Nós vamos trabalhar principalmente com anéis de polinômios e com seus ideais. Eu assumo que vocês têm familiaridade com alguns conceitos relacionados com polinômios que estudamos na disciplina Fundamentos de Álgebra:
Lema 88.1 Usando a notação acima, todo elemento de \(\F[x]/(f(x))\) pode ser escrito unicamente como \(\overline{g(x)}\) onde \(g(x)\in\F[x]\) com \(g(x)=0\) ou \(\mbox{grau}\,g(x)<\mbox{grau}\,f(x)\). Em particular, pondo \(k=\mbox{grau}\,f(x)\), \[
\F[x]/(f(x))=\{\overline{g(x)}\mid g(x)=0\mbox{ ou grau}\,g(x)<k\}=
\{\alpha_0+\alpha_1\overline x+\cdots+\alpha_{k-1}\overline x^{k-1}\mid \alpha_0,\ldots,\alpha_{k-1}\in\F\}.
\] e \(\F[x]/(f(x))\) é um espaço vetorial de dimensão \(k\) sobre \(\F\).
Comprovação. Seja \(I\subseteq \F[x]\) um ideal não nulo e seja \(f(x)\) um polinômio não nulo em \(I\) de grau minimal. Multiplicando \(f(x)\) com um escalar, podemos assumir que \(f(x)\) é um polinômio mônico. Claramente, \((f(x))\subseteq I\). Seja \(g(x)\in I\) um polinômio arbitrário. Pelo Teorema de Divisão de Euclides para polinômios, existem \(q(x),r(x)\in\F[x]\) únicos tais que \[
g(x)=f(x)q(x)+r(x)\quad \mbox{onde}\quad r(x)=0\mbox{ ou }\mbox{grau}\,r(x)<\mbox{grau}\,f(x).
\] Como \(f(x),g(x)\in I\), vimos que \(r(x)\in I\). Pela minimalidade de \(\mbox{grau}\,f(x)\) entre os polinômios não nulos de \(I\), segue obrigatoriamente que \(r(x)=0\). Ou seja \(g(x)=f(x)q(x)\). Isto mostra que \(I\subseteq (f(x))\) e portanto \(I=(f(x))\).
Para a primeira afirmação, precisamos mostrar ainda que \(f(x)\) é único. Suponha que existem \(f_1(x),f_2(x)\in I\) ambos mônicos tais que \(I=(f_1(x))=(f_2(x))\). Neste caso \(f_1(x)\) é um múltiplo de \(f_2(x)\) e \(f_2(x)\) é um múltiplo de \(f_1(x)\). Como os dois destes polinômios são mônicos, segue que \(f_1(x)=f_2(x)\). Então o polinômio \(f(x)\) no lema é único.
Mostremos agora que as três afirmações no lema são equivalentes. Assuma que \(I\) é maximal. Como \(I\neq\F[x]\), temos que \(f(x)\) não é invertível; ou seja \(\mbox{grau}\,f(x)\geq 1\). Escreva \(f(x)=g(x)h(x)\) com \(g(x),h(x)\in\F[x]\) e \(\mbox{grau}\,g(x)<\mbox{grau}\,f(x)\). Observe que \(I=(f(x))\subseteq (g(x))\). Pela maximalidade de \(I=(f(x))\), tem-se que \((g(x))=\F[x]\) ou \((g(x))=I\). A segunda opção não é possível pois \(f(x)\) é um polinômio de menor grau em \(I\), enquanto na primeira opção \(g(x)\) é constante. Obtivemos que \(f(x)\) é irredutível.
Assuma agora que \(f(x)\) é irredutível. Seja \(g(x)\in \F[x]\) tal que \(\overline{g(x)}=g(x)+I\in \F[x]/I\) é um elemento não nulo; ou seja \(g(x)\not\in I\), ou, equivalentemente, \(f(x)\nmid g(x)\). Como \(f(x)\) é irredutível, temos que \(\mbox{mdc}(f(x),g(x))=1\) e existem (pelo Algoritmo de Euclides) \(u(x),v(x)\in\F[x]\) tais que \[
u(x)f(x)+v(x)g(x)=1.
\] Passando para o quociente, isto quer dizer que \[
\overline 1=\overline{u(x)f(x)+v(x)g(x)}=\overline{u(x)}\overline{f(x)}+\overline{v(x)}\overline{g(x)}=
\overline{v(x)}\overline{g(x)}.
\] Ou seja, \(\overline{v(x)}\) é inverso de \(\overline{g(x)}\). Como \(g(x)\) foi escolhido arbitrariamente, sujeito à condição que \(\overline{g(x)}\neq 0\), temos que todo elemento não nulo de \(\F[x]/I\) possui inverso e que \(\F[x]/I\) é um corpo.
Assuma agora que \(\F[x]/I\) é um corpo e seja \(J\) um ideal de \(\F[x]\) tal que \(I\subset J\). Seja \(g(x)\in J\setminus I\). Como \(\F[x]/I\) é um corpo, \(\overline{g(x)}\) possui inverso em \(\F[x]/I\); ou seja, existe \(h(x)\in \F[x]\) tal que \(\overline{g(x)}\overline{h(x)}=\overline 1\), mas isto é equivalente ao afirmar que \(g(x)h(x)=1+q(x)f(x)\). Como \(g(x),f(x)\in J\), temos que \(1\in J\) e isto implica que \(J=\F[x]\) e que \(I\) é um ideal maximal.
Exemplo 88.4 Seja \(\F=\mathbb R\) e considere o polinômio \(f(x)=x^2+1\in\mathbb R[x]\). Como \(f(x)\) é um polinômio irredutível (porque?), temos que o quociente \(\mathbb K=\mathbb R[x]/(x^2+1)\) é um corpo. Pelas considerações acima, \[
\mathbb K=\{\alpha_0+\alpha_1\overline x\mid \alpha_0,\alpha_1\in \mathbb R\}.
\] Além disso, temos que \(\overline x^2+1=0\) que implica que \(\overline x^2=-1\). Escrevendo \(\overline x=i\), temos que \[
\mathbb K=\{\alpha_0+\alpha_1 i\mid \alpha_0,\alpha_1\in\mathbb R\}\quad\mbox{onde}\quad i^2=-1.
\] Vemos então que o corpo quociente \(\mathbb K\) é nada mais que o corpo bem conhecido \(\mathbb C\). Obtivemos então que \(\mathbb C=\mathbb R[x]/(x^2+1)\).