O Teorema $pq$ de Burnside

$\newcommand{\C}{\mathbb C}$Lema (Burnside). Se $G$ é um grupo finito que possui uma classe de conjugação com $p^m$ elementos, onde $p$ é um primo e $m\geq 1$, então $G$ não pode ser simples.

Demonstração. Assuma com o objetivo de obter uma contradição que $G$ é simples. Seja $g\in G$ pertencente a uma classe $C$ com $p^m$ elementos como assumido no lema. Suponha que $\varrho$ é uma $\C$-representação não trivial irredutível de $G$ com caracter $\chi$. Pela simplicidade de $G$, $\ker\varrho=1$ e $G\cong G\varrho$. Assuma que $g\chi\neq 0$ e $p\nmid 1\chi$. Por um lema anterior, $g\varrho=\lambda\cdot\mbox{id}$, portanto $g\varrho\in Z(G\varrho)$, equivalentemente $g\in Z(G)=1$; ou seja, $g=1$. Mas isso é impossível, pois nós assumimos que $|g^G|>1$. Obtivemos então que $g\chi=0$ para todo caracter irredutível tal que $p\nmid 1\chi$.

Considere o caracter $\psi$ que corresponde à representação regular sobre $\C G$. Por um resultado anterior,
\[
\psi=\sum_{i=1}^r(1\chi_i)\chi_i
\]
onde $\chi_1,\ldots,\chi_r$ são os caracteres irredutíveis de $G$.Assumindo que $\chi_1$ é a representação trivial, e usando que $g\neq 1$,
\begin{align*}
0=&g\psi=\sum_{i=1}^r (1\chi_i)(g\chi_i)=g\chi_1+\sum_{i\geq 2,\ p\nmid 1\chi_i}(1\chi_i)(g\chi_i)+\sum_{i\geq 2,\ p\mid 1\chi_i}(1\chi_i)(g\chi_i)\\&=
1+\sum_{i\geq 2,\ p\mid 1\chi_i}(1\chi_i)(g\chi_i)
\end{align*}
A última expressão na linha anterior é um número inteiro na forma $1+kp$ onde $k$ também é um inteiro, e consequentemente não pode ser igual a zero: então o grupo $G$ é simples.

Teorema (Burnside). Sejam $p$ e $q$ números primos. Então um grupo de ordem $p^\alpha q^\beta$ é solúvel.

Demonstração. Assuma que o teorema é falso e seja $G$ um contraexemplo minimal. Se $1<N\lhd G$ é um subgrupo normal, então as ordens de $N$ e $G/N$ estão na forma $p^*q^*$. Pela minimalidade de $G$, $N$ e $G/N$ são solúveis que implica que $G$ também é. Isto implica que um contraexemplo minimal é um grupo simples.

Seja $Q$ um $q$-subgrupo de Sylow de $G$. O centro de $Q$ é não trivial e seja $g\in Z(Q)$. Como $Q\leq C_G(g)$ e $Z(G)=1$, tem-se que $|g^G|=|G:C_G(g)|=p^a$ com algum $a\neq 1$. Mas isso é impossível pelo resultado anterior.

 

Integralidade

$\newcommand{\C}{\mathbb C}\newcommand{\K}{\mathbb K}\newcommand{\Q}{\mathbb Q}\newcommand{\Z}{\mathbb Z}$ Um elemento $\alpha\in\C$ é dito inteiro algébrico se $\alpha$ é raiz de um polinômio mônico em $\Z[t]$.

Lema. As seguintes são verdadeiras.

  1. Se $\alpha_1,\ldots,\alpha_r$ são inteiros algébricos, então $\Z[\alpha_1,\ldots,\alpha_r]$ é finitamente gerado como um grupo abeliano (aditivo).
  2. Se $R$ é um subanel de $\C$ tal que $\Z\subseteq R$ e $R$ é finitamente gerado como um grupo abeliano, então os elementos de $R$ são inteiros algébricos.
  3. O conjunto dos inteiros algébricos de $\C$ é um anel.
  4. $\alpha\in\Q$ é um inteiro algébrico se e somente se $\alpha\in\Z$.

Demonstração. Demonstraremos apenas 2. e 3. O resto é exercício.

2. Seja $s\in R$ e assuma que $R$ é gerado por $\left<x_1,\ldots,x_d\right>$ como um grupo abeliano. Para $i\in\{1,\ldots,d\}$, temos que
\[
s x_i=\sum_{j=1}^d \alpha_{ij}x_j
\]
com $\alpha_{ij}\in\Z$. Pondo $A=(\alpha_{ij})$, temos que
\[
A (x_1,\ldots,x_d)^{\rm t}=s(x_1,\ldots,x_d)^{\rm t}.
\]
Portanto, $s$ é um autovalor de $A$; ou seja $s$ é uma raiz do polinômio caraterístico de $A$ que é um elemento mônico de $\Z[t]$.

3. Segue dos items 1. e 2.

Lema. Seja $G$ um grupo finito e sejam $C_1,\ldots,C_r$ as classes de conjugação de $G$. Para um corpo $\K$ de caraterística zero,  os elementos
\[
k_i=\sum_{g\in C_i}g\quad\mbox{com}\quad i\in\{1,\ldots,r\}
\]
formam uma base do centro de $\K G$. Além disso,
\[
k_ik_j=\sum_{s=1}^r m_{ij}^{(s)} k_s
\]
onde $m_{ij}^{(s)}$ é o número de pares $(g_i,g_j)\in C_i\times C_j$ tal que $g_ig_j=g$ onde $g$ é um elemento fixo de $C_r$. Em particular os coeficientes $m_{ij}^{(s)}$ são inteiros não negativos.

Demonstração. Exercício.

Lembre que se $\chi$ é um caracter de $G$, então $g\chi$ é uma soma de $|G|$-ésimas raízes da unidade. Denotando uma $|G|$-ésima raiz primitiva por $\xi$, temos que $g\chi\in\K$ onde $\K$ é o corpo numérico $\Q(\xi)$. Além disso, $g\chi$ é um inteiro algébrico. Provaremos o seguinte teorema mais forte.

Teorema. Seja $G$ um grupo finito, seja $\chi$ um $\C$-caracter irredutível de $G$ de grau $n$, e seja $g\in G$. Então $|g^G|(g\chi)/n$ é um inteiro algébrico.

Demonstração. Sejam $C_1,\ldots,C_r$ as classes de conjugação de $G$ e seja $k_i=\sum_{x\in C_i}x$. Então $\{k_1,\ldots,k_r\}$ é uma base de $\C G$. Escreva
\begin{equation}\label{eq:center}
k_ik_j=\sum_{s=1}^rm_{ij}^{(s)} k_s
\end{equation}
e lembre pelo exercício anterior que os coeficientes $m_{ij}^{(s)}$ são números inteiros não negativos. Seja $\varrho$ a representação correspondente a $\chi$ e considere $\varrho$ como um mapa $\C G\to \mbox{End}(V)$. Como $k_i$ é um elemento central, $k_i\varrho=\lambda_i I$ com algum $\lambda_i\in\C$. Assuma que $g\in C_i$, seja $\lambda=\lambda_i$ e calcule que
\[
n\lambda=\mbox{tr}(k_i\varrho)=\sum_{x\in C_i}x\chi=|g^G|\chi(g).
\]
Precisamos provar que $\lambda$ é um inteiro algébrico. Aplicando $\varrho$ na equação \eqref{eq:center}, obtemos que
\begin{equation}\label{eq:lambdaeq}
\lambda_i\lambda_j=\sum_{s=1}^r m_{ij}^{(s)}\lambda_s.
\end{equation}
Considere
\[
R=\left\{\sum_{i=1}^r\alpha_i \lambda_i\mid\alpha_i\in\Z\right\}.
\]
Pela equação \eqref{eq:lambdaeq}, $R$ é um anel tal que $\Z\subseteq R\subseteq \C$. Além disso, $R$ é finitamente gerado como grupo abeliano. Portanto, pelo lema anterior, os elementos de $R$ são inteiros algébricos. Então $\lambda$ é um inteiro algébrico, como foi afirmado.

Corolário. Seja $n$ o grau de um character irredutível $\chi$ de um grupo finito $G$. Então $n\mid |G|$.

