Nesta página, \(V\) é um espaço vetorial de dimensão finita sobre um corpo \(\F\).
Definição 64.1 Um endomorfismo \(f:V\to V\) é dito nilpotente se \(f^n=0\) para algum \(n\geq 1\).
Exemplo 64.1 O endomorfismo de \(\F^3\) representado na báse canônica pela matriz \[
\begin{pmatrix} 0 & 1 & -1 \\ 0 & 0 & 2 \\ 0 & 0 & 0 \end{pmatrix}
\] é nilpotente. É fácil verificar que \(f^3=0\).
Exemplo 64.2 Assuma que \(f:V\to V\) é um endomorfismo tal que \(m_f(t)=(t-\lambda)^k\). Ou seja, \(m_f(t)\) é um fator que aparece na Teorema Espectral. De fato, a nossa motivação de estudar enfomorfismos nilpotentes é obter uma compreensão mais profunda da situação descrita pelo Teorema Espectral. Neste caso \((f-\lambda\mbox{id}_V)^k=0\); ou seja, \(f-\lambda\mbox{id}_V\) é nilpotente.
Lema 64.1 Seja \(f:V\to V\) é nilpotente.
- O único autovalor de \(f\) é \(0\).
- \(f\) não é invertível; ou seja \(\ker f\neq 0\) e \(\mbox{Im}(f) < V\).
- \(m_f(t)=t^k\) onde \(k\) é o menor inteiro positivo tal que \(f^k=0\).
Seja \(f\) nilpotente com \(f^k=0\) e suponha que \(k\) é o menor tal inteiro positivo. Então \[
V > \mbox{Im}(f) > \mbox{Im}(f^2) > \cdots > \mbox{Im}(f^{k-1}) > \mbox{Im}(f^k)=0
\] Ou seja, pondo \(V_i=\mbox{Im}(f^{k-i})\), obtemos uma cadeia \[
0 = V_0 < V_1 < V_2 < \cdots < V_{k-1} < V_k = V
\] tal que \(f(V_i)=V_{i-1}\) para todo \(i\geq 1\). Escolha uma base \(\{b_1,\ldots,b_{i_1}\}\) para \(V_1\). Estenda esta basa para uma base \[
\{b_1,\ldots,b_{i_1},b_{i_1+1},\ldots,b_{i_2}\}
\] de \(V_2\). Continuando assim, obtemos uma base \[
\{b_1,\ldots,b_{i_1},b_{i_1+1},\ldots,b_{i_2},\ldots,b_{i_{k-1}+1},\ldots,b_{i_k}\}
\] de \(V\) tal que, para todo \(j\in\{1,\ldots,k\}\), \[
\{b_1,\ldots,b_{i_j}\}
\] é uma base de \(V_j\). Observamos que nesta base, a matriz de \(f\) é triangular superior com zeros no diagonal. Isso nos levou ao seguinte teorema.
Lema 64.2 Se \(f:V\to V\) é nilpotente, então existe uma base \(B\) tal que \([f]_B^B\) é triangular superior com zeros no diagonal. Em particular, \(\mbox{pcar}_f(t)=t^{\dim V}\).
Seja \(f:V\to V\) um endomorfismo e seja \(v\in V\). Definimos nos exercícios o polinômio \(m_{f,v}(t)\) como o polinômio mônico (não nulo) de menor grau tal que \(m_{f,v}(f)(v)=0\). Como no caso do polinômio minimal \(m_f(t)\), temos que \(m_{f,v}(t)\) é gerador do ideal \[
I_{f,v}=\{p(t)\in \F[t]\mid p(f)(v)=0\}.
\] Ou seja, se \(p(t)\) é um polinômio qualquer com \(p(f)(v)=0\), então \(m_{f,v}(t)\mid p(t)\).
Lema 64.3 Seja \(f:V\to V\) um endomorfismo e \(v\in V\). Assuma que \(v\in V\) e que \(f^m(v)=0\) com algum \(m\geq 1\) e seja \(m\) o menor tal número. Então \(f^0(v)=v,f(v),f^2(v),\ldots,f^{m-1}(v)\) são linearmente independentes.
