69  O adjunto de um operador

Nesta página, \(V\) é um \(\F\)-espaço vetorial com \(\mbox{car}(\F)\neq 2\) e \(B\) é uma forma \(\sigma\)-hermitiana ou alternada não degenerada sobre \(V\). Note que no caso de \(\sigma\)-hermitiana, \(\sigma^2=\mbox{id}_\F\). Quando \(\sigma=\mbox{id}_\F\), então \(B\) é uma forma simétrica. Quando \(B\) é alternada, então \(\sigma=\mbox{id}_\F\).

Lembre que \(V^*\) é o espaço dual de \(V\); ou seja, \[ V^*=\mbox{Hom}(V,\F)=\{f:V\to \F\mid \mbox{$f$ é linear}\}. \] Para \(v\in V\), definimos \(\varphi_v\in V^*\) com \[ \varphi_v(w)=B(w,v). \] O fato que \(\varphi_v\in V^*\) segue do fato que \(B\) é linear na primeira variável. Defina \[ \Phi:V\to V^*,\quad \Phi(v)=\varphi_v. \]

Lema 69.1 Temos para todo \(\alpha_1,\alpha_2\in\F\) e \(v_1,v_2\in V\) que \[ \Phi(\alpha_1v_1+\alpha_2v_2)=\alpha_1^\sigma \Phi(v_1)+\alpha_2^\sigma\Phi(v_2). \] Ou seja, a transformação \(\Phi\) é \(\sigma\)-semilinear. Além disso, \(\Phi\) é injetiva, e quando \(\dim V\) é finita, então \(\Phi\) é sobrejetiva. Portanto, quando \(\dim V\) for finita, \(\Phi:V\to V^*\) é uma bijeção semilinear.

Comprovação. O fato que \(\Phi\) é \(\sigma\)-semilinear segue do fato que \(B\) é \(\sigma\)-semilinear na segunda variável. Vamos mostrar que \(\Phi\) é injetiva. Note que se \(\Phi(v_1)=\Phi(v_2)\) com \(v_1,v_2\in V\), então \(B(w,v_1)=B(w,v_2)\) vale para todo \(w\in V\) e assim \(v_1-v_2\in\mbox{Rad}(B)=0\). Logo \(v_1=v_2\) e segue que \(\Phi\) é injetiva.

Assuma agora que \(\dim V\) é finita e mostremos que \(\Phi\) é sobrejetiva. Aqui nós tratamos apenas formas \(\sigma\)-hermitianas; o caso das formas alternadas é exercício. Escolha uma base ortogonal \(B=\{b_1,\ldots,b_n\}\) em \(V\). Note que \(Q(b_i)=B(b_i,b_i)\neq 0\). Por exercício anterior, temos, para \(v\in V\) que \[ v=\sum_{i=1}^n \frac{B(v,b_i)}{Q(b_i)}b_i. \] Seja \(\varphi\in V^*\) e defina \[ v=\frac{\varphi(b_1)^\sigma}{Q(b_1)}b_1+\cdots+\frac{\varphi(b_n)^\sigma}{Q(b_n)}b_n. \] Afirmamos que \(\varphi=\Phi(v)=\varphi_v\). Para isso, precisa-se provar que \(\varphi(w)=\varphi_v(w)=B(w,v)\) para todo \(w\in V\), mas é suficiente verificar esta igualdade nos elementos na base; ou seja precisamos provar que \(\varphi(b_i)=B(b_i,v)\) para todo \(i\). Vamos calcular que \[ \varphi_v(b_i)=B(b_i,v)=B\left(b_i,\frac{\varphi(b_1)^\sigma}{Q(b_1)}b_1+\cdots+\frac{\varphi(b_n)^\sigma}{Q(b_n)}b_n\right)=\varphi(b_i). \]

Definição 69.1 Sejam \(V\) e \(W\) espaços vetoriais sobre \(\F\) e assuma que \(B_V\) e \(B_W\) são formas \(\sigma\)-hermitianas não degeneradas sobre \(V\) e \(W\), respetivamente. Assuma que \(f:V\to W\) é uma transformação linear. Uma aplicação \(g:W\to F\) é chamada adjunta de \(f\) se \[ B_W(f(v),w)=B_V(v,g(w))\quad\mbox{para todo}\quad v\in V,\ w\in W. \]

Lema 69.2 Se existir a adjunta \(g\) de \(f\) na definição anterior, então ele é linear e é única.