Demonstração. Seja $\varrho$ a representação de $\chi$. Assuma que $C_1,\ldots,C_r$ são as classes de conjugação de $G$, e seja $g_i\in C_i$ para todo $i$. Pela relação de ortogonalidade, temos que
\[
\frac{|G|}{n} = \frac 1n\sum_{g\in G}(g\chi)\overline{g\chi}=\frac 1n\sum_{i=1}^r |C_i|(g_i\chi)\overline{g_i\chi}.
\]
Usando a notação do resultado anterior, $\lambda_i=|C_i|(g_i\chi)/n$ e obtemos que
\[
|G|/n=\sum_{i=1}^r \lambda_i\overline{g_i\chi}.
\]
O lado direito da última equação é um inteiro algébrico. Então a lado esquerdo também é, e $m/n\in\Q$ é um inteiro algébrico. Portanto $|G|/n$ é um inteiro, ou seja $n\mid |G|$.

Lema. Seja $\varrho$ uma $\C$-representação irredutível de grau $n$ de $G$ com caracter $\chi$ e seja $g\in G$ tal que $\mbox{mdc}(|g^G|,n)=1$. Então $g\chi=0$ ou $g\varrho=\lambda \cdot\mbox{id}$.

Demonstração.  Denote $|g^G|=m$. Sejam $r,s\in\Z$ tal que $rm+sn=1$. Por um teorema anterior, $m(g\chi)/n$ é um inteiro algébrico, então
\[
t=\frac{g\chi}n=\frac{rm(g\chi)}n+\frac{sn(g\chi)}n
\]
também é um inteiro algébrico.

Sejam $\lambda_1,\ldots,\lambda_n$ os autovalores de $g\varrho$ (com multiplicidade) tais que $g\chi=\sum_i \lambda_i$ e $|t|=|\sum_i \lambda_i|/n$. Como cada $\lambda_i$ é uma raiz da identididade, $|\lambda_i|=1$ e $|t|=|\sum_i\lambda_i|/n\leq 1$.

Assuma que os $\lambda_i$ não são todos iguais. Isto implica que $|t|<1$. Seja $\K=\Q(\lambda_1,\ldots,\lambda_n)$ e seja $\alpha\in\mbox{Gal}(\K:\Q)$.   Neste caso os $\lambda_i\alpha$ também não são todos iguais, e $|t\alpha|<1$. Lembre que $\K$ é uma extensão de Galois (é uma extensão ciclotômica) de $\Q$ e que $G=\mbox{Gal}(\K:\Q)$ é um grupo finito. Ponha
\[
u=\prod_{\alpha\in G}t\alpha.
\]
Então $|u|<1$ e $u\alpha=u$ para todo $\alpha\in G$. Logo $u\in \Q$. Mas $u$ é um inteiro algébrico tal que $|u|<1$, então $u=0$. Isto diz que $t=0$, que mostra que $g\chi=0$.

A decomposição de $\mathbb CG$

$\newcommand{\C}{\mathbb C}$Assuma nesta página que $G$ é um grupo finito, $\chi_1,\ldots,\chi_k$ são os caracteres de $G$ irredutíveis e os graus destes caracteres são $n_1,\ldots,n_k$, respetivamente; ou seja, $1\chi_i=n_i$ para todo $i$.

Seja $V=\C G$ considerado como um $G$-módulo seja $\varrho$ o caracter correspondente. O conjunto $G$ é uma base de $V$ e
\[
g\varrho=|\{h\in G\mid hg=h\}|.
\]
Obtemos a seguinte lema.

Teorema. 
\[
g\varrho=\left\{\begin{array}{cl} |G| & \mbox{se $g=1$};\\
0 & \mbox{se $g\neq 1$}\end{array}\right.
\]
e
\[
\varrho=\sum_{i=1}^k n_i\chi_i.
\]
Em particular,
\[
\sum_{i=1}^k n_i^2=|G|.
\]

Demonstração. A primeira afirmação segue da observação antes do teorema. Para provar a segunda afirmação, lembre que pelo Teorema de Maschke, $\C G$ é uma soma direta de $G$-módulos simples. Portanto
\[
\varrho=\alpha_1\chi_1+\cdots+\alpha_k\chi_k
\]
com alguns coeficientes $\alpha_i\geq 0$. Como $\chi_1,\ldots,\chi_k$ é um sistema ortonormal,
\[
\alpha_i=\left<\varrho,\chi_i\right>=\frac 1{|G|}\sum_{g\in G}(g\varrho)\overline{(g\chi_i)}=\frac 1{|G|}|G| n_i=n_i.
\]
A última afirmação segue calculando
\[
|G|=\dim \C G=1 \varrho=\sum_{i=1}^k n_i(1\chi_i)=\sum_{i=1}^k n_i^2.
\]

Teorema. Os caracteres $\chi_1,\ldots,\chi_k$ formam uma base ortonormal do espaço de funções
\[
W=\{f\in\mbox{Func}(G,\C)\mid (g^x)f=gf\mbox{ para todo }g,x\in G\}.
\]
Em particular, o número de $\C$-representações irredutíveis de dimensão finita de $G$ é igual ao número das classes de conjugação de $G$.

Antes de provar o teorema, provaremos o seguinte lema.

Lema. Seja $f\in W$, e seja $\sigma$ uma representação irredutível de $G$ em $V$ com caracter $\chi$. Então
\[
\sigma_f=\sum_{g\in G} (gf)(g\sigma)=\left(\frac{|G|}{1\chi}\left<f,\overline \chi\right>\right)\cdot\mbox{id}.
\]

Demonstração. Note que $\sigma_f\in\mbox{End}_{\C}(V)$.
Verificamos primeiro que $\sigma_f(h\sigma)=(h\sigma)\sigma_f$, ou seja $\sigma_f\in \mbox{End}_{G}(V)$. De fato
\begin{align*}
(h\sigma)^{-1}\sigma_f(h\sigma)&=\sum_{g\in G}(gf)(h\sigma)^{-1}(g\sigma)(h\sigma)\\&=\sum_{g\in G}(gf)((h^{-1}gh)\sigma)=\sum_{y\in G} ((h yh^{-1})f)(y\sigma)\\&=\sum_{y\in G} (yf)(y\sigma)=\sigma_f.
\end{align*}
Portanto, $\sigma_f\in \mbox{End}_{G}(V)$, como foi afirmado. Como $V$ é um $G$-módulo simples, obtemos que $\sigma_f=\lambda\cdot\mbox{id}$ onde $\lambda\in\C^*$. Além disso,
\[
\lambda\dim V=(1\chi)\lambda=\mbox{Tr}(\sigma_f)=\sum_{g\in G}(gf)\mbox{Tr}(g\sigma)=
\sum_{g\in G}(gf)(g\chi)=|G|\left<f,\overline \chi\right>
\]
Em particular, $\lambda=|G|\left<f,\overline \chi\right>/(1\chi)$ e $\sigma_f=|G|\left<f,\overline \chi\right>/(1\chi)\cdot\mbox{id}$.

Demonstração do Teorema. Já vimos que o sistema $\chi_1,\ldots,\chi_k$ é ortonormal em $W$. Portanto é suficiente provar que se $f\in W$ tal que $\left<\chi_i,\overline f\right>=\left<f,\overline\chi_i\right>=0$ para todo $i$, então $f=0$. Assuma que $f$ é  tal função. Para uma representação $\sigma$ de $G$, defina $\sigma_f$ como
\[
\sigma_f=\sum_{g\in G}(gf)(g\sigma).
\]
Se $\sigma$ for irredutível, então $\sigma_f=0$ pelo Lema anterior.
Se $\sigma$ não for irredutúvel, então o $G$-módulo $V$ correspondente pode ser escrito como uma soma direta $V=V_1\oplus\cdots\oplus V_m$ de $G$-módulos simples e temos a equação correspondente para o caracter:  $\chi=\sum_i\chi_i$. Seja $\sigma_i$ a representação induzida por $\sigma$ em $V_i$. Então $g\sigma=\sum_ig\sigma_i$. Logo
\[
\sigma_f=\sum_{g\in G}(gf)(g\sigma)=\sum_{g\in G}\sum_{i=1}^m (gf)(g\sigma_i)=\sum_{i=1}^m(\sigma_i)_f.
\]
Portanto
\[
\sigma_f=\sum_{i=1}^m(\sigma_i)_f=\sum_{i=1}^m\frac{|G|}{1\chi_i}\left<f,\overline{\chi_i}\right>\cdot\mbox{id}_{V_i}=0.
\]
Seja $\rho$ a representação de $G$ em $\C G$,
\[
0=1\rho_f=1\cdot \sum_{g\in G}(gf)(g\varrho)=\sum_{g\in G}(gf)g.
\]
Portanto $gf=0$ para todo $g$ e $f=0$.

