78  Operadores ortogonais e unitárias

\(\newcommand{\rot}[1]{\mbox{Rot}(#1)}\newcommand{\refl}[1]{\mbox{Ref}(#1)}\) Nesta página \(V\) é um espaço vetorial com produto interno \(\left<-,-\right>\) sobre \(\R\) ou \(\C\). Os espaços \(\R^n\) e \(\C^n\) serão considerados com seus produtos internos usuais.

Definição 78.1 A distáncia de \(v,w\in V\) está definida como \[ d(v,w)=\|v-w\|=\langle v-w,v-w\rangle^{1/2}. \] Uma aplicação (não necessariamente linear) \(f:V\to V\) é chamada de isometria se ela preserva distáncia. Ou seja, \[ d(f(v),f(w))=d(v,w)\quad\mbox{para todo}\quad v,w\in V. \]

Exemplo 78.1 Se \(v_0\in \R^n\), então \(T_{v_0}:v\mapsto v+v_0\) é uma isometria. Este exemplo mostra que uma isometria não precisa ser linear. Em \(\R^2\), a rotação \(R_{\alpha}\) no redor da origem por \(\alpha\) graus é também uma isometria. Note que \(R_\alpha\) é linear.

É imediato observar que uma isometria \(f:V\to V\) é injetiva. Acontece que uma isometria precisa ser também sobrejetiva, mas esta afirmação não vamos provar.

Escreva \(\left<u,v\right>=\mbox{Re}\left<u,v\right>+i\mbox{Im}\left<u,v\right>\). Quando \(V\) é um \(\R\)-espaço, então \(\mbox{Im}\left<u,v\right>=0\). Segue da identidade da polarização que \[ \|u+v\|^2-\|u\|^2-\|v\|^2=2\mbox{Re}\left<u,v\right>. \] Além disso, calculando \(\left<u,iv\right>\), obtemos que \[ \mbox{Im}\left<u,v\right>=\mbox{Re}\left<u,iv\right>. \tag{78.1}\]

Teorema 78.1 As seguintes são equivalentes para uma transformação linear \(f:V\to V\).

  1. \(f\) preserva o produto interno em \(V\).
  2. \(f\) preserva a norma em \(V\).
  3. \(f\) preserva a distância em \(V\)

Comprovação. Assuma que \(f\) preserva produto interno. Então, para todo \(v\in V\), \[ \|f(v)\|^2=\langle f(v),f(v)\rangle =\langle v,v\rangle=\|v\|. \] Ou seja, \(f\) preserva a norma.

Agora, assuma que \(f\) preserva a norma. Então temos para todo \(v,w\in V\) que \[ d(f(v),f(w))=\|f(v)-f(w)\|=\|f(v-w)\|=\|v-w\|=d(v,w). \] Logo \(f\) preserva distância. Note que no meio da equação anterior, usamos que \(f\) é linear.

Assuma agora que \(f\) preserva distância. Note para \(v\in V\) que \[ \|f(v)\|=d(0,f(v))=d(0,v)=\|v\| \] e assim \(f\) preserva a norma. Note que no meio da linha anterior, usamos que \(f(0)=0\). Ora, temos pela identidade de polarização para \(v,w\in V\), que \[\begin{align*} \mbox{Re}\langle f(v),f(w)\rangle&=\frac 12(\|f(v)+f(w)\|^2-\|f(v)\|^2-\|f(w)\|^2)\\ &=\frac 12(\|f(v+w)\|-\|f(v)\|-\|f(w)\|)\\&=\frac 12(\|v+w\|-\|v\|-\|w\|)\\ &=\mbox{Re}\langle v,w\rangle. \end{align*}\] Então segue que \(\mbox{Re}\langle f(v),f(w)\rangle=\mbox{Re}\langle v,w\rangle\) e segue do Equação 78.1 que o mesmo vale para a parte imaginária. Logo, \(f\) preserva produto interno.

Definição 78.2  

  1. Quando o corpo é \(\R\), uma isometria linear de \(V\) chama-se transformação ortogonal de \(V\).
  2. Quando o corpo é \(\C\), uma isometria linear de \(V\) chama-se transformação unitátária de \(V\).

Teorema 78.2 Seja \(\dim V\) finita, \(f:V\to V\) uma isometria linear e seja \(A\) a sua matriz em uma base ortonormal.

  1. Se o corpo é \(\R\), então \(A^tA=I\); ou seja, as colunas de \(A\) são ortonormais e \(A\) é uma matriz ortogonal.
  2. Se o corpo é \(\C\), então \(A^*A=I\); ou seja, as colunas de \(A\) são ortonormais e \(A\) é uma matriz unitária.
  3. Em particular, uma transformação ortogonal ou unitária de \(V\) é invertível.

Comprovação. Seja \(X=\{b_1,\ldots,b_n\}\) uma base ortonormal de \(V\). As colunas de \(A\) são \([f(b_1)]_X^X,\ldots,[f(b_n)]_X^X\). Como \(f\) preserva produto interno, \(f(b_1),\ldots,f(b_n)\) é base ortonormal de \(V\). Além disso, como \(X\) é base ortonormal, a transformação \(V\to \R^n\) ou \(V\to \C^n\) definida como \(v\mapsto [v]_X^X\) é uma isometria, portanto os vetores \([f(b_1)]_X^X,\ldots,[f(b_n)]_X^X\) são ortonormais. Logo \(A\) é matriz ortogonal.

Lema 78.1 Assuma que \(\det V\) é finita, e seja \(f:V \to V\) uma isometria linear.

  1. \(|\det f|=1\);
  2. se o corpo é \(\R\), então o determinante de \(f\) é \(\pm 1\).
  3. Se \(\lambda\in \C\) é um autovalor de \(f\), então \(|\lambda|=1\).
  4. Se \(\lambda\in \R\) é uma autovalor de \(f\), então \(\lambda=\pm 1\).

Comprovação. Seja \(A\) a matriz de \(f\) na base canônica e note que \[ 1=\det I=\det A^*A=\det A^*\det A=\overline{\det A}\det A=|\det A|^2. \] Logo \(|\det A|=1\). Se \(A\) é matriz com entradas reais, então \(\det A=\pm 1\). Para provar afirmação 3., lembre que \(f\) preserva norma, e se \(v\) é autovetor de \(f\) com autovalor \(\lambda\), então \[ \|\lambda| \|v\|=\|\lambda v\|=\|f(v)\|=\|v\| \] e segue que \(|\lambda|=1\). Finalmente, afirmação 4. segue trivialmente da afirmação 3.

Definição 78.3 Seja \(V\) um espaço vetorial com produto interno.

Se \(V\) é \(\R\)-espaço, então o conjunto das transformações ortogonais de \(V\) é denotado por \(\operatorname{O}(V)\). O conjunto das transformações ortogonais com determinante igual a \(1\) é denotado por \(\operatorname{SO}(V)\). O nome de \(\operatorname{O}(V)\) é grupo ortogonal enquanto \(\operatorname{SO}(V)\) é chamado de grupo ortogonal especial de \(V\). Assuma que \(V\) é \(\C\)-espaço. O conjunto das transformações unitárias de \(V\) é denotado por \(\operatorname{U}(V)\). O conjunto das transformações unitárias com determinante igual a \(1\) é denotado por \(\operatorname{SU}(V)\). O nome de \(\operatorname{U}(V)\) é grupo unitário enquanto \(\operatorname{SU}(V)\) é chamado de grupo unitário especial.

Quando \(V=\R^n\) ou \(V=\C^n\), então escrevemos \(\operatorname{O}_n\), \(\operatorname{SO}_n\), \(\operatorname{U}_n\), \(\operatorname{SU}_n\). Os grupos \(\operatorname{O}_n\) e \(\operatorname{SO}_n\) podem ser identificados com os conjuntos das matrizes ortogonais e matrizes ortogonais com determinante \(1\). Os grupos \(\operatorname{U}_n\) e \(\operatorname{SU}_n\) podem ser identificados com os conjuntos das matrizes unitárias e matrizes unitárias com determinante \(1\).

Lema 78.2 Sejam \(f,g\in \operatorname{O}(V)\). Então

  1. \(f\circ g\in \operatorname{O}(V)\)
  2. Se \(f,g\in \operatorname{SO}(V)\), então \(f\circ g\in \operatorname{SO}(V)\).
  3. \(f^{-1}\in \operatorname{O}(V)\)
  4. Se \(f\in \operatorname{SO}(V)\), então \(f^{-1}\in \operatorname{SO}\)(V).

O mesmo vale para \(f,g\in \operatorname{U}(V)\) e \(\operatorname{SU}\)(V).

Comprovação. Exercício.

O lema anterior diz essentialmente que \(\operatorname{O}(V)\) e \(\operatorname{SO}(V)\) são grupos. Nesta disciplina nós não definimos o conceito dos grupos, eles vão aparecer muito na disciplina Grupos e Corpos. Os grupos \(\operatorname{O}_n\), \(\operatorname{SO}_n\), \(\operatorname{U}_n\) e \(\operatorname{SU}_n\) têm muitas aplicações nas áreas da física teórica, mecánica clássica, robótica, gráfica computacional, etc.