A definição do grupo livre
Sejam \(X,X^{-1}\) dois conjuntos distintos e assuma que existe uma bijeção \(x\mapsto x^{-1}\) entre \(X\) e \(X^{-1}\). Se \(x^{-1}\in X^{-1}\), então escrevemos \((x^{-1})^{-1}=x\). Uma palavra em \(X\) é uma expressão na forma \[
w=x_1x_2\cdots x_k
\] onde \(k\geq 0\) e \(x_i\in X\cup X^{-1}\). Se \(k=0\), então \(w\) é denotado por \(e\) e é dita a palavra vazia. O comprimento da palavra \(w\) acima é \(k\). Uma palavra \(w=x_1x_2\cdots x_k\) é dita reduzida se \(w=e\) ou o comprimento de \(w\) é maior que \(0\) e \(w\) não contém nenhuma ocorrência da subpalavra \(xx^{-1}\) ou \(x^{-1}x\) com \(x\in X\). Se \(w\) é uma palavra, então cancelando as ocorrências de subpalavras na forma \(xx^{-1}\) ou \(x^{-1}x\), obtemos uma palavra \(\overline w\) reduzida.
Denotaremos por \(F_X\) o conjunto de palavras reduzidas. Introduzimos uma operação binária no conjunto \(F_X\). Sejam \(w_1,w_2\in F_X\). Definimos \(w_1\cdot w_2=\overline{w_1w_2}\) onde \(w_1w_2\) significa a concatenação de palavras.
Teorema 85.1 \((F_X,\cdot)\) é um grupo.
Definição 85.1 O grupo \(F_X\) é chamado de grupo livre gerado por \(X\).
Comprovação. A operação em \(F_X\) é bem definida. Além disso, \(e\) é elemento neutro, e se \(x_1\cdots x_k\in F_X\), então \[
(x_1\cdots x_k)(x_k^{-1}\cdots x_1^{-1})=(x_k^{-1}\cdots x_1^{-1})(x_1\cdots x_k)=e.
\] Logo, todo elemento possui inverso. A parte não trivial desta demonstração é mostrar que a operação em \(F_X\) é associativa. Mostraremos isso utilizando o truque de van der Waerden. Seja \(x\in X\). Definimos as funções \(\psi_x,\psi_{x^{-1}}:F_X\rightarrow F_X\) como \[
\psi_x(x_1\cdots x_k)=\left\{\begin{array}{ll} x_1\cdots x_{k-1}&\mbox{se $x_k=x^{-1}$};\\
x_1\cdots x_kx&\mbox{no caso contrário;}\end{array}\right.
\] e \[
\psi_{x^{-1}}(x_1\cdots x_k)=\left\{\begin{array}{ll} x_1\cdots x_{k-1}&\mbox{se $x_k=x$};\\
x_1\cdots x_kx^{-1}&\mbox{no caso contrário.}\end{array}\right.
\] Nas definições destas funções, assumimos que o argumento \(x_1\cdots x_k\) é uma palavra reduzida. Claramente, as funções \(\psi_x\) e \(\psi_{x^{-1}}\) são bem definidas. Além disso, note que \(\psi_x\circ \psi_{x^{-1}}=\psi_{x^{-1}}\circ \psi_x=\mbox{id}_{F_X}\). Portanto \(\psi_x,\psi_{x^{-1}}\) são bijetivas e \(\psi_x^{-1}=\psi_{x^{-1}}\). Em outras palavras, \(\psi_x,\psi_{x^{-1}}\in S(F_X)\). Seja \(\mathcal F_X\) o subgrupo de \(S(F_X)\) gerado por \(\{\psi_x\mid x\in X\}\). Defina \(\psi: F_X\rightarrow \mathcal F_X\), \[
\psi(x_1\cdots x_k)=\psi_{x_1}\cdots \psi_{x_k}.
\] Como \(\mathcal F_X\) é gerado por \(\{\psi_x\mid x\in X\}\), \(\psi\) é sobrejetivo. Além disso, se \(\psi(x_1\cdots x_k)=\psi(y_1\cdots y_m)\), então \(\psi_{x_1}\cdots \psi_{x_k}=\psi_{y_1}\cdots \psi_{y_m}\). Por outro lado, \(x_1\cdots x_k=e(\psi_{x_1}\cdots \psi_{x_k})=e(\psi_{y_1}\cdots \psi_{y_m})=y_1\cdots y_m\). Portanto \(\psi\) é injetiva, e então \(\psi\) é bijetiva. Como \(\psi\) também satisfaz a igualdade \(\psi(w_1w_2)=\psi(w_1)\psi(w_2)\), obtemos que \(\psi\) é um isomorfismo entre as estruturas \(F_X\) e \(\mathcal F_X\) com as suas respetivas multiplicações. Como \(\mathcal F_X\) é associativa, obtemos que \(F_X\) também é. Portanto \(F_X\) é um grupo.