Corolário. Seja $g\in G$.

  1. $\sum_{i=1}^k\overline{(g\chi_i)}(g\chi_i)=|C_G(g)|$.
  2. Se $g,h\in G$ pertencentes a classes distintos de conjugação,  então $\sum_{i=1}^k\overline{(g\chi_i)}(h\chi_i)=0$.

Demonstração. Seja $f:G\rightarrow\C$ a função que é igual a 1 na classe de $g$ e zero nos outros elementos.  Pelo teorema anterior,
\[
f=\sum_{i=1}^k \left<f,\chi_i\right>\chi_i=\sum_{i=1}^k \frac{|g^G|}{|G|}
\overline{ (g\chi_i)}\chi_i=
\frac 1{|C_G(g)|}\sum_{i=1}^k\overline{(g\chi_i)}\chi_i.
\]
Logo, para $h\in G$, temos que
\[
hf=
\frac 1{|C_G(g)|}\sum_{i=1}^k\overline{(g\chi_i)}(h\chi_i).
\]
Tomando $h=g$, obtemos equação 1., tomando $h\not\in g^G$, obtemos equação 2.

 

 

O caracter e as relações de ortgonalidade

$\newcommand{\C}{\mathbb C}\newcommand{\F}{\mathbb F}\newcommand{\tr}{{\rm tr}\,}$ Nesta página, grupos são finitos e representações são de dimensão finita.

Lema. Seja $X$ uma matrix complexa com ordem finita. Então $X$ é diagonalizável e os autovalores de $X$ são raízes da unidade.

Demonstração. Seja $X$ de ordem $n$. Então $X$ satisfaz o polinômio $t^n-1$ e o polinômio minimal $m_X(t)$ de $X$ é um divisor de $t^n-1$. Como $t^n-1$ tem $n$ raízes distintas em $\C$, $m_X(t)$ também tem raízes distintas. Isto significa que $X$ é diagonalizável.

Seja $Y$ uma matriz invertível tal que $X^Y$ é diagonal com $(\lambda_1,\ldots,\lambda_r)$ no diagonal. Como $X^n=I$, $(X^Y)^n=I$, e $\lambda_j^n=1$ para todo $j$; ou seja $\lambda_j$ é uma raiz da unidade.

Lembre que o traço $\tr A$ de uma matriz quadrada $A$ é a soma das suas entradas diagonais. Se $A$ e $B$ são matrizes $n\times n$, então $\tr AB=\tr BA$. Portanto, se  $B$ for invertível, então
\[
\tr A^B=\tr (B^{-1}A)B=\tr B(B^{-1}A)=\tr A.
\]
Ou seja, matrizes que pertencem a mesma classe de conjugação, têm o mesmo traço.

Seja $V$ um $\C$-espaço vetorial e seja $\varrho:G\rightarrow GL(V)$ uma representação de $G$.  Seja $B$ uma base de $V$, e denota por $(g\varrho)_B$ a matriz da transformação $g\varrho$ na base $B$. O caracter da representação $\varrho$ é o mapa
\[
\chi=\chi_\varrho: G\rightarrow \C,\quad g\mapsto \tr (g\varrho)_B.
\]
Se $B’$ é uma outra base de $V$, então $(g\varrho)_B$ e $(g\varrho)_{B’}$ são conjugados, e pelas observações no parágrafo anterior, elas têm o mesmo traço. Em particular, $\chi$ independe da escolha da base $B$. Além disso, $g\chi$ é a soma dos autovalores de $g$.

Lema. Seja $\varrho:G\rightarrow GL(V)$ uma representação de $G$ e seja $\chi$ o caracter correspondente. Então

  1. $1\chi=\dim V$;
  2. $g^{-1}\chi=\overline {g\chi}$ (conjugado complexo);
  3. $\chi$ é constante nas classes de conjugacão de $G$.

Demonstração. 1. $1\chi=\tr (1\varrho)=\tr I=\dim V$.

2. Seja $Y$ uma matriz tal que $(g\varrho)^Y$ é diagonal com $(\lambda_1,\ldots,\lambda_n)$ no diagonal. Então
\[
(g^{-1}\varrho)^Y=((g\varrho)^{-1})^Y=((g\varrho)^Y)^{-1};
\]
ou seja, $g^{-1}\varrho$ é diagonalizável por $Y$ e as entradas diagonais são $(\lambda_1^{-1},\ldots,\lambda_n^{-1})$. Como $\lambda_i$ é uma raiz da unidade, $\lambda_i^{-1}=\overline\lambda_i$. Portanto
\[
g^{-1}\chi=\lambda_1^{-1}+\cdots+\lambda_n^{-1}=\overline \lambda_1+\cdots+\overline\lambda_n=\overline{\lambda_1+\cdots+\lambda_n}=\overline{g\chi}.
\]

3. Seja $g,h\in G$. Então $(g^h)\chi$ é o traço de $(g^h)\varrho=(h\varrho)^{-1}(g\varrho)(h\varrho)$ cujo traço é igual ao traço de $g\varrho$. Portanto $(g^h)\chi=g\chi$.

Lema. Seja $\F$ um corpo e sejam $\varrho:G\rightarrow GL(n,\F)$ e $\sigma :G\to GL(m,\F)$ representações  irredutíveis de um grupo $G$. Sejam $i,j\in\{1,\ldots,n\}$ e $r,s\in\{1,\ldots,m\}$. Então

  1. Se $\varrho$ e $\sigma$ não são equivalentes, então
    \[
    \sum_{g\in G} (g\varrho)_{ij}(g^{-1}\sigma)_{rs}=0.
    \]
  2. Se a caraterística de $\F$ não divide $|G|$ e $\F$ é algebricamente fechado,  então
    \[
    \sum_{g\in G} (x\varrho)_{ij}(x^{-1}\varrho)_{rs}=\frac{|G|}{n}\delta_{is}\delta_{jr}.
    \]

Demonstração. 1. Sejam $V=\F^n$ and $W=\F^m$ os $G$-módulos que correspondem às representações $\varrho$ e $\sigma$, respetivamente. Se $\alpha\in\mbox{Hom}_\F(V,W)$, defina
\[
\overline\alpha\in\mbox{Hom}_G(V,W),\quad \overline\alpha=\sum_{g\in G} (g\varrho)\alpha(g\sigma)^{-1}.
\]
Se $h\in G$, então
\begin{align*}
\overline \alpha (h\sigma)=&\sum_{g\in G} (g\varrho)\alpha(g\sigma)^{-1}(h\sigma)=\sum_{g\in G} (g\varrho)\alpha((g^{-1}h)\sigma)\\&=
\sum_{y\in G} ((hy)\varrho)\alpha(y^{-1}\sigma)=(h\varrho)\sum_{y\in G} (y\varrho)\alpha(y\sigma)^{-1}=(h\varrho)\overline \alpha.
\end{align*}
Portanto $\overline\alpha\in \mbox{Hom}_G(V,W)$.

Seja $\alpha:V\rightarrow W$ a aplicação que manda $(e_j\in V)\mapsto (e_r\in W)$ e $e_i\mapsto 0$ se $i\neq j$. Então $\alpha$ é representada pela matriz cuja entrada na posição $(k,l)$ é $\delta_{jk}\delta_{rl}$. Então
\[
(\overline\alpha)_{is}=\sum_{g\in G}\sum_k\sum_l(g\varrho)_{ik}\delta_{jk}\delta_{rl}(g^{-1}\sigma)_{ls}=\sum_{g\in G}(g\varrho)_{ij}(g^{-1}\sigma)_{rs}.
\]
Ora, se $\varrho$ e $\sigma$ não são equivalentes, então, pelo Lema de Schur, $\overline\alpha=0$, que implica afirmação 1.

