Nesta página \(\F=\R\) ou \(\F=\C\) e \(V\) é um \(\F\)-espaço com produto interno \(\langle -,-\rangle\). Alguns resultados são válidos para espaços vetoriais sobre corpos arbitrários com formas \(\sigma\)-hermitianas, mas nós vamos trabalhar com as suposições da frase anterior.
Definição 71.1 Um operador \(f:V\to V\) é dito normal se existe \(f^*\) e \(ff^*=f^*f\). Ou seja, um operador é normal se e somente se existe o adjunto e ele comuta com seu adjunto.
Lema 71.1 Seja \(f:V\to V\) um operador.
- Se \(f\) é autoadjunto, então \(f\) é normal.
- Se \(\dim V\) é finita e \(f\) é diagonalizável por uma base ortonormal, então \(f\) é normal.
Comprovação. A primeira afirmação é óbvia, pois \(f\) e \(f\) claramente comutam. Para a segunda afirmação, assuma que existe uma base ortonormal \(\{b_1,\ldots,b_n\}\) de \(V\) composta de autovetores de \(f\). A matriz de \(f\) nesta base é uma matriz diagonal \(D\) com os autovalores \(\lambda_1,\ldots,\lambda_n\) no diagonal principal. Na mesma base, a matriz \(\overline D\) de \(f^*\) é diagonal com \(\overline \lambda_1,\ldots,\overline \lambda_n\) no diagonal principal. Como as matrizes diagonais \(D\) e \(\overline D\) comutam, temos que \(f\) também comuta com \(f^*\).
Exemplo 71.1 Um operador normal não precisa ser autoadjunto. Considere por exemplo o operador \(R_\alpha:\R^2\to \R^2\) que é a rotação por \(\alpha\) graus. A matriz deste operador na base canônica (que é ortonormal) é \[
\begin{pmatrix}
\cos\alpha &-\mbox{sen}\,\alpha\\ \mbox{sen}\,\alpha & \cos\alpha\end{pmatrix}.
\] A matriz da adjunta de \(R_\alpha\) na mesma base é \[
\begin{pmatrix}
\cos\alpha &\mbox{sen}\,\alpha\\ -\mbox{sen}\,\alpha & \cos\alpha\end{pmatrix};
\] ou seja, \((R_\alpha)^*=R_{-\alpha}\). Como rotações do plano comutam, \(R_\alpha\) comuta com \(R_\alpha^*=R_{-\alpha}\) e \(R_\alpha\) é normal. Por outro lado se \(\alpha\) não é múltipo de \(180\) graus, \(R_\alpha\neq R_{-\alpha}\) e neste caso \(R_\alpha\) não é autoadjunto.
Lema 71.2 Assuma que \(f:V\to V\) é normal.
- \(\|f(v)\|=\|f^*(v)\|\) para todo \(v\in V\).
- Se \(v\) é autovetor de \(f\) com autovalor \(\lambda\), então o mesmo \(v\) é autovetor de \(f^*\) com autovalor \(\overline\lambda\).
- Se \(v_1\) e \(v_2\) são autovetores de \(f\) com autovalores \(\alpha_1\) e \(\alpha_2\) distintos, então \(v_1\perp v_2\).
Comprovação.
Seja \(v\in V\). Então \[\begin{align*}
\|f(v)\|^2&=\langle f(v),f(v)\rangle =\langle v,f^*(f(v))\rangle=\overline{\langle f(f^*(v),v\rangle}\\&=\overline{\langle f^*(v),f^*(v)\rangle}\\&=\overline{\| f^*(v)\|}=\|f^*(v)\|.
\end{align*}\]
Assuma que \(f(v)=\lambda v\); ou seja \((f-\lambda\mbox{id})(v)=0\). Obtemos que \(\|(f-\lambda\mbox{id})(v)\|=0\). Pelo item anterior, \(\|(f-\lambda\mbox{id})^*(v)\|=0\). Então \((f-\lambda\mbox{id})^*(v)=0\); ou seja, \(f^*(v)=\overline \lambda v\).
Temos que \[
\alpha_1\langle v_1,v_2\rangle =\langle f(v_1),v_2\rangle=\langle v_1,f^*(v_2)\rangle = \alpha_2 \langle v_1,v_2\rangle.
\] Logo \((\alpha_1-\alpha_2)\langle v_1,v_2\rangle=0\) e obtemos que \(\langle v_1,v_2\rangle=0\).
Teorema 71.1 Seja \(V\) um \(\C\)-espaço de dimensão finita e \(f:V\to V\) um operador. Existe uma base ortonormal formada por autovetores de \(V\) se e somente se \(f\) é um operador normal.
Comprovação. Já vimos que quando existe uma base ortonormal formada por autovetores de \(f\), então \(f\) é normal.
A outra direção será demonstrada por indução na dimensão de \(V\). Quando \(\dim V=1\), então escolhe qualquer vetor não nulo \(v\in V\setminus\{0\}\) e tome \(\|v\|^{-1}v\) para base ortonormal formada por autovetores de \(f\). Assuma que o resultado vale para espaços de dimensão \(n-1\) e assuma que \(\dim V=n\). Como o corpo é \(\C\), \(f\) possui autovalor \(\lambda\) e seja \(v\in V\) um autovetor não nulo. Seja \(b_1=\|v\|^{-1}v\) um vetor unitário. Considere \(U=\langle v\rangle\) e \(W=U^\perp\). Note que \(U\) é \(f\)-invariente. Mas \(U\) também é \(f^*\)-invariante, pois \(b_1\) é autovetor de \(f^*\) com autovalor \(\overline \lambda\). Assim, um resultado anterior implica que \(W\) é \(f\)-invariante (pois \(f=(f^*)^*\)). As restrições de \(f\) e \(f^*\) para \(W\) claramente comutam e \((f|_W)^*=(f^*)|_W\). Logo, a hipótese da indução é válida para \(f|_W\) e \(W\) e \(W\) possui uma base \(\{b_2,\ldots,b_n\}\) ortonormal formada por autovetores de \(f\). Ora, \(\{b_1,\ldots,b_n\}\) é a base procurada.
Exemplo 71.2 Seja \(f:\C^2\to \C^2\) o operador com matriz \[
A=\begin{pmatrix} 1 & i \\ i & 1\end{pmatrix}
\] na base canônica. Note que a matriz de \(f^*\) é \[
A^*=\begin{pmatrix} 1 & -i \\ -i & 1\end{pmatrix}
\] e \(f\) não é autoadjunto. Mas \[
AA^*=A^*A=\begin{pmatrix} 2 & 0 \\ 0 & 2\end{pmatrix}
\] e \(f\) é normal. Note que os autovalores de \(f\) são raízes do polinômio caraterístico \(t^2-2t+2\) que são \(1\pm i\). Os autovetores ortonormais correspondentes são \((1/\sqrt{2})(1,1)\) e \((1/\sqrt{2})(1,-1)\). Logo pondo \[
P=\frac 1{\sqrt 2}\begin{pmatrix} 1 & 1 \\ 1 & -1\end{pmatrix}
\] temos que \[
P^*AP=\begin{pmatrix} 1+i & 0 \\ 0 & 1-i\end{pmatrix}
\]