A propriedade universal
Teorema 85.2 (Propriedade Universal). Seja \(G\) um grupo e \(F_X\) um grupo livre gerado por \(X\). Seja \(\varphi:X\rightarrow G\) um mapa arbitrário. Então existe um homomorfismo \(\psi:F_X\rightarrow G\) tal que \(\psi|_X=\varphi\). (Todo mapa \(X\rightarrow G\) pode ser estendido a um homomorfismo \(F_X\rightarrow G\).)
Comprovação. Seja \(w=x_1\cdots x_k\in F_X\) e defina \(\psi(w)=\varphi(x_1)\cdots\varphi(x_k)\). Então \(\psi\) é um homomorfismo e claramente \(\psi(x)=\varphi(x)\) para todo \(x\in X\).
Corolário 85.1 Seja \(G\) um grupo gerado por um conjunto \(X\). Então existe um homomorfismo \(\psi:F_X\rightarrow G\) sobrejetivo tal que \(\psi|_X=\mbox{id}_X\). Em particular \(G\cong F_X/\ker\psi\). (Cada grupo é quociente de um grupo livre.)
Definição 85.2 Seja \(X\) um conjunto, \(F_X\) o grupo livre gerado por \(X\) e \(Y\subseteq F_X\). Seja \(\left<Y\right>^{F_X}\) o subgrupo normal gerado por \(Y\). O grupo quociente \(G=F_X/\left<Y\right>^{F_X}\) é denotado por \[
\left<X \mid Y\right>.
\tag{85.1}\] A expressão na Equação 85.1 é dita uma apresentação para o grupo \(G\).
Exemplo 85.1 O grupo cíclico \(C_n\) é apresentado pela apresentação \[
\left<x\mid x^n\right>.
\]
Exemplo 85.2 Seja \(G\) o grupo dihedral \(D_n\) com \(n\geq 3\). Afirmamos que \(G\) é apresentado por \[
\left< a,b\mid a^n,b^2,baba\right>.
\] Seja \(\bar a\in D_n\) a rotação de ordem \(n\) e \(\bar b\in D_n\) uma reflexão. Seja \(X=\{a,b\}\) e considere o grupo livre \(F_X\). Pela Propriedade Universal, o mapa \(a\mapsto \bar a\), \(b\mapsto \bar b\), pode ser estendido a um homomorfismo sobrejetivo \(\psi:F_X\rightarrow D_n\). Como \(\bar a^n=\bar b^2=\bar b\bar a\bar b\bar a=1\), tem-se que \(a^n,b^2,baba\in \ker\psi\). Denotando por \(N=\left<a^n,b^2,baba\right>^{F_X}\), obtemos que \(N\leq \ker\psi\). Portanto, podemos definir um homomorfismo sobrejetivo \(\bar\psi:F_X/N\rightarrow D_n\) e isto implica que \(|F_X/N|\geq 2n\). Para provar que \(\bar\psi\) é um isomorfismo, precisamos provar que \(|F_X/N|\leq 2n\), mas isso segue da observação que, usando \(a^n\in N\), \(b^2\in N\) e \(baN=a^{-1}bN\), todo elemento de \(F/N\) pode ser escrito como \(a^\alpha b^\beta N\) onde \(0\leq \alpha\leq n-1\) e \(0\leq \beta\leq 1\).
Exemplo 85.3 O grupo dos quaternions \(Q_8\) pode ser apresentado pelas apresentações \[
\left<a,b\mid a^4,b^2a^2,bab^{-1}a\right>
\] e \[
\left<a,b\mid abab^{-1},a^2b^{-2}\right>
\]
Exemplo 85.4 O grupo simétrico é gerado pelas transposições \(a_i=(i,i+1)\) com \(i\in\{1,\ldots,n-1\}\) e ele pode ser apresentado pela apresentação \[
\left<a_1,\ldots,a_{n-1}\mid a_i^2,(a_ia_{i+1})^3, [a_i,a_j] \mbox{ se $|i-j|\geq 2$}\right>.
\] Esta apresentação é referida com a apresentação de Coxeter.