2. Assuma que $V=W$, $\varrho=\sigma$, e sejam $\alpha$, $\overline\alpha$ as mesmas transformações que no parágrafo anterior. Logo, $\overline\alpha\in\mbox{End}_G(V)$. Pelo Lema de Schur, $\overline\alpha=\lambda_{jr} I$ onde $\lambda_{jr}\in\F$. A última equação destacada implica que
\[
\lambda_{jr}\delta_{is}=(\overline\alpha)_{is}=\sum_{x\in G}(x\varrho)_{ij}(x^{-1}\varrho)_{rs}=
\sum_{y\in G}(y\varrho)_{rs}(y^{-1}\varrho)_{ij}=\lambda_{si}\delta_{rj}.
\]
Isso implica que $\sum_{x\in G}(x\varrho)_{ij}(x^{-1}\varrho)_{rs}=0$ se $i\neq s$ ou $j\neq r$. Além disso, a última equação implica que
\[
\lambda_{jj}=\lambda_{jj}\delta_{ii}=\lambda_{ii}\delta_{jj}=\lambda_{ii}.
\]
Portanto, o escalar $\lambda=\lambda_{ii}$ é independente de $i$. Então
\begin{align*}
n\lambda=&\sum_{j=1}^n\left(\sum_{x}(x\varrho)_{ij}(x^{-1}\varrho)_{ji}\right)=
\sum_{x}\left(\sum_{j=1}^n(x\varrho)_{ij}(x^{-1}\varrho)_{ji}\right)\\&=\sum_x (xx^{-1}\varrho)_{ii}=|G|.
\end{align*}
Como $|G|$ não divide a caraterística de $\F$, obtemos que $\lambda = |G|/n$.

Teorema (Relações de ortogonalidade). Seja $G$ um grupo finito e $\chi$, $\psi$ dois $\C$-caracteres irredutíveis que correspondem a representações não equivalentes. Temos as seguintes igualdades:
\begin{align*}
\sum_{x\in G}(x\chi)(x^{-1}\psi)&=0\\
\sum_{x\in G}(x\chi)(x^{-1}\chi)&=|G|.
\end{align*}
Em particular, $\chi\neq\psi$.

Demonstração. Sejam $\varrho$ e $\sigma$ as representações correspondentes a $\chi$ e $\psi$. Pelo lema anterior
\[
\sum_{x\in G}(x\chi)(x^{-1}\psi)=\sum_{i}\sum_j\sum_{x\in G}(x\varrho)_{ii}(x^{-1}\sigma)_{jj}=0.
\]
Além disso,
\[
\sum_{x\in G}(x\chi)(x^{-1}\chi)=\sum_{i}\sum_j\sum_{x\in G}(x\varrho)_{ii}(x^{-1}\varrho)_{jj}=\sum_i\sum_j\frac{|G|}n\delta_{ij}=|G|.
\]

Seja $X$ um conjunto finito e considere os espaço vetorial
\[
\mbox{Func}(X,\C)=\{f\rightarrow \C\}
\]
de funções de $X$ em $\C$. Temos que $\dim \mbox{Func}(X,\C)=|X|$. Além disso, defina o produto interno em $\mbox{Func}(X,\C)$ com a equação
\[
\left<f,g\right>=\frac 1{|X|}\sum_{x\in X} f(x)\overline{g(x)}.
\]

Seja agora $G$ um grupo, defina $\mbox{Func}(G,\C)$ como em cima, e seja $W$ o subespaço de $\mbox{Func}(G,\C)$ formado por funções que são constantes nas classes de conjugação de $G$:
\[
W=\{f\in \mbox{Func}(G,\C)\mid f(x)=f(g^{-1}xg)\mbox{ para todo }g,x\in G\}.
\]
Note que a dimensão de $W$ é igual ao número das classes de conjugação de $G$.  Se $\chi$ é um caracter de $G$, então $\chi\in W$. O teorema anterior pode ser enunciado no seguinte forma:

Corolário. Os caracteres irredutíveis $\chi_i$ de um grupo finito $G$ formam uma base ortonormal de $W$. Em particular, o número de classes de equivalência de representações irredutíveis de um grupo finito é finito e este número é menor ou igual ao número das classes de conjugação de $G$.

A álgebra de grupo

$\newcommand{\F}{\mathbb F}$Seja $G$ um grupo e $\F$ um corpo. A álgebra de grupo $\F G$ é definido como o conjunto de combinações lineares $\sum_{g\in G} \alpha_g g$ finitas. Claramente, $\F G$ é um $G$-módulo sobre $\F$ pela multiplicação à direita.  O seguinte lema é imediato.

Lema. Se $U\leq \F G$, então $U$ é um $G$-submódulo se e somente se $U$ é um ideal à direita de $\F G$. Se $V$ é um $G$-módulo simples, então existe um ideal maximal $I$ á direita de $\F G$ tal que $V\cong \F G/I$ como $G$-módulos.

Demonstração. A primeira afirmação é óbvia. Seja $V$ um $G$-módulo simples e seja $v\in V\setminus\{0\}$. Defina
\[
\varphi: \F G\rightarrow V,\quad v\mapsto vx.
\]
Então $\varphi$ é um homomorphismo de $G$-módulos. Como $\mbox{Im}\,\varphi\leq_G V$ e $V$ é simples, temos que $\varphi$ é sobrejetiva. Então $V\cong \F G/\ker \varphi$. O núcleo $\ker\varphi$ é um ideal maximal á direita pela primeira afirmação e pela simplicidade de $V\cong \F G/\ker\varphi$.

Seja $V=V_1\oplus\cdots\oplus V_k$ um $G$-módulo sobre um corpo $\F$. Sabe se que $\mbox{End}_G(V)$ é uma $\F$-álgebra com as operações usuais. Seja $\alpha\in \mbox{End}_G(V)$. Se $v\in V_i$, então $v\alpha=w_i+\cdots+w_k$ onde $w_j\in V_j$. Assim obtemos, para todo $j$, um mapa $\alpha_{ij}:V_i\rightarrow V_j$ e é fácil ver que $\alpha_{ij}\in\mbox{Hom}_G(V_i,V_j)$. Além disso, se $\alpha_{ij}\in \mbox{Hom}(V_i,V_j)$ para todo $i,j$, então a matrix $(\alpha_{ij})$ defina um elemento de $\mbox{End}_G(V)$.

Teorema. Seja $G$ um grupo finito e seja $\F$ um corpo algebricamente fechado tal que $\mbox{char}\,\F$ não divide $|G|$. As seguintes afirmações são verdadeiras para $R=\F G$:

  1. $R=I_1\oplus\cdots\oplus I_m$ onde $I_i\unlhd R$ e $I_i\cong M_{n_i\times n_i}(\F)$ como anéis.
  2. $|G|=n_1^2+\cdots n_m^2$;
  3. Se $V$ é um $G$-módulo simples, então $V$ é isomorfo a um ideal minimal à direita de $R$ de dimensão $n_i$ com algum $i$.
  4. O número de classes de isomorfismo de $G$-módulos simples de dimensão finita é igual ao número de classes de conjugação de $G$.

Demonstração. 1. Pelo Teorema de Maschke, $R$ é completamente redutível como $G$-módulo: $R=\bigoplus V_i$ onde $V_i$ são ideais minimais à direita de $R$. Como na demonstração do Teorema de Clifford, sejam $S_1,\ldots,S_m$ os tipos de isomorfismo de $G$-submódulos simples (ideias minimais à direita) em $R$. Pelo Teorema de Jordan-Holder, $m<\infty$. Com $i\in \{1,\ldots,m\}$, defina
\[
I_i=\sum W\mbox{ onde }W\leq_G R\mbox{ e } W\cong S_i.
\]
Claramente, $I_i$ é um $G$-submódulo de $R$ (ou seja, ideal à direita) e $R=I_1\oplus\cdots\oplus I_m$. Seja $r\in R$. Então $rS_i$ é um $G$-submódulo de $R$ e o mapa $s\mapsto rs$ é um $G$-homomorfismo sobrejetivo entre $S_i$ e $rS_i$. O núcleo deste homomorfismo é um $G$-submódulo de $S_i$. Como $S_i$ é simples, $S_i\cong r S_i$ ou $rS_i=0$. Isto implica que $r I_i\leq I_i$ e que $I_i$ é um ideal de $R$.

 

O Lema de Schur e o Teorema de Clifford

$\newcommand{\F}{\mathbb F}$Teorema (O lema de Schur). Sejam $U$ e $V$ dois $\F G$-módulos simples e $\varphi:U\rightarrow V$ um $G$-homomorfismo. Então $\varphi=0$ ou $\varphi$ é um isomorfismo.

Demonstração. Trivial. Só observar que $\ker\varphi$ e $\mbox{Im}\,\varphi$ são submódulos. Então temos duas possibilidades, $\ker\varphi=0$ e $\mbox{Im}\,\varphi=U$ (e $\varphi$ é um isomorfismo) ou $\ker\varphi=V$ e $\varphi=0$.

Lembre que para um $\F G$-módulo $V$, $\mbox{End}_G(V)$ é uma $\F$-álgebra. Uma $\F$-álgebra é dita álgebra de divisão se todo elemento não nulo é invertível. A álgebra dos quaternions é um exemplo de álgebras de divisão.

