Exemplo 59.1 Considere a transformação \(R:\R^2\to \R^2\) onde \(R(v)\) é a reflexão de \(v\) no eixo que tem \(30\) graus com o eixo-\(x\). A matriz da transformação na base canônica é \[
\begin{pmatrix} 1/2 & \sqrt{3}/2\\ \sqrt{3}/2 & -1/2 \end{pmatrix}.
\] Ou seja, esta é uma matriz complicada. Por outro lado, se usarmos a base que contém o eixo da reflexão e uma outro vetor perpendicular ao eixo, temos que a matriz da transformação fica na forma \[
\begin{pmatrix} 1 & 0\\ 0 & -1 \end{pmatrix}.
\]
Escolhendo os vetores na maneira “certa”, a matriz da transformação fica bem mais simples. Nesta parte da disciplina nós vamos estudar
- como escolher a base de um espaço vetorial para que a matriz de um endomorfismo seja a mais simples possível;
- até qual ponto pode a matriz de uma endomorfismo ser simplificada.
Definição 59.1 Seja \(f:V\to V\) um endomorfismo de um \(\F\)-espaço vetorial \(V\). Seja \(\lambda\in\F\). Se \(v\in V\) tal que \(f(v)=\lambda v\), então \(v\) chama-se autovetor de \(f\). Se \(v\neq 0\), então \(\lambda\) chama-se autovalor de \(\F\). Denotamos por \[
V_\lambda=\{v\in V\mid f(v)=\lambda v\}.
\]
Exercício 59.1 Mostre que \(V_\lambda\leq V\). Sejam \(\lambda_1,\ldots,\lambda_k\in\F\) distintos. Mostre que \[
V_{\lambda_1}+\cdots+V_{\lambda_k}=V_{\lambda_1}\oplus\cdots\oplus V_{\lambda_k}.
\]
O espaço \(V_\lambda\) é chamado de autoespaço do endomorfismo \(f\) associado com \(\lambda\). Temos que \(\lambda\) é autovalor de \(f\) se e somente se \(V_\lambda\neq 0\).
Exemplo 59.2
- No primeiro exemplo desta página, o eixo da reflexão é um autovetor com autovalor \(1\) enquanto um vetor perpendicular ao eixo é autovetor com autovalor \(-1\).
- Se \(f:C^\infty(\R)\) é a derivação, então a função \(x\mapsto \exp(\lambda x)\) é autovetor com autovalor \(\lambda\).
- Se \(f:V\to V\) é um endomorfismo, então \(V_0=\ker f\).
Definição 59.2 Um endomorfismo \(f:V\to V\) de um espaço vetorial \(V\) de dimensão finita é chamada diagonalizável se \(V\) possui uma base formada por autovetores de \(f\).
O endomorfismo no primeiro exemplo é diagonalizável.
Definição 59.3 Se \(V\) é um espaço de dimensão finita e \(f:V\to V\) é um endomorfismo, então definimos \(\det f\) como \(\det [f]^B_B\) onde \(B\) é uma base arbitrária de \(V\). Pelas regras da mudança de base, \(\det f\) é independente da escolha de \(B\).
Lema 59.1 Seja \(f:V\to V\) um endomorfismo e \(\lambda\in\F\).
- Então \(V_\lambda=\ker(\lambda\cdot \mbox{id}_V-f)\).
- Assumindo que \(\dim V\) é finita, \(\lambda\) é autovalor de \(f\) se e somente se \(\det(\lambda\cdot \mbox{id}_V-f)=0\).
Comprovação.
Seja \(v\in V\). Então \(f(v)=\lambda v\) se e somente se \(f(v)-\lambda v=0\) que é e mesma coisa que \(\lambda\mbox{id}_V(v)-f(v)=0\). A última equação pode ser escrita na forma \((\lambda\mbox{id}_V-f)(v)=0\); ou seja, \(v\in \ker (\lambda\cdot \mbox{id}_V-f)\).
\(\lambda\) é autovalor de \(f\) se e somente se \(V_\lambda\neq 0\) que equivale à afirmação \(\ker(\lambda\mbox{id}_V-f)\neq 0\); ou seja \(\lambda\mbox{id}_V-f\) não é invertível. Neste caso \(\det(\lambda\mbox{id}_V-f)=0\).
Exemplo 59.3 Seja \(f:\F^2\to \F^2\) definida por \(f(x,y)=(x+y,y)\). A matriz de \(f\) na base canônica é \[
\begin{pmatrix} 1 & 1 \\ 0 & 1 \end{pmatrix}
\] Se \(\lambda\in\F\), então \(\lambda\) é autovalor de \(f\) se e somente se \[
0=\det\begin{pmatrix} \lambda-1 & -1 \\ 0 & \lambda-1 \end{pmatrix}=(\lambda-1)^2.
\] Obtemos que \(\det(\lambda\mbox{id}_V-f)=0\) apenas para \(\lambda=1\). Então o único autovalor de \(f\) é \(\lambda=1\). Neste caso, o autoespaço \(V_1\) coincide com o núcleo da matriz \[
\begin{pmatrix} 0 & -1 \\ 0 & 0 \end{pmatrix}
\] que é \(\langle(1,0)\rangle\). Obtemos que os autovetores de \(f\) são os múltiplos de \((1,0)\), então não existe base de \(V\) tal que a matriz desta transformação seja diagonalizável. Ou seja, \(f\) não é diagonalizável.
Definição 59.4 Seja \(V\) um \(\F\)-espaço de dimensão finita e seja \(f:V\to V\) um endomorfismo. Seja \(t\) uma incôgnita sobre o corpo \(\F\). Então o determinante \(\det(t\cdot \mbox{id}_V-f)\) pode ser visto como um polinômio em \(\F[t]\). Este polinômio chama-se o polinômio caraterístico de \(f\) e está escrito como \(\mbox{pcar}_f(t)\).
Note que precisamos escolher uma base para calcular o polinômio caraterístico, mas o resultado será independente da escolha da base.
Exemplo 59.4 No exemplo anterior \(\mbox{pcar}_f(t)=(t-1)^2\).
O polinômio caraterístico é um polinômio mônico de grau \(n=\dim V\): \[
\mbox{pcar}_f(t)=t^n+\alpha_{n-1}t^{n-1}+\cdots+\alpha_1t+\alpha_0\in\F[t].
\]
Corolário 59.1 Seja \(V\) um espaço vetorial de dimensão \(n\) (finita) sobre um corpo \(\F\) e seja \(f:V\to V\) um endomorfismo.
- O conjunto dos autovalores de \(f:V\to V\) é igual ao conjunto das raízes do seu polinômio caraterístico.
- \(f\) possui no máximo \(n\) autovalores distintos.
- Se \(\F=\C\), então \(f\) possui pelo menos um autovalor.
Definição 59.5 O conjunto dos autovalores de \(f\) chama-se o espectro de \(f\). A multiplicidade algébrica de um autovalor \(\lambda\) é a multiplicidade como raiz de \(\mbox{pcar}_f(t)\). A multiplicidade geométrica é \(\dim V_\lambda\).
Lema 59.2 A multiplicidade geométrica de um autovalor de um endomorfismo é menor ou igual a sua multiplicidade algébrica.
Comprovação. Exercício: Use uma base que contém uma base para \(V_\lambda\) para calcular o polinômio caraterístico.