A fórmula de Taylor

$\newcommand{\N}{\mathbb N}$ $\newcommand{\Z}{\mathbb Z}$ $\newcommand{\Q}{\mathbb Q}$ $\newcommand{\R}{\mathbb R}$

O polinômio de Taylor

Seja $I$ um invtervalo, assuma que $f:I\rightarrow \R$ é uma função derivável em $I$ e seja $a\in I$. Denote por $f'(x)$ a derivada no ponto $x\in I$. Se a função $f’:I\rightarrow \R$ é derivável em $a$, então dizemos que $f$ é duas vezes derivável em $a\in I$. A valor $(f’)'(a)$ será denotado por $f”(a)$ ou por $f^{(2)}(a)$. Similarmente, se existe $f”(x)$ para todo $x\in I$ e $f”(x)$ é derivável em $a$, então definimos $f”'(a)=f^{(3)}(a)=(f”)'(a)$. Assim por adiante, definimos $f^{(n)}=(f^{n-1})'(a)$ se existir. Neste caso dizemos que $f(x)$ é $n$ vezes derivável no ponto $a$. Note que para $f^{(n)}(a)$ existir, não é suficiente que $f^{(n-1)}(a)$ exista; precisamos que exista $f^{(n-1)}(x)$ para todo $x$ em uma vizinhança de $a$. Se $f(x)$ é uma função contínua, então frequentamente escrevermos $f^{(0)}(x)=f(x)$.

Para um intervalo $I$, definimos
$$
C^n(I)=\{f:I\rightarrow\R\mid \mbox{existe $f^{(n)}(x)$ para todo $x\in I$ e $f^{(n)}(x)$ é contínua em $I$}\}$$
e
$$
C^\infty(I)=\bigcap_{n\geq 0} C^{(n)}(I).
$$
Quando não tiver perigo de confusão, escrevemos $C^n$ e $C^\infty$ em vez de $C^n(I)$ e $C^\infty(I)$, respetivamente. Se $f\in C^n$, então dizemos que f é de classe $C^n$. O símbolo $C^0(I)=C^0$ denote a classe de funções contínuas $f:I\rightarrow\R$.

Seja $f:I\rightarrow \R$ tal que $f(x)$ é $n$ vezes derivável em $a\in I$. O polinômio de Taylor de ordem $n$ da função $f$ no ponto $a$ é o polinômio: $$ p(h)=f(a)+\frac{f'(a)}{1!}h+\frac{f”(a)}{2!}h^2+\cdots+\frac{f^n(a)}{n!}h^n=\sum_{ì=0}^n\frac{f^{(i)}}{i!}h^i. $$

Lemma. $p(h)$ é o único polinômio de grau menor ou igual a $n$ tal que $p^{(i)}(0)=f^{(i)}(a)$ para todo $i=0,\ldots,n$.

Demonstração. Calculemos primeiro a $i$-ésimo derivádo de um monômio: $$ (h^k)^{(i)}=\left\{ \begin{array}{ll} k(k-1)\cdots (k-i+1)h^{(k-i)} & \mbox {se $i\leq k$;}\\ 0 & \mbox{se $i> k$}. \end{array}\right. $$ Assim, $$ p^{(i)}(0)=i(i-1)\cdots 1 \frac{f^{(i)}(a)}{i!}h^{i-i}=f^{(i)}(a) \quad\mbox{para todo}\quad i=0,\ldots,n. $$ Provaremos agora a unicidade de $p(h)$. Seja $q(h)$ um polinômio tal que $q^{(i)}(0)=f^{(i)}(a)$ para todo $i=0,\ldots,n$. Assuma que $$ q(h)=\beta_0+\beta_1 h+\beta_2 h^2+\cdots+\beta_n h^n. $$ Pela formula acima, $$ f^{(i)}(a)=q^{(i)}(0)=i(i-1)\cdots 1\beta_i, $$ que implica que $\beta_i=f^{(i)}(a)/i!$ para todo $i=0,\ldots,n$. Portanto os coeficientes de $q(h)$ são iguais aos coeficientes de $p(h)$ e $q(h)=p(h)$.

A fórmula de Taylor

Precisaremos do seguinte lema.

Lemma. Seja $J$ um intervalo tal que $0\in J$ e $r:J\rightarrow \R$ uma função $n$ vezes derivável no ponto $a=0$. Então as seguintes afirmações são equivalentes.

  1. $r(0)=r'(0)=\cdots=r^{(n)}(0)=0$;
  2. $\lim_{h\rightarrow 0}r(h)/h^n=0$.