Corolário. Seja $V$ um $G$-módulo simples. Então $\mbox{End}_G(V)$ é uma álgebra de divisão.

Corolário. Seja $\F$ algebricamente fechado, $V$ um $G$-módulo simples de dimensão finita, e $\alpha\in \mbox{End}_G(V)$. Então existe $\lambda\in\F$ tal que $\alpha=\lambda\cdot \mbox{id}$.

Demonstração. Como $\F$ é algebricamente fechado, $\alpha$ possui um autovalor $\lambda$. Seja $U$ o autoespaço
\[
U=\{v\in V\mid v\alpha =\lambda v\}.
\]
Afirmamos que $U$ é um $G$-submódulo. Se $u\in U$ e $g\in G$, então
\[
(ug)\alpha=(u\alpha)g=(\lambda u)g=\lambda(ug);
\]
logo $ug\in U$. Além disso, $U\neq 0$, e a simplicidade de $V$ implica que $U=V$. Portanto $v\alpha=\lambda v$ para todo $v\in V$.

Corolário. Seja $\F$ algebricamente fechado, $V$ um $G$-módulo simples de dimensão finita, e seja $\varrho$ a representação correspondente. Então $Z(G)\varrho\leq\{\lambda\cdot\mbox{id}\mid\lambda\in\F^*\}$.

Demonstração. Seja $z\in Z(G)$ e $g\in G$. Então $(vg)z=v(gz)=v(zg)=(vz)g$ e $z\varrho\in\mbox{End}_G(V)$.

Corolário. Seja $G$ um grupo finito abeliano, $\F$ um corpo algebricamente fechado, e $V$ um $\F G$-módulo simples de dimensão finita. Então $\dim V=1$.

Demonstração. Pelos corolários anteriores, se $g\in G$, então existe $\lambda\in\F^*$ tal que $vg=\lambda v$ para todo $v\in V$. Por irredutibilidade, obtemos que $\dim V=1$.

Seja $V$ um $G$-módulo. Uma cadeia
\[
V=V_0>V_1>\cdots >V_k>V_{k+1}=0
\]
é dita série de composição se $V_i/V_{i+1}$ é simples para todo $i$.

Teorema (Jordan-Holder). Se
\[
V=V_0>V_1>\cdots> V_k>V_{k+1}=0
\]
e
\[
V=U_0>U_1>\cdots> U_\ell>U_{\ell+1}=0
\]
são duas séries de composição de um $G$-módulo, então $k=\ell$ e existe uma permutação $\pi\in S_k$ tal que $V_i/V_{i+1}\cong U_{i\pi}/U_{i\pi+1}$.

Teorema (Clifford). Seja $G$ um grupo finito, $V$ um $\F G$-módulo simples de dimensão finita, $N\unlhd G$ e $U\leq_N V$ um $N$-submódulo simples.

  1. $V=\sum_{g\in G}Ug$ onde $Ug$ é um $N$-módulo simples e $V$ é completamente redutível.
  2. Sejam $S_1,\ldots,S_k$ os tipos de isomorfismo dos $N$-submódulos simples de $V$ e seja para $i\in\{1,\ldots,k\}$,
    \[
    V_i=\sum W\mbox{ onde } W\leq_N V\mbox{ e } W\cong S_i.
    \]
    Então $V=V_1\oplus\cdots \oplus V_k$.
  3. $G$ age transitivamente no conjunto $\{V_1,\ldots,V_k\}$.
  4. Seja $G_i=G_{V_i}$ (o estabilizador). Então $V_i$ é um $G_i$-módulo simples.

Demonstração. 1. $\sum Ug$ é um $G$-submódulo. Por simplicidade, $\sum Ug=V$. Sejam $u\in U$, $g\in G$, e $n\in N$. Logo
\[
ugn=un^{g^{-1}}g\in Ug.
\]
Logo $Ug\leq_N V$. Além disso, se $W\leq_N Ug$, então $Wg^{-1}\leq U$. Como $U$ é $N$-simples, $Ug$ também é para todo $g\in G$.  Seja $\{g_1,\ldots,g_r\}\subseteq G$ maximal tal que $W=\sum_{i} Ug_i=\bigoplus_i Ug_i$. Afirmamos que $V=W$. Seja  $g\in G$. Como $Ug$ e $W$ são $N$-submódulos,   $Ug\cap W$ também é. Pela simplicidade de $Ug$, tem-se que $Ug\cap W=Ug$ ou $Ug\cap W=0$. Nos segundo caso, $Ug\oplus W\leq_N V$, e isso é impossível pela maximalidade de $W$. Logo $Ug\leq W$ para todo $g\in G$ e $W=V$ como foi afirmado. Em particular, $V$ é completamente redutível.

2. Pelo Teorema de Jordan-Holder, existem somente um número finito de tipos de isomorfismo de $N$-submódulos simples em $V$. Além disso, $V=\sum V_i$.  Afirmamos que a soma é direta. Seja $i\in\{1,\ldots,k\}$ e seja $Y=\sum_{j\neq i}V_j$. Então $V_i\cap Y$ é um $N$-submódulo de $V$. Além disso, um fator de composição de $V_i\cap Y$ precisa ser fator de composição de $V_i$ e também de $Y$. Como $V_i$ e $Y$ não têm fatores de composição comuns, $V_i\cap Y=0$. Logo $V=V_1\oplus\cdots\oplus V_k$.

3. Seja $i\in \{1,\ldots,k\}$ e $g\in G$. Se $W\leq V_i$ é simples, então $W\cong S_i$. Neste caso $Wg$ também é simples e $Wg\cong S_j$ com algum $j\in\{1,\ldots,k\}$. Logo $W_ig=W_j$ e $G$ age o conjunto $\{V_1,\ldots,V_k\}$. Se $\{V_1,\ldots,V_s\}$ é uma $G$-órbita com $s\geq 1$, então $V_1\oplus\cdots\oplus V_s\leq_G V$. Pela simplicidade de $V$, $V_1\oplus\cdots\oplus V_s=V$ e $s=k$. Portanto $G$ é transitivo no conjunto $\{V_i\}$.

4. Mostraremos sem perder generalidade que $V_1$ é $G_1$-irredutível. Seja $0<W\leq_{G_1} V_1$. Por parte 3., existem $g_1,\ldots,g_k$ tais que $V_i=V_1g_i$ para todo $i$. Em particular, $V=V_1g_1\oplus\cdots\oplus V_1g_k$.  Se $g\in G$ e $i\in\{1,\ldots,k\}$,  então $g_ig\in G_1g_{i’}$ com algum $i’$ e o mapa $i\mapsto i’$ é uma permutação de $\{1,\ldots,k\}$. Em particular, $g_ig=h_ig_{i’}$ com algum $h_i\in G_1$. Em particular
\begin{align*}
&(Wg_1\oplus\cdots\oplus Wg_k)g=Wg_{1}g\oplus\cdots\oplus Wg_kg\\=&
Wh_1g_{1′}\oplus\cdots\oplus Wh_kg_{k’}=
Wg_{1′}\oplus\cdots\oplus Wg_{k’}.
\end{align*}
Portanto, $Wg_1\oplus\cdots\oplus Wg_k$ é um $G$-submódulo. Pela simplicidade de $V$,  $Wg_1\oplus\cdots\oplus Wg_k=V$ e $W=V_1$.

G-módulos e representações

$\newcommand{\F}{\mathbb F}$$G$-módulos, representações, submódulos, módulos simples (irredutíveis), redutíveis, completamente redutíveis. A álgebra do grupo, seus submódulos. Módulo quociente. O Teorema de Maschke.

Teorema (Maschke). Seja $G$ um grupo finito e $\F$ um corpo. As seguintes são equivalentes:

  1. Todo $G$-módulo de dimensão finita é completamente redutível.
  2. $\mbox{char}\,\F\nmid |G|$.

Demonstração. 1.$\Rightarrow$ 2. Considere $\F G$ como um $G$-módulo. Seja $a=\sum_{g\in G}g\in \F G$ e note que $U=\left<a\right>$ é um $G$-submódulo de $\F G$ de dimensão um. Assuma que existe um $G$-submódulo $W\leq \F G$ tal que $U\oplus W=\F G$.  Comparando dimensões, temos que $\dim W=|G|-1$.