Comprovação. Como \(f^m(v)=0\), temos que \(m_{f,v}(t)\) é um divisor de \(t^m\). Por outro lado, a minimalidade de \(m\) implica que \(m_{f,v}(t)=t^m\). Ora assuma que \[
\alpha_0 v+\alpha_1 f(v)+\cdots+\alpha_{m-1}f^{m-1}(v)=0.
\] Então \(p(t)=\alpha_0+\alpha_1 t+\cdots+\alpha_{m-1}t^{m-1}\in I_{f,v}\); ou seja, \(p^m\mid p(t)\). Como \(\mbox{deg}(p(t))\leq m-1\), temos que \(p(t)=0\); ou seja, \(\alpha_0=\alpha_1=\cdots=\alpha_{m-1}=0\).
Se \(V\), \(f\) e \(v\) são como no lema anterior, então o espaço \(U=\langle v,f(v),\ldots,f^{m-1}(v)\rangle\) é \(f\)-invariante. O vetor \(v\) é chamado de vetor \(f\)-cíclico e o espaço \(U\) é dito \(f\)-cíclico gerado por \(v\). Note que se \(U\) é um espaço \(f\)-cíclico, então a matriz da restrição \(f|_U\) na base \(B=\{f^{m-1}(v),f^{m-2}(v),\ldots,f(v),v\}\) tem a forma \[
\begin{pmatrix} 0 & 1 & 0 & \cdots & 0 \\ 0 & 0 & 1 & \cdots & 0\\
0 & 0 & 0 & \ddots & 1\\ 0 & 0 & 0 & \cdots & 0 \end{pmatrix}
\]
Lema 64.4 Seja \(V\) um \(f\)-espaço cíclico com base \(B=\{f^{m-1}(v),f^{m-2}(v),\ldots,f(v),v\}\). Então \[
m_f(t)=\mbox{pcar}_f(t)=t^m.
\]
Comprovação. Podemos observar que a matriz \([f]_B^B\) é a matriz companheira do polinômio \(t^n\). Por um exercício em uma lista anterior, \(m_f(t)=\mbox{pcar}_f(t)=t^m\).
Alternativamente, podemos também observar que \(f^m(b)=0\) para todo \(b\in B\). Portanto \(f^m=0\) e obtemos que \(m_f(t)\mid t^m\). Por outro lado, \(f^{m-1}(f)(v)\neq 0\) e assim \(t^{m-1}\) não é múltiplo de \(m_f(t)\). Portanto \(m_f(t)=t^m\).
Lema 64.5 Suponha que \(f:V\to V\) é um endomorfismo tal que \(m_f(t)=(t-\lambda)^k\). Já vimos em cima que \(f_0=f-\lambda\mbox{id}_V\) é nilpotente e agora assuma que \(V\) é \(f_0\)-cíclico. Ou seja, existe \(v\in V\) tal que \(B=\{f_0^{n-1}(v),\ldots,f_0(v),v\}\) é base de \(V\). Tem-se que \[
[f]_B^B=\begin{pmatrix} \lambda & 1 & 0 & \cdots & 0 \\ 0 & \lambda & 1 & \cdots & 0\\
0 & 0 & 0 & \ddots & 1\\ 0 & 0 & 0 & \cdots & \lambda \end{pmatrix}
\] Além disso, \(m_f(t)=(t-\lambda)^n\).
Comprovação. Só notar que \(f=f_0+\lambda\mbox{id}_V\) e então \[
[f]_B^B=[f_0]_B^B+[\lambda\mbox{id}_V]_B^B=[f_0]_B^B+I_n
\] Observe também que \(f_0=f-\lambda\mbox{id}_V\) tem polinômio minimal \(t^n\) pelo resultado anterior. Logo \(m_f(t)=(t-\lambda) ^n\).
Definição 64.2 A matriz no lema anterior chama-se bloco de Jordan com autovalor \(\lambda\).
Teorema 64.1 (O Teorema da Decomposição em Espaços Cíclicos) Seja \(f:V\to V\) um endomorfismo nilpotente. Então \(V\) pode ser decomposto em uma soma direta \(V=W_1\oplus W_2\oplus \cdots \oplus W_k\) onde os \(W_i\) são \(f\)-espaços cíclicos.
