,f(v),\ldots,f^{m-1}(v)\rangle\), existe \(W\leq V\) \(f\)-invariante tal que \(V=U\oplus W\).

Comprovação. Indução por \(m\). Se \(d=0\), então \(f=0\), \(U=\langle v\rangle\) e qualquer complemento \(W\) de \(U\) em \(V\) serve.

Assuma que a afirmação está verdadeira para operadores de grau de nilpotência \(d-1\). Considere \(X=\mbox{Im}(f)\). Então a restrição \(f_X=f|_X\) tem grau de nilpotência \(m-1\) e \(U_X=U\cap X=\langle f(v),\ldots,f^{m-1}(v)\rangle\) é um espaço \(f\)-cíclico de dimensão \(m-1\) em \(X\). Pela hipótese da indução, existe \(W_X\leq X\) espaço \(f\)-invariante tal que \[ X=U_X+W_X. \] Ponha \[ \widetilde W=f^{-1}(W_X)=\{v\in V\mid f(v)\in W_X\} \] e note que \(W\leq \widetilde W_X\), pois \(W_X\) é \(f\)-invariante.

Afirmação 1: \(V=U+\widetilde W\).

Prova da afirmação: De fato, \[\begin{align*} V&=f^{-1}(X)=f^{-1}(U_X+W_X)=f^{-1}(U_X)+f^{-1}(W_X)\\&=f^{-1}(f(U))+f^{-1}(W_X)=U+\ker f+\widetilde W\\& U+\widetilde W. \end{align*}\] A última equação vale, pois \(\ker f\leq \widetilde W=f^{-1}(W_X)\).

Afirmação 2: \(U\cap W_X=0\).

Prova da afirmação: Usando a definição de \(U_X\) e que \(W_X\) é \(f\)-invariante, obtemos que \[ f(U\cap W_X)=f(U)\cap f(W_X)\leq U_X\cap W_X=0. \] Ou seja, \(U\cap W_X\leq \ker f\). Ora, \[ U\cap W_X\leq U\cap \ker f\cap W_X=\langle f^{m-1}(v)\rangle\cap W_X\leq U_X\cap W_X=0. \]

Afirmação 3: \(W_X\cap (U\cap \widetilde W)=0\) e \(W_X\oplus (U\cap \widetilde W)\leq \widetilde W\).

Prova da afirmação: A primeira afirmação (com a interseção) segue da Afirmação 2, enquanto a segunda segue da primeira e do fato que \(W_X\leq \widetilde W\).

Agora escolha um complemento \(Z\) de \(W_X\oplus (U\cap \widetilde W)\) em \(\widetilde W\). Qualquer complemento linear serve, não precisa ser \(f\)-invariante. Tendo escolhido \(Z\), temos que \[\begin{equation}\label{eq:ds} \widetilde W=(W_X\oplus (U\cap \widetilde W))\oplus Z; \end{equation}\] em particular, \(Z\cap (W_X\oplus (U\cap \widetilde W))=0\).

Afirmação 4: \(V=U\oplus(W_X\oplus Z)\).

Prova da afirmação: Primeiro, \[ V=U+\widetilde W= U+W_X\oplus (U\cap \widetilde W)\oplus Z=U+W_X\oplus Z. \] Ademais,\(W_X\oplus Z\leq \widetilde W\), e, usando o fato que \(\widetilde W\) é soma direta como acima, \[ U\cap (W_X\oplus Z)\leq (W_X\oplus Z)\cap(U\cap \widetilde W)=0. \]

Afirmação 5: \(W_X\oplus Z\) é \(f\)-invariante.

Prova da afirmação: \(W_X\) é \(f\)-invariante por escolha, enquanto \(Z\leq \widetilde W=f^{-1}(W_X)\) que implica que \(f(Z)\leq W_X\). Logo \(f(Z\oplus W_X)\leq W_X\) e \(W_X\oplus Z\) é \(f\)-invariante.

Corolário 66.1 Assuma que \(f:V\to V\) é um endomorfismo nilpotente de um espaço \(V\) de dimensão finita. Então \[ V=W_1\oplus \cdots\oplus W_k \] onde cada \(W_i\) é um espaço \(f\)-cíclico (em particular, \(W_i\) é \(f\)-invariante).

Comprovação. Indução pela dimensão de \(V\). Se \(\dim V=1\), então \(V\) é \(f\)-cíclico e a afirmação vale com \(k=1\) e \(W_1=V\). Assuma que o corolário vale para espaços de dimensão menor que algum \(k\geq 2\) e seja \(V\) um espaço de dimensão \(k\) e \(f:V\to V\) nilpotente de grau \(m\). Pelo resultado anterior, existe \(v\in V\) tal que \(f^{m-1}(v)\neq 0\) e defina \(W_1=\langle v,f(v),\ldots,f^{m-1}(v)\rangle\). Se \(m=\dim V\) e \(W_1=V\), então o corolário vale com \(k=1\) e \(W_1=V\) e não temos nada mais para provar. No caso contrário, o teorema anterior implica que \(V=W_1\oplus W\) com algum \(W\) espaço \(f\)-invariante. Agora \(\dim W < \dim V\) e aplicamos a hipótese da indução para \(W\): \[ W=W_2\oplus \cdots \oplus W_k \] com \(W_i\) sendo \(f\)-cíclico para todo \(i\). Ora \[ W=W_1\oplus W_2\oplus \cdots \oplus W_k. \] é uma decomposição em espaços \(f\)-cíclicos.