Seja
\[
I=\left\{\sum_{g\in G} \alpha_g g\mid \sum \alpha_g=0\right\}.
\]
Claramente, $I$ é um $G$-submódulo de dimensão $|G|-1$. Nós afirmamos que $W=I$. Como $\dim W=\dim I$, é suficiente provar que $W\leq I$. Seja $x=\sum \beta_g g\in W$. Como $W$ é um $G$-submódulo,
\begin{align*}
W\ni&\sum_{h\in G} xh=\sum_{h\in G}\left(\sum_{g\in G}\beta_g g\right)h=\sum_{g\in G}\sum_{h\in G}\beta_g (gh)=\\&\sum_{g\in G}\beta_g \sum_{h\in G} gh=
\sum_{g\in G}\beta_g \sum_{y\in G}y=\left(\sum_{g\in G}\beta_g\right) a\in U.
\end{align*}
Como $U\cap W=0$, temos que $\sum_{g\in G}\beta_g=0$; ou seja $x\in I$. Portanto $W=I$ como for afirmado.

Ora, se $\mbox{char}\,\F\mid |G|$, então $U\leq I$, então $U\oplus W$ é impossível.

2. $\Rightarrow$ 1.

Grupos livres

Sejam $X,X^{-1}$ dois conjuntos distintos e assuma que existe uma bijeção $x\mapsto x^{-1}$ entre $X$ e $X^{-1}$.  Se $x^{-1}\in X^{-1}$, então escrevemos $(x^{-1})^{-1}=x$. Uma palavra em $X$ é uma expressão na forma
\[
w=x_1x_2\cdots x_k
\]
onde $k\geq 0$ e $x_i\in X\cup X^{-1}$.  Se $k=0$, então $w$ é denotado por $e$ e é dita a palavra vazia. O comprimento da palavra $w$ acima é $k$. Uma palavra $w=x_1x_2\cdots x_k$ é dita reduzida se $w=e$ ou o comprimento de $w$ é maior que $0$ e $w$ não contém nenhuma ocorrência da subpalavra $xx^{-1}$ ou $x^{-1}x$ com $x\in X$. Se $w$ é uma palavra, então cancelando as ocorrências de subpalavras na forma $xx^{-1}$ ou $x^{-1}x$, obtemos uma palavra $\bar w$ reduzida.

Denotaremos por $F_X$ o conjunto de palavras reduzidas. Introduzimos uma operação binária no conjunto $F_X$. Sejam $w_1,w_2\in F_X$. Definimos $w_1\cdot w_2=\overline{w_1w_2}$ onde $w_1w_2$ significa a concatenação de palavras.

Teorema. $(F_X,\cdot)$ é um grupo.

O grupo $F_X$ é chamado de grupo livre gerado por $X$.

Demonstração.
A operação em $F_X$ é bem definida. Além disso, $e$ é elemento neutro, e se $x_1\cdots x_k\in F_X$, então
$$
(x_1\cdots x_k)(x_k^{-1}\cdots x_1^{-1})=(x_k^{-1}\cdots x_1^{-1})(x_1\cdots x_k)=e.
$$
Logo, todo elemento possui inverso. A parte não trivial desta demonstração é mostrar que a operação em $F_X$ é associativa. Mostraremos isso utilizando o truque de van der Waerden.
Seja $x\in X$. Definimos as funções $\psi_x,\psi_{x^{-1}}:F_X\rightarrow F_X$ como
$$
\psi_x(x_1\cdots x_k)=\left\{\begin{array}{ll} x_1\cdots x_{k-1}&\mbox{se $x_k=x^{-1}$};\\
x_1\cdots x_kx&\mbox{no caso contrário;}\end{array}\right.
$$
e
$$
\psi_{x^{-1}}(x_1\cdots x_k)=\left\{\begin{array}{ll} x_1\cdots x_{k-1}&\mbox{se $x_k=x$};\\
x_1\cdots x_kx^{-1}&\mbox{no caso contrário.}\end{array}\right.
$$
Nas definições destas funções, assumimos que o argumento $x_1\cdots x_k$ é uma palavra reduzida. Claramente, as funções $\psi_x$ e $\psi_{x^{-1}}$ são bem definidas. Além disso, note que $\psi_x\circ \psi_{x^{-1}}=\psi_{x^{-1}}\circ \psi_x=\mbox{id}_{F_X}$. Portanto $\psi_x,\psi_{x^{-1}}$ são bijetivas e $\psi_x^{-1}=\psi_{x^{-1}}$. Em outras palavras, $\psi_x,\psi_{x^{-1}}\in S(F_X)$. Seja $\mathcal F_X$ o subgrupo de $S(F_X)$ gerado por $\{\psi_x\mid x\in X\}$. Defina $\psi: F_X\rightarrow \mathcal F_X$,
$$
\psi(x_1\cdots x_k)=\psi_{x_1}\cdots \psi_{x_k}.
$$
Como $\mathcal F_X$ é gerado por $\{\psi_x\mid x\in X\}$, $\psi$ é sobrejetivo. Além disso, se $\psi(x_1\cdots x_k)=\psi(y_1\cdots y_m)$, então
$\psi_{x_1}\cdots \psi_{x_k}=\psi_{y_1}\cdots \psi_{y_m}$. Por outro lado,
$x_1\cdots x_k=e(\psi_{x_1}\cdots \psi_{x_k})=e(\psi_{y_1}\cdots \psi_{y_m})=y_1\cdots y_m$. Portanto $\psi$ é injetiva, e então $\psi$ é bijetiva. Como $\psi$ também satisfaz a igualdade $\psi(w_1w_2)=\psi(w_1)\psi(w_2)$, obtemos que $\psi$ é um isomorfismo entre as estruturas $F_X$ e $\mathcal F_X$ com as suas respetivas multiplicações. Como $\mathcal F_X$ é associativa, obtemos que $F_X$ também é. Portanto $F_X$ é um grupo.

Teorema (Propriedade Universal). Seja $G$ um grupo e $F_X$ um grupo livre gerado por $X$. Seja $\varphi:X\rightarrow G$ um mapa arbitrário. Então existe um homomorfismo $\psi:F_X\rightarrow G$ tal que $\psi|_X=\varphi$. (Todo mapa $X\rightarrow G$ pode ser estendido a um homomorfismo $F_X\rightarrow G$.)

Demonstração. Seja $w=x_1\cdots x_k\in F_X$ e defina $\psi(w)=\varphi(x_1)\cdots\varphi(x_k)$. Então $\psi$ é um homomorfismo e claramente $\psi(x)=\varphi(x)$ para todo $x\in X$.

Corolário. Seja $G$ um grupo gerado por um conjunto $X$. Então existe um homomorfismo $\psi:F_X\rightarrow G$ sobrejetivo tal que $\psi|_X=\mbox{id}_X$. Em particular $G\cong F/\ker\psi$. (Cada grupo é quociente de um grupo livre.)

Seja $X$ um conjunto, $F_X$ o grupo livre gerado por $X$ e $Y\subseteq F_X$. Seja $\left<Y\right>^{F_X}$ o subgrupo normal gerado por $Y$. O grupo quociente $G=F_X/\left<Y\right>^{F_X}$ é denotado por
\begin{equation}\label{eq:pres}
\left<X \mid Y\right>.
\end{equation}
A expressão~\eqref{eq:pres} é dita uma apresentação para o grupo $G$.

Exemplo. O grupo cíclico $C_n$ é apresentado pela apresentação
$$
\left<x\mid x^n\right>.
$$

Exemplo. Seja $G$ o grupo dihedral $D_n$ com $n\geq 3$. Afirmamos que $G$ é apresentado por
$$
\left< a,b\mid a^n,b^2,baba\right>.
$$
Seja $\bar a\in D_n$ a rotação de ordem $n$ e $\bar b\in D_n$ uma reflexão. Seja $X=\{a,b\}$ e considere o grupo livre $F_X$. Pela Propriedade Universal, o mapa $a\mapsto \bar a$, $b\mapsto \bar b$, pode ser estendido a um homomorfismo sobrejetivo $\psi:F_X\rightarrow D_n$. Como $\bar a^n=\bar b^2=\bar b\bar a\bar b\bar a=1$, tem-se que $a^n,b^n,baba\in \ker\psi$. Denotando por $N=\left<a^n,b^2,baba\right>^{F_X}$, obtemos que $N\leq \ker\psi$. Portanto, podemos definir um homomorfismo sobrejetivo $\bar\psi:F_X/N\rightarrow D_n$ e isto implica que $|F_X/N|\geq 2n$.. Para provar que $\bar\psi$ é um isomorfismo, precisamos provar que $|F_X/N|\leq 2n$, mas isso segue da observação que, usando $a^n\in N$, $b^2\in N$ e $baN=a^{-1}bN$,  todo elemento de $F/N$ pode ser escrito como $a^\alpha b^\beta N$ onde $0\leq \alpha\leq n-1$ e $0\leq \beta\leq 1$.

Exemplo. O grupo dos quaternions $Q_8$ pode ser apresentado pelas apresentações
$$
\left<a,b\mid a^4,b^2a^2,bab^{-1}a\right>
$$
e
$$
\left<a,b\mid abab^{-1},a^2b^{-2}\right>
$$

Exemplo. O grupo simétrico é gerado pelas transposições $a_i=(i,i+1)$ com $i\in\{1,\ldots,n-1\}$ e ele pode ser apresentado pela apresentação
$$
\left<a_1,\ldots,a_{n-1}\mid a_i^2,(a_ia_{i+1})^3, [a_i,a_j] \mbox{ se $|i-j|\geq 2$}\right>.
$$
Esta apresentação é referida com a apresentação de Coxeter.

Formas clássicas e os grupos clássicos

$\newcommand{\F}{\mathbb F}$Seja $\F$ um corpo e $V$ um espaço vetorial de dimensão $n$ sobre $\F$. Seja $\sigma\in \mbox{Aut}(\F)$. Um mapa
$$
V\times V\rightarrow\F,\quad (u,v)\mapsto (u,v)
$$
é dito $\sigma$-sesquilinear se
\begin{align*}
(\alpha u+\beta v,w)=&\alpha(u,w)+\beta(v,w);\\
(u,\alpha v+\beta w)=&(\alpha\sigma) (u,v)+(\beta\sigma)(v,w).
\end{align*}
Uma forma $\sigma$-sesquilinear $(\cdot,\cdot)$ é dita $\sigma$-hermitiana, se $(u,v)=(v,u)\sigma$. Uma forma $\mbox{id}$-sesquilinear é dita bilinear.

Lema. Seja $(\cdot,\cdot)$ uma forma $\sigma$-hermitiana não nula. Então $\sigma^2=\mbox{id}$.

Demonstração. Sejam $u,v\in \F$ tais que $(u,v)=c\neq 0$. Então
$$
c{\sigma^2}=(u,v)\sigma^2=(v,u)\sigma=(u,v)=c.
$$

O lema anterior implica que se $(\cdot,\cdot)$ é uma forma $\sigma$-hermitiana, então $\sigma$ é um automorfismo do corpo $\F$ com $\sigma=\mbox{id}$ ou $|\sigma|=2$. No segundo caso, dizemos que $\sigma$ é um automorfismo involutivo.

Uma forma $\mbox{id}$-hermitiana é dita forma simétrica. Uma forma bilinear é dita simplética se $(u,u)=0$ para todo $u\in V$. Note que se $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simplética, então $(u,v)=-(v,u)$ vale para todo $u,v\in V$. Além disso, se $\mbox{char}\,\F\neq 2$, então a identidade $(u,v)=-(v,u)$ implica que a forma é simplética.

Uma forma $(\cdot,\cdot)$ é dita não degenerada se
\begin{align*}
&\{v\in V\mid (v,u)=0\mbox{ para todo }u\in V\}=\\&\{v\in V\mid (u,v)=0\mbox{ para todo }u\in V\}=\{0\}.
\end{align*}

Seja $V$ um espaço vetorial sobre um corpo de caraterística diferente de 2. Seja $(\cdot,\cdot)$ é uma forma que satisfaz uma das seguintes condições:

  1. forma nula: $(u,v)=0$ para todo $u,v\in V$;
  2. forma bilinear simplética não degenerada;
  3. forma $\sigma$-hermitiana não degenerada com $\sigma\in\mbox{Aut}(\F)$ involutíva.
  4. forma bilinear simétrica não  degenerada.

Uma forma que satisfaz uma das quatro condições em cima é dita forma clássica.

Seja $(\cdot,\cdot)$ uma das formas clássicas e denote por $Z=\{\lambda I\mid \lambda\in\F^*\}\leq GL(n,\F)$.
Denotamos por
\begin{align*}
GX(n,\F)=&\{X\in GL(n,\F)\mid (uX,vX)=(u,v)\mbox{ para todo } u,v\in V\};\\
SX(n,F)=&\{X\in SL(n,\F)\mid (uX,vX)=(u,v)\mbox{ para todo } u,v\in V\};\\
PGX(n,\F)=&GX(n,\F)/(Z\cap GX(n,\F));\\
PSX(n,\F)=&SX(n,\F)/(Z\cap SX(n,\F)).
\end{align*}

Sobre um corpo finito existem um número pequeno de possibilidades das formas clássicas. Se $(\cdot,\cdot)$ é uma forma clássica, então um par $(e,f)\in V\times V$ é dito par hiperbólico se $(e,e)=(f,f)=0$ e $(e,f)=1$. Neste caso o espaço $\left<e,f\right>$ é dito plano hiperbólico.

Se $u,v\in V$ tais que $(u,v)=0$, então escrevemos que $u\perp v$. Se $U,W\leq V$ tal que $u\perp w$ para todo $u\in U$ e $w\in W$, então escrevemos que $U\perp W$. Se, além disso, $U\cap W=0$, então escrevemos $U\oplus W=U ⦹W$.

Teorema. Seja $\F$ um corpo finito de ordem $q$ ímpar e seja $(\cdot,\cdot)$ uma forma clássica em $V=\F^n$.  Então uma das seguintes possibilidades é válida:

  1. $(\cdot,\cdot)$ é a forma nula;
  2. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simplética, $n$ é par e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{n/2}$ tais que
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{n/2}.
    $$
  3. $q=q_0^2$, $\sigma:x\mapsto x^{q_0}$, $(\cdot,\cdot)$ é uma forma $\sigma$-hermitiana, $n$ é par e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{n/2}$ tais que
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{n/2}.
    $$
  4. $q=q_0^2$, $\sigma:x\mapsto x^{q_0}$, $(\cdot,\cdot)$ é uma forma $\sigma$-hermitiana, $n$ é ímpar e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{(n-1)/2}$ e $w\in V$ tais que $(w,w)=1$ e
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{n/2}⦹ \left<w\right>.
    $$
  5. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simétrica, $n$ é par e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{n/2}$ tais que
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{n/2}.
    $$
  6. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simétrica, $n$ é par e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{(n-2)/2}$ e $w_1,w_2\in V$ tais que $(w_1,w_1)=2$, $(w_2,w_2)=2\zeta$, $(w_1,w_2)=2$, onde $x^2+x+\zeta\in\F[x]$ é irredutível e
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{(n-2)/2}⦹\left<w_1,w_2\right>.
    $$
  7. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simétrica, $n$ é ímpar e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{(n-1)/2}$ e $w\in V$ tais que $(w,w)=1$  e
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{(n-1)/2}⦹\left<w\right>.
    $$
  8. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simétrica, $n$ é ímpar e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{(n-1)/2}$ e $w\in V$ tais que $(w,w)=\zeta$ com $\zeta\in\F^*\setminus\F^2$ e
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{(n-1)/2}⦹\left<w\right>.
    $$

Enquanto nos casos 7. e 8. do teorema anterior, obtemos espaços não isométricos, os grupos correspondentes são isomorfos. Os grupos $GX$, $SX$, $PGX$, $PSX$ são denotados de acordo com a seguinte tabela:

forma $GX(n,q)$ $SX(n,q)$ $PGX(n,q)$ $PSX(n,q)$
nula $GL(n,q)$ $SL(n,q)$ $PGL(n,q)$ $PSL(n,q)$
simplética $Sp(n,q)$ $Sp(n,q)$ $PSp(n,q)$ $PSp(n,q)$
hermitiana $GU(n,q)$ $SU(n,q)$ $PGU(n,q)$ $PSU(n,q)$
simétrica (caso 5.) $GO^+(n,q)$ $SO^+(n,q)$ $PGO^+(n,q)$ $PSO^+(n,q)$
simétrica (caso 6.) $GO^-(n,q)$ $SO^-(n,q)$ $PGO^-(n,q)$ $PSO^-(n,q)$
simétrica (caso 7.-8.) $GO(n,q)$ $SO(n,q)$ $PGO(n,q)$ $PSO(n,q)$

Simplificando a definição verdadeira, no caso de formas simétricas, denotamos ainda por $\Omega^+(n,q)$, $\Omega^-(n,q)$, e por $\Omega(n,q)$, o subgrupo derivado de $SO^+(n,q)$, $SO^-(n,q)$, e $SO(n,q)$, respetivamente. Escrevemos $P\Omega(n,\F)=\Omega(n,\F)/(Z\cap \Omega(n,\F))$ e $P\Omega^\pm(n,\F)=\Omega^\pm(n,\F)/(Z\cap \Omega^\pm(n,\F))$.