Comprovação. Para provar que \(g\) é linear, calculemos para todo \(v,w_1,w_2\in V\) e \(\alpha_1,\alpha_2\in \F\) que \[\begin{align*} B_V(v,\alpha_1g(w_1)+\alpha_2g(w_2))&= \alpha_1^\sigma B_V(v,g(w_1))+\alpha_2^\sigma B_V(v,g(w_2))\\&=\alpha_1^\sigma B_W(f(v),w_1)+\alpha_2^\sigma B_W(f(v),w_2)\\&=B_W(f(v),\alpha_1 w_1+\alpha_2 w_2) \\&=B_V(v,g(\alpha_1 w_1+\alpha_2 w_2)). \end{align*}\] Isso mostra que \(\alpha_1g(w_1)+\alpha_2g(w_2)-g(\alpha_1 w_1+\alpha_2 w_2)\) está contido no radical de \(B_V\), ou seja \(\alpha_1g(w_1)+\alpha_2g(w_2)-g(\alpha_1 w_1+\alpha_2 w_2)=0\). Portanto \[ \alpha_1g(w_1)+\alpha_2g(w_2)=g(\alpha_1 w_1+\alpha_2 w_2) \] vale para todo \(w_1,w_2\in V\) e \(\alpha_1,\alpha_2\in \F\) que implica que \(g\) é linear.

Assuma que \(g_1\) e \(g_2\) são adjuntos de \(f:V\to W\). Então temos para todo \(v\in V\) e \(w\in W\) que \[ B_V(v,g_1(w))=B_W(f(v),g)=B_V(v,g_2(w)). \] Ou seja \(g_1(w)-g_2(w)\in\mbox{Rad}(B_V)\) e \(g_1=g_2\).

Teorema 69.1 Sejam \(V\), \(W\), \(B_V\) e \(B_W\) como no lema anterior e \(f:V\to W\) uma aplicação linear. Se \(\dim V\) e \(\dim W\) são finitas, existe a adjunta \(f^*:W\to V\) e ela é única.

Comprovação. Seja \(w\in W\) e defina a funcional \(\psi_w\in V^*\) com a regra \[ \psi_w(v)=B_W(f(v),w). \] É fácil verificar que \(\psi_w\in V^*\). Pelo lema acima, existe único \(w^*\in V\) tal que \(\psi_w=\varphi_{w^*}\). Defina \(f^*(w)=w^*=B_V(-,w^*)\). Assim temos que \[ B_W(f(v),w)=\psi_w(v)=\varphi_{w^*}(v)=B_V(v,w^*)=B_V(v,f^*(w)). \] A unicidade segue do lema anterior.

Lema 69.3 Usando a notação do teorema anterior, assuma que \(X_V\) e \(X_W\) são bases de \(V\) e \(W\), respetivamente. Sejam \(A\) e \(A^*\) as matrizes de \(f\) e \(f^*\) nas bases \(X_V\) e \(X_W\), respetivamente e sejam \(G_V\) e \(G_W\) as matrizes de Gram das formas \(B_V\) e \(B_W\). Temos que \[ A^*=G_V^{-1\sigma}A^{t\sigma}G_W^\sigma. \] Em particular, se \(X_V\) e \(X_W\) são bases ortonormais, então \[ A^*=A^{t\sigma}. \]

Comprovação. Temos pela definição do operador adjunto que \[ B_W(f(v),w)=B_V(v,f^*(w))\quad\mbox{para todo}\quad v\in V\mbox{ e }w\in W. \] Escrevendo a igualdade acima com matrizes, temos que \[ (A[v]_{X_V})^tG_W [w]_{X_W}^\sigma=[v]_{X_V}^tG_V (A^*[w]_{X_W})^\sigma. \] Daí \[ [v]_{X_V}^t A^t G_W [w]_{X_W}^\sigma=[v]_{X_V}^tG_V A^{*\sigma}[w]_{X_W}^\sigma. \] Como a igualdade vale para todo \([v]_{X_V}\in\F^m\) e \([w]_{X_W}\in\F^n\), temos que \[ A^t G_W=G_V A^{*\sigma}. \] Usando que \(G_V\) é invertível, temos que \[ A^*=A^{t\sigma}. \]

Lema 69.4 Assuma que \(f,g: V\to W\) e \(\alpha_1,\alpha_2\in \F\). Assuma que existem \(f^*\) e \(g^*\). Então temos que

  • \((\alpha_1f+\alpha_2g)^*=\alpha_1^\sigma f^*+\alpha_2^\sigma g^*\);
  • \(f^{**}=f\);
  • Se \(f\) é invertível e existe \((f^{-1})^*\), então \((f^{-1})^*=(f^*)^{-1}\)
  • se \(f,g:V\to V\), então \((f\circ g)^*=g^*\circ f^*\)

Comprovação. Exercício.

Lema 69.5 Sejam \(V\) e \(B_V\) como nos resultados anteriores e seja \(f:V\to V\) um operador que possui adjunto \(f^*\). Assuma que \(W\leq V\) é \(f\)-invariante. Então \(W^\perp\) é \(f^*\)-invariante.

Comprovação. Assuma que \(w\in W^\perp\). Precisamos provar que \(f^*(w)\perp z\) para todo \(z \in W\); ou seja \(B_V(z,f^*(w))=0\) para todo \(z\in W\). Usando que \(f(z)\in W\), temos que \(f(z)\perp w\) e calculemos que \[ B_V(z,f^*(w))=B_V(f(z),w)=0. \]