Demonstração. Provaremos primeiro por indução em $n$ que afirmação (1) implica (2). Seja $n=1$; usando que $r$ é contínua, obtemos que $$ 0=r'(0)=\lim_{h\rightarrow 0}\frac{r(h)-r(0)}{h-0}= \lim_{h\rightarrow 0}r(h)/h. $$ Assuma agora que a afirmação está provada para $n-1$. Para provar a afirmação para $n$, assuma que $r:J\rightarrow\R$ é uma função tal que (1) está válida. Aplicando a hipótese de indução para $r’:J\rightarrow\R$, obtemos que $\lim_{h\rightarrow 0}r'(h)/h^{n-1}=0$. Seja $h\in J\setminus\{0\}$. Pelo Teoréma do Valor Médio, existe $c_h\in[0,h]$ (ou $c_h\in [h,0]$ se $h$ for negativo), tal que $r'(c_h)=(r(h)-r(0))/(h-0)=r(h)/h$. Logo $$ \frac{r(h)}{h^n}=\frac{r(h)}h\frac{1}{h^{n-1}}= \frac{r'(c_h)}{h^{n-1}}, $$ e portanto $$ \lim_{h\rightarrow 0}\frac{r(h)}{h^n}= \lim_{h\rightarrow 0}\frac{r'(c_h)}{h^{n-1}}= \lim_{h\rightarrow 0}\frac{r'(c_h)}{c_h^{n-1}}\frac{c_h^{n-1}}{h^{n-1}}= 0 $$ pois $|c_h^{n-1}/h^{n-1}|\leq 1$.

Provaremos agora por indução em $n$ que afirmação (2) implica afirmação (1). Seja $n=1$. Neste caso sabe-se que $\lim_{h\rightarrow 0}r(h)=\lim_{h\rightarrow 0}hr(h)/h=0$. Por continuidade, $r(0)=0$. Similarmente, $r'(0)=\lim_{h\rightarrow 0}r(h)/h=0$.

Assuma agora que a afirmação (2) implica a afirmação (1) para $n-1$. Seja $r:J\rightarrow\R$ uma função $n$ vezes derivável tal que $\lim_{h\rightarrow 0}r(h)/h^n=0$. Defina $\varphi:J\rightarrow\R$, pela regra $$ \varphi(x)=r(x)-\frac{r^{(n)}(0)}{n!}x^n. $$ A função $\varphi$ é $n$ vezes derivável em $0$. Além disso, verifica-se que $\varphi^{(i)}(0)=r^{(i)}(0)$ para todo $i=1,\ldots,n-1$. Além disso
\begin{eqnarray*}
\lim_{h\rightarrow 0}\frac{\varphi(h)}{h^{n-1}}&=& \lim_{h\rightarrow 0}\frac{r(h)}{h^{n-1}}- \lim_{h\rightarrow 0}\frac{r^{(n)}(0)h^{n}}{n!h^{n-1}}\\&=& \lim_{h\rightarrow 0}\frac{r(h)}{h^{n-1}}-\lim_{h\rightarrow 0}\frac{r^{(n)}(0)h}{n!}\\&=&\lim_{h\rightarrow 0}h\frac{r(h)}{h^{n}}=0.
\end{eqnarray*}
Obtemos pela hipótese de indução que $\varphi(0)=\varphi'(0)=\cdots=\varphi^{(n-1)}(0)=0$. Pela observação acima, isso implica que $r(0)=r'(0)=\cdots=r^{(n-1)}(0)=0$. Então só temos de mostrar que $r^{(n)}(0)=0$. Ora, uma conta direta mostra que $$ \varphi^{(n)}(0)=r^{(n)}(0)-r^{(n)}(0)=0. $$ Portanto, a função $\varphi(x)$ satisfaz a condição (1) do lema, e já provamos que condição (1) implica (2). Logo $\lim_{h\rightarrow 0}\varphi(h)/h^{n}=0$. Portanto
\begin{eqnarray*}
0&=&\lim_{h\rightarrow 0}\varphi(h)/h^n=\lim_{h\rightarrow 0} \frac{r(h)-r^{(n)}(0)h^n/n!}{h^n}\\&=& \lim_{h\rightarrow 0}\frac{r(h)}{h^n}-\lim_{h\rightarrow 0}\frac{r^{(n)}(0)}{n!}=-\frac{r^{(n)}(0)}{n!}.
\end{eqnarray*}
Isso implica que $r^{(n)}(0)=0$ que queríamos mostrar.

Teorema (Fórmula de Taylor Infinitesimal) Assuma que $f:I\rightarrow\R$ uma função definida em um intervalo $I$ e que $f(x)$ é $n$ vezes derivável em $a\in I$. Se $h\in\R$ tal que $a+h\in I$, então
\begin{eqnarray*}
f(a+h)&=&f(a)+f'(a)h+\frac{f”(a)}{2}h^2+\cdots+\frac{f^{(n)}(a)}{n!}h^n+ r(h)\\&=&\sum_{ì=0}^n \frac{f^{(i)}(a)}{i!}h^i+r(h)
\end{eqnarray*}
onde $r(h)$ é uma função definida em um intervalo $J$ tