1  Proposições ou sentenças

1.1 Proposições simples

Entender o significado de afirmações na matemática exige o conhecimento dos elementos da lógica básica que vamos estudar nesta página. Além disso, a compreensão deste conteúdo é importante também no trabalho com expressões lógicas (booleanas) nas linguagens de programação.

Na matemática, uma proposição (ou sentença) é uma afirmação que afirma um fato. Por exemplo, as seguintes afirmações são proposições:

  • \(1\neq 2\);
  • \(\pi > \sqrt{10}\);
  • \(1+2=3\).

Cada proposição deve ser ou verdadeira ou falsa, mas não pode ser verdadeira e falsa no mesmo tempo. A veracidade ou falsidade de uma proposição chama-se valor lógico ou valor de verdade. Cada proposição tem exatamente um dos dois valores lógicos: verdadeiro ou falso. É importante notar que uma proposição não precisa ser verdadeira. Por exemplo, a segunda proposição na lista anterior é falsa, mas ela é ainda uma proposição (com valor lógico falso).

Nesta disciplina, nós lidamos com proposições sobre objetos de matemática, como nos exemplos anteriores, pois as proposições cotadianas, tais como “O Pedro é estudante” são frequentamente demasiado ambíguas para terem um valor lógico bem definido. (Pode ser que o Pedro não está matriculado no momento, ou pode ser que mesmo sendo matriculado não frequenta as aulas. Nestes casos, pode ser questionável se o Pedro é de fato um estudante.)

As seguintes não são proposições.

  • O número \(10\) é interessante.
  • Você deve estudar mais.

Nos dois casos, a afirmação é subjetiva, pode ser verdadeira para uma pessoa e falsa para uma outra.

Exemplo 1.1 A propisição que “2 é um número par” é verdadeira, enquanto a proposição “3 é um número negativo” é falsa. Similarmente, a proposição “\(2+3=5\)” é verdadeira, enquanto a proposição “\(2+3<5\)” é falsa.

As proposições no exemplo anterior e na lista em cima são proposições simples.

1.2 Proposições compostas

Usando as operações lógicas, pode-se formar proposições compostas a partir das proposições simples (ou atómicas). As principais operações lógicas (ou conectivos) são conjunção (e), disjunção (ou) e a negação (não).

Sejam \(A\) e \(B\) proposições.

A conjunção (\(\land\)): A conjunção das proposições \(A\) e \(B\) é a proposição \(A\land B\) (leia-se “\(A\) e \(B\)”). A proposição \(A\land B\) é verdadeira se \(A\) é verdadeira e \(B\) é verdadeira. Caso contrário, \(A\land B\) é falsa.

A disjunção (\(\lor\)): A disjunção das proposições \(A\) e \(B\) é a proposição \(A\lor B\) (leia-se “\(A\) ou \(B\)”). A proposição \(A\lor B\) é verdadeira se \(A\) é verdadeira ou \(B\) é verdadeira. Em particular, se ambas de \(A\) e \(B\) são verdadeiras, então \(A\lor B\) é verdadeira. Caso contrário, \(A\lor B\) é falsa.

A negação (\(\neg\)): A negação da proposição \(A\) é \(\neg A\) (leia-se “não \(A\)”). A proposição \(\neg A\) é verdadeira se \(A\) é falsa. Caso contrário \(\neg A\) é falsa

Exemplo 1.2 Considere por exemplo as seguintes duas proposições \(A\) e \(B\). \[\begin{align*} A&:2+4=3;\\ B&:\mbox{$9$ é múltiplo de $3$}. \end{align*}\] Os valores lógicos das proposições que podemos formar com as operações \(\land\), \(\lor\), \(\neg\) são os seguintes: \[\begin{align*} A&:\mbox{falsa}\\ B&:\mbox{verdadeira}\\ \neg A&:\mbox{verdadeira}\\ \neg B&:\mbox{falsa}\\ A\land B&:\mbox{falsa}\\ A\lor B&:\mbox{verdadeira}\\ \neg A\land B&:\mbox{verdadeira}\\ A\land \neg B&:\mbox{falsa}\\ \neg A\land \neg B&:\mbox{falsa}\\ \neg(A\land B)&:\mbox{verdadeira}\\ \neg A\lor B&:\mbox{verdadeira}\\ A\lor \neg B&:\mbox{falsa}\\ \neg A\lor \neg B&:\mbox{verdadeira}\\ \neg(A\lor B)&:\mbox{falsa}\\ \end{align*}\]

As operações \(\neg\), \(\lor\) e \(\land\) podem ser combinadas para obter afirmações mais complexas. Por exemplo a afirmação \[ [\neg(A\land B)]\lor [\neg(A\lor B)] \] é verdadeira, pois ela é a disjunção de duas afirmações, a primeira sendo verdadeira, enquanto a segunda sendo falsa.

Note que nós usamos parênteses para indicar a ordem das operações. A última expressão poderia ser escrita também como \[ \neg(A\land B)\lor \neg(A\lor B) \] sem nenhuma ambiguidade. Em caso de dúvida, é melhor adicionar as parênteses que omitir. Às vezes, as parênteses são necessários para a interpretação da expressão. Por exemplo, a expressão \[ A\lor B \land C \] está ambígua, pois pode denotar \((A\lor B)\land C\) ou \(A\lor(B\land C)\). Se \(A\) é verdadeira e \(C\) é falsa, então \((A\lor B)\land C\) é falsa, mas \(A\lor (B\land C)\) é verdadeira (independentemente do valor lógico de \(B\)). Nestes casos, as operações são feitas da esquerda para a direita, e a proposição deve ser interpretada como \((A\lor B)\land C\). Tendo dito isso, é melhor colocar as parénteses.

Outras operações lógicas que são frequentamente usadas são a disjunção exclusiva \(\lxor\), a condicional \(\cond\) e bicondicional \(\bicond\).

Disjunção exclusiva (\(\lxor\)): A disjunção exclusiva (XOR ou XOU) das proposições \(A\) e \(B\) é a proposição \(A\lxor B\) (ou \(A\) ou \(B\) mas não ambas). A proposição \(A\lxor B\) é verdadeira se \(A\) é verdadeira ou \(B\) é verdadeira, mas não quando \(A\) e \(B\) são ambas verdadeiras. Caso contrário \(A\lxor B\) é falsa.

Condicional (\(\cond\)): A condicional das proposições \(A\) e \(B\) é a proposição \(A\cond B\) (leia-se “\(A\) implica \(B\)”). A proposição \(A\cond B\) é verdadeira se \(A\) é falsa, ou \(A\) e \(B\) são ambas verdadeiras. Caso contrário, \(A\cond B\) é falsa.

Bicondicional (\(\bicond\)): A bicondicional das proposições \(A\) e \(B\) é a proposição \(A\bicond B\) (leia-se “\(A\) é equivalente a \(B\)”). A proposição \(A\bicond B\) é verdadeira se \(A\) e \(B\) têm o mesmo valor lógico; ou seja, \(A\) e \(B\) são ambas verdadeiras ou \(A\) e \(B\) são ambas falsas. Caso contrário, \(A\bicond B\) é falsa.

Note que a disjunção exclusiva \(\lxor\) está mais próxima ao significado cotadiano da palavra “ou”. Nas expressões de matemática “ou” normalmente significa disjunção inclusiva e quando queremos disjunção exclusiva, isso deve ser claramente indicada. Por exemplo a proposição \[ \mbox{($6$ é par)}\lor \mbox{($6$ é um múltiplo de $3$)} \] é considerada verdadeira, mas \[ \mbox{($6$ é par)}\lxor \mbox{($6$ é um múltiplo de $3$)} \] é falsa.

Note também que a condicional \(A\cond B\) é verdadeira sempre quando \(A\) é falsa. Em outras palavras, a implicação é considerada verdadeira sempre quando a premissa \(A\) é falsa. Por exemplo, a proposição \[ \mbox{($5$ é par)}\cond\mbox{($10$ é um múltiplo de $3$)} \] é considerada verdadeira. É importante notar que isso não quer dizer de forma nenhuma que \(10\) é um múltiplo de \(3\)! Quer dizer apenas que a afirmação que “\(5\) é par” implica que “\(10\) é múltiplo de \(3\)”. Ou seja, uma afirmação falsa implica qualquer outra afirmação. Nós vamos ver situações ainda nesta disciplina que vão explicar melhor o porquê desta regra.

1.3 A tabela-verdade

A veracidade de proposições compostas pode ser estudada usando tabelas-verdade. Sejam \(P\) e \(Q\) proposições simples. A tabela verdade da proposição \(P\land Q\) é a seguinte.

\(P\) \(Q\) \(P\land Q\)
V V V
V F F
F V F
F F F

Considere a seguinte expressão. \[ (P \land \neg Q) \lor (\neg P \land Q). \] A sua tabela-verdade pode ser escrita como

\(P\) \(Q\) \(\neg P\) \(\neg Q\) \(P \land \neg Q\) \(\neg P \land Q\) \((P \land \neg Q) \lor (\neg P \land Q)\)
V V F F F F F
V F F V V F V
F V V F F V V
F F V V F F F

Note que a expressão \((P \land \neg Q) \lor (\neg P \land Q)\) é verdadeira se e somente se \(P\) é verdadeira ou \(Q\) é verdadeira, mas elas não são verdadeiras no mesmo tempo. Logo, pode se concluir que \[ (P \land \neg Q) \lor (\neg P \land Q) \bicond P \lxor Q \] é verdadeira para quaisquer proposições \(P\) e \(Q\) (independentemente seu valor lógico). Neste caso escrevemos também que \[ (P \land \neg Q) \lor (\neg P \land Q) \equiv P \lxor Q. \]

Exercício 1.1 Usando tabelas-verdade, verifique, para proposições \(P\) e \(Q\), que \[ P\cond Q \equiv (\neg P) \lor Q \] e \[ P\bicond Q \equiv (P \land Q) \lor (\neg P \land \neg Q). \]

Exercício 1.2 Demonstre as seguintes afirmações usando tabelas-verdade.

  1. \(\neg(P\lor Q)\equiv \neg P \land \neg Q\);
  2. \(\neg(P\land Q) \equiv \neg P \lor \neg Q\);
  3. \(P\land(Q\lor R)\equiv (P\land Q)\lor (P\land R)\);
  4. \(P\lor(Q\land R)\equiv (P\lor Q)\land (P\lor R)\).

As primeiras duas afirmações no exercício anterior são conhecidas como as Leis de de Morgan. Elas são importantes quando formamos negações de proposições compostas. Por exemplo, se \[ P:\ \mbox{$2$ é primo}, \quad Q:\ \mbox{$3$ divide $7$} \] então \[\begin{align*} P\land Q&:\ \mbox{$2$ é primo e $3$ divide $7$}\\ P\lor Q&:\ \mbox{$2$ é primo ou $3$ divide $7$}\\ \neg(P\land Q)\equiv \neg P\lor \neg Q&:\ \mbox{$2$ não é primo ou $3$ não divide $7$}\\ \neg(P\lor Q)\equiv \neg P\land \neg Q&:\ \mbox{$2$ não é primo e $3$ não divide $7$}. \end{align*}\]

O terceiro e quarto itens do Exercício 1.2 podem ser vistos como uma forma da distributividade entre as conectivas \(\lor\) e \(\land\).