Comprovação. Este teorema vai ser provado nas aulas seguintes. Neste momento, é mais interessante estudar as suas conseqências.
Exercício 64.1 Seja \(f:V\to V\) um endomorfismo e assuma que \(V=W_1\oplus W_2\) onde \(W_i\) são \(f\)-invariantes. Sejam \(B_1=\{b_1,\ldots,b_m\}\) e \(B_2=\{b_{m+1},\ldots,b_n\}\) bases de \(W_1\) e \(W_2\), respetivamente. Então \(B=B_1\cup B_2\) é uma base de \(V\). Mostre que \([f]_B^B\) é diagonal em blocos com os blocos sendo \([f|_{W_1}]_{B_1}^{B_1}\) e \([f|_{W_2}]_{B_2}^{B_2}\).
Corolário 64.1 Seja \(f:V\to V\) um endomorfismo com \(m_f(t)=(t-\lambda)^\alpha\). Então existe uma base de \(V\) na qual a matriz de \(f\) é diagonal em blocos e cada bloco é um bloco de Jordan com autovalor \(\lambda\).
Comprovação. Como foi observado em cima, \(f_0=f-\lambda\mbox{id}_V\) é nilpotente. Pelo Teorema da Decomposição, \(V=W_1\oplus\cdots\oplus W_k\) onde cada \(W_i\) é \(f_0\)-cíclico e assim \(f_0\)-invariante. Como todo subespaço \(U\leq V\) é invariante por \(\lambda\mbox{id}_V\), temos que os \(W_i\) são \(f\)-invariantes. Ora, escolhendo a base \(B_i\) certa para \(W_i\), a matriz da restrição \([f|_{W_i}]_{B_i}^{B_i}\) é um bloco de Jordan com autovalor \(\lambda\). Tomando \(B\) para a união dos \(B_i\), temos que a matriz \([f]_B^B\) é diagonal em bloco com cada bloco sendo um bloco de Jordan com autovalor \(\lambda\).
Corolário 64.2 Seja \(f:V\to V\) um endomorfismo com \(m_f(t)=(t-\lambda_1)^{\alpha_1}\cdots (t-\lambda_k)^{\alpha_k}\). Então existe uma base de \(V\) na qual a matriz de \(f\) é diagonal em blocos e cada bloco é um bloco de Jordan com autovalor \(\lambda_i\).
Comprovação. Pelo Teorema Espectral, \(V=W_1\oplus\cdots\oplus W_k\) onde \(W_i=\ker(f-\lambda\mbox{id})^{\alpha_i}\). Além disso, \(W_i\) é \(f\)-invariante e, pondo \(f_i=f|_{W_i}\), \(m_{f_i}(t)=(t-\lambda_i)^{\alpha_i}\). Escolha uma base \(B_i\) para cada \(W_i\) tal que \([f_i]_{B_i}^{B_i}\) é diagonal em blocos onde cada bloco é um bloco de Jordan com autovalor \(\lambda_i\). Juntando as bases \(B_i\), obtemos que \(B=B_1\cup\cdots\cup B_k\) é uma base que satisfaz a afirmação do Corolário.
Corolário 64.3 Seja \(f:V\to V\) um endomorfismo de em \(\C\)-espaço \(V\) (de dimensão finita) Então existe uma base de \(V\) na qual a matriz de \(f\) é diagonal em blocos e cada bloco é um bloco de Jordan.
Definição 64.3 Dizemos que uma matriz está na forma normal de Jordan, se ela é diagonal em blocos e cada bloco é um bloco de Jordan.
Corolário 64.4 Seja \(A\) uma matriz \(n\times n\) em \(M_{n\times n}(\C)\). Então existe uma matriz \(X\in M_{n\times n}(\C)\) invertível tal que \(XAX^{-1}\) está na forma normal de Jordan. Ou seja, cada matriz \(A\in M_{n\times n}(\C)\) é conjugada (semelhante) a uma matriz na forma normal de Jordan.