Teorema. As seguintes afirmações são verdadeiras.

  1. Se $n\geq 2$ e $(n,q)\neq (2,2),\ (2,3)$, então $PSL(n,q)$ is simples;
  2. Se $n\geq 2$ e $(n,q)\neq (2,2),\ (2,3),\ (4,2)$, então $PSp(n,q)$ é simples;
  3. Se $n\geq 2$ e $(n,q)\neq (2,4),(2,9),(3,4)$, então $PSU(n,q)$ é simples;
  4. Se $n\geq 6$ par e $q$ é ímpar, então $P\Omega^+(n,q)$ é simples.
  5. Se $n\geq 4$ par e $q$ é ímpar, então $P\Omega^-(n,q)$ é simples.
  6. Se $n\geq 3$  ímpar e $q$ é ímpar e $(n,q)\neq (3,3)$,  então $P\Omega(n,q)$ é simples.

Partes 1.-3. podem ser demonstradas usando o Lema de Iwasawa. Para demonstrar partes 4.-6., pode-se usar a teoria das álgebras de Clifford.

Os grupos clássicos podem ser simples sobre um corpo $\F$ infinito ou sobre caraterística 2, mas a situação é mais complicada.

 

O Lema de Iwasawa e a simplicidade de PSL(n,F)

$\newcommand{\F}{\mathbb F}$Lema (Iwasawa). Assuma que um grupo $G$ age primitivamente no conjunto $\Omega$ e um estabilizador $G_\alpha$ possui um subgrupo normal abeliano $A$ tal que $\left<A^g\mid g\in G\right>=G$. Suponha ainda que $G$ é perfeito (ou seja, $G’=G$). Denotando por $K$ o núcleo da ação de $G$ em $\Omega$, tem-se que $G/K$ é simples.

Demonstração.  Trocando $G$ por $G/K$, podemos assumir sem perder generalidade que $K=1$; ou seja $G$ é um subgrupo de $S(\Omega)$. Seja $N\neq 1$ um subgrupo normal de $G$. Como $G_\alpha$ é maximal, $G_\alpha N=G$ e todo elemento $x\in G$ pode ser escrito como $x=gn$ onde $g\in G_\alpha$ e $n\in N$. Em particular, $A^x=A^{(gn)}=A^n$. Logo $AN=G$ e $G/N=A/(A\cap N)$ é abeliano. Como $G’=G$, obtemos que $(G/N)’=G/N$, que implica que $N=G$.  Ou seja $G$ é simples.

Teorema. Seja $n\geq 2$ e $\F$ um corpo (finito ou infinito) tal que $(n,|\F|)\neq (2,2), (2,3)$. Então o grupo $PSL(n,\F)$ é simples.

Demonstração. Nós vamos mostrar que as condições do Lema de Iwasawa estão válidas.

Ação: Considere o grupo $G=SL(n,\F)$ com sua ação em $\Omega=\{\left<v\right>\mid v\in\F^n\setminus\{0\}\}$. Mostramos anteriormente na aula que $SL(n,\F)$ é 2-transitivo em $\Omega$ e portanto primitivo. O núcleo da ação é
$$
K=\{\lambda I\mid \lambda^n=1\}
$$
onde $I$ é a matriz identidade.  Então $SL(n,\F)/K\cong PSL(n,\F)$.

O estabilizador. Seja $\alpha=\left<(1,0,\ldots,0)\right>$. O estabilizador de $\alpha$ é composto por matrizes na forma
$$
\begin{pmatrix} a & 0\\ v & A\end{pmatrix}
$$
onde $a\in\F^*$, $v\in \F^{n-1}$, $0$ é o vetor nulo em $\F^{n-1}$ e $A$ é uma matriz $(n-1)\times (n-1)$ tal que $\det A=a^{-1}$.

Afirmação. As seguintes afirmações são verdadeiras:
\begin{align*}
\begin{pmatrix} 1 & 0\\ v & I\end{pmatrix}\begin{pmatrix} a & 0\\ 0 & A\end{pmatrix}=&\begin{pmatrix} a & 0\\ a v & A\end{pmatrix}\\
\begin{pmatrix} 1 & 0\\ v_1 & I\end{pmatrix}\begin{pmatrix} 1 & 0\\ v_2 & I\end{pmatrix}=&
\begin{pmatrix} 1 & 0\\ v_1+v_2 & I\end{pmatrix}\\
\begin{pmatrix} a_1 & 0\\ 0 & A_1\end{pmatrix}\begin{pmatrix} a_2 & 0\\ 0 & A_2\end{pmatrix}=&\begin{pmatrix} a_1a_2 & 0\\ 0 & A_1A_2\end{pmatrix}\\\begin{pmatrix} a & 0\\ 0 & A\end{pmatrix}\begin{pmatrix} 1 & 0\\ v & I\end{pmatrix}=&
\begin{pmatrix} 1 & 0\\ a^{-1}A v^t & I\end{pmatrix}\begin{pmatrix} a & 0\\ 0 & A\end{pmatrix}.
\end{align*}

Conseqência: Seja \begin{align*}
A=&\left\{\begin{pmatrix} 1 & 0\\ v & I\end{pmatrix}\mid v\in \F^{n-1}\right\}\\
H=&\left\{\begin{pmatrix} a & 0\\ 0 & A\end{pmatrix}\mid \det A=a^{-1}\right\}.
\end{align*}
Então $H\leq G_\alpha$, $A\unlhd G_\alpha$ e $A$ é um grupo abeliano.

$G$ é gerado pelos conjugados de $A$. Seja $X$ uma matriz $n\times n$ tal que $\det X=1$. É bem conhecido que, usando as seguintes operações, $X$ pode ser transformado a matriz identidade:

  1. somar um múltiplo da $i$-ésima linha a $j$-ésima linha ($i\neq j$);
  2.  somar um múltiplo da $i$-ésima coluna a $j$-ésima coluna ($i\neq j$).

Denote por $e_{i,j}$ a matriz que tem toda entrada zero exceto a entrada na posição $(i,j)$ que é 1. A operação 1. corresponde à multiplicação por $I+\lambda e_{ji}$ no lado esquerdo, enquanto a operação 2. corresponde à multiplicação no lado direito com $I+\lambda e_{ij}$ (onde $\lambda\in\F$). Logo $G=\left<I+\lambda e_{ij}\mid i\neq j,\ \lambda\in\F\right>$.

Denote por $e_1,\ldots,e_n$ a base canônica de $\F^n$. Seja $T=I+\lambda e_{ij}$. Note que $e_kT=e_k$ se $k\neq i$, enquanto $e_iT=e_i+\lambda e_j$. Seja $X\in SL(n,\F)$ tal que as imagens de $e_k$ com $k\not\in\{i,j\}$ são $e_3,\ldots,e_n$, respetivamente, enquanto $e_i X=e_2$ e $e_jX=\pm e_1$. Neste caso,
\begin{align*}
e_2X^{-1}TX=&e_iTX=(e_i+\lambda e_j)X=e_2\pm \lambda e_1\mbox{ e};\\
e_m X^{-1}TX=&e_{m’}TX=e_{m’}X=e_m\mbox{ se $m\neq 2$}
\end{align*}
onde $m’$ é tal que $e_{m’}X=e_m$. Obtemos então que $T^X\in A$; ou seja, $T\in A^{X^{-1}}$. Como o conjunto de transformações na forma $I+\lambda e_{ij}$ com $i\neq j$ geram $G$, obtemos que $G=\left<A^g\mid g\in G\right>$.

$G’=G$. Pelo argumento no parágrafo anterior, é suficiente provar que o elemento $I+\lambda e_{1n}$ pode ser escrito como um comutador.  Se $n\geq 3$, então
$$
I+\lambda e_{1n}=[I+\lambda e_{12},I+e_{2n}].
$$
Se $n=2$, e $|\F|\geq 4$, então sejam $x\in \F$ e $a\in\F^*$ tais que $a\neq \pm 1$ e $\lambda = x(a^{-2}-1)$. Então
$$
I+\lambda e_{12}=\left[\begin{pmatrix} 1 & x \\ 0 & 1 \end{pmatrix},\begin{pmatrix} a & 0 \\ 0 & a^{-1} \end{pmatrix}\right].
$$