69  O Lema de Iwasawa e a simplicadade de PSL(𝑛,𝔽)

Lema 69.1 (Iwasawa)  Assuma que um grupo \(G\) age primitivamente no conjunto \(\Omega\) e um estabilizador \(G_\alpha\) possui um subgrupo normal abeliano \(A\) tal que \(\left<A^g\mid g\in G\right>=G\). Suponha ainda que \(G\) é perfeito (ou seja, \(G'=G\)). Denotando por \(K\) o núcleo da ação de \(G\) em \(\Omega\), tem-se que \(G/K\) é simples.

Comprovação. Trocando \(G\) por \(G/K\), podemos assumir sem perder generalidade que \(K=1\); ou seja \(G\) é um subgrupo de \(S(\Omega)\). Seja \(N\neq 1\) um subgrupo normal de \(G\). Como \(G_\alpha\) é maximal, \(G_\alpha N=G\) e todo elemento \(x\in G\) pode ser escrito como \(x=gn\) onde \(g\in G_\alpha\) e \(n\in N\). Em particular, \(A^x=A^{(gn)}=A^n\). Logo \(AN=G\) e \(G/N=A/(A\cap N)\) é abeliano. Como \(G'=G\), obtemos que \((G/N)'=G/N\), que implica que \(N=G\).  Ou seja \(G\) é simples.

Teorema 69.1 Seja \(n\geq 2\) e \(\F\) um corpo (finito ou infinito) tal que \((n,|\F|)\neq (2,2), (2,3)\). Então o grupo \(PSL(n,\F)\) é simples.

Comprovação. Nós vamos mostrar que as condições do Lema de Iwasawa estão válidas.

Ação: Considere o grupo \(G=SL(n,\F)\) com sua ação em \(\Omega=\{\left<v\right>\mid v\in\F^n\setminus\{0\}\}\). Mostramos anteriormente na aula que \(SL(n,\F)\) é 2-transitivo em \(\Omega\) e portanto primitivo. O núcleo da ação é \[ K=\{\lambda I\mid \lambda^n=1\} \] onde \(I\) é a matriz identidade.  Então \(SL(n,\F)/K\cong PSL(n,\F)\).

O estabilizador. Seja \(\alpha=\left<(1,0,\ldots,0)\right>\). O estabilizador de \(\alpha\) é composto por matrizes na forma \[ \begin{pmatrix} a & 0\\ v & A\end{pmatrix} \] onde \(a\in\F^*\), \(v\in \F^{n-1}\), \(0\) é o vetor nulo em \(\F^{n-1}\) e \(A\) é uma matriz \((n-1)\times (n-1)\) tal que \(\det A=a^{-1}\).

Afirmação. As seguintes afirmações são verdadeiras: \[\begin{align*} \begin{pmatrix} 1 & 0\\ v & I\end{pmatrix}\begin{pmatrix} a & 0\\ 0 & A\end{pmatrix}=&\begin{pmatrix} a & 0\\ a v & A\end{pmatrix}\\ \begin{pmatrix} 1 & 0\\ v_1 & I\end{pmatrix}\begin{pmatrix} 1 & 0\\ v_2 & I\end{pmatrix}=& \begin{pmatrix} 1 & 0\\ v_1+v_2 & I\end{pmatrix}\\ \begin{pmatrix} a_1 & 0\\ 0 & A_1\end{pmatrix}\begin{pmatrix} a_2 & 0\\ 0 & A_2\end{pmatrix}=&\begin{pmatrix} a_1a_2 & 0\\ 0 & A_1A_2\end{pmatrix}\\\begin{pmatrix} a & 0\\ 0 & A\end{pmatrix}\begin{pmatrix} 1 & 0\\ v & I\end{pmatrix}=& \begin{pmatrix} 1 & 0\\ a^{-1}A v^t & I\end{pmatrix}\begin{pmatrix} a & 0\\ 0 & A\end{pmatrix}. \end{align*}\]

Conseqência: Seja \[\begin{align*} A=&\left\{\begin{pmatrix} 1 & 0\\ v & I\end{pmatrix}\mid v\in \F^{n-1}\right\}\\ H=&\left\{\begin{pmatrix} a & 0\\ 0 & A\end{pmatrix}\mid \det A=a^{-1}\right\}. \end{align*}\] Então \(H\leq G_\alpha\), \(A\unlhd G_\alpha\) e \(A\) é um grupo abeliano.

\(G\) é gerado pelos conjugados de \(A\). Seja \(X\) uma matriz \(n\times n\) tal que \(\det X=1\). É bem conhecido que, usando as seguintes operações, \(X\) pode ser transformado a matriz identidade:

somar um múltiplo da \(i\)-ésima linha a \(j\)-ésima linha (\(i\neq j\));  somar um múltiplo da \(i\)-ésima coluna a \(j\)-ésima coluna (\(i\neq j\)).

Denote por \(e_{i,j}\) a matriz que tem toda entrada zero exceto a entrada na posição \((i,j)\) que é 1. A operação 1. corresponde à multiplicação por \(I+\lambda e_{ji}\) no lado esquerdo, enquanto a operação 2. corresponde à multiplicação no lado direito com \(I+\lambda e_{ij}\) (onde \(\lambda\in\F\)). Logo \(G=\left<I+\lambda e_{ij}\mid i\neq j,\ \lambda\in\F\right>\).

Denote por \(e_1,\ldots,e_n\) a base canônica de \(\F^n\). Seja \(T=I+\lambda e_{ij}\). Note que \(e_kT=e_k\) se \(k\neq i\), enquanto \(e_iT=e_i+\lambda e_j\). Seja \(X\in SL(n,\F)\) tal que as imagens de \(e_k\) com \(k\not\in\{i,j\}\) são \(e_3,\ldots,e_n\), respetivamente, enquanto \(e_i X=e_2\) e \(e_jX=\pm e_1\). Neste caso, \[\begin{align*} e_2X^{-1}TX=&e_iTX=(e_i+\lambda e_j)X=e_2\pm \lambda e_1\mbox{ e};\\ e_m X^{-1}TX=&e_{m'}TX=e_{m'}X=e_m\mbox{ se $m\neq 2$} \end{align*}\] onde \(m'\) é tal que \(e_{m'}X=e_m\). Obtemos então que \(T^X\in A\); ou seja, \(T\in A^{X^{-1}}\). Como o conjunto de transformações na forma \(I+\lambda e_{ij}\) com \(i\neq j\) geram \(G\), obtemos que \(G=\left<A^g\mid g\in G\right>\).

\(G'=G\). Pelo argumento no parágrafo anterior, é suficiente provar que o elemento \(I+\lambda e_{1n}\) pode ser escrito como um comutador.  Se \(n\geq 3\), então \[ I+\lambda e_{1n}=[I+\lambda e_{12},I+e_{2n}]. \] Se \(n=2\), e \(|\F|\geq 4\), então sejam \(x\in \F\) e \(a\in\F^*\) tais que \(a\neq \pm 1\) e \(\lambda = x(a^{-2}-1)\). Então \[ I+\lambda e_{12}=\left[\begin{pmatrix} 1 & x \\ 0 & 1 \end{pmatrix},\begin{pmatrix} a & 0 \\ 0 & a^{-1} \end{pmatrix}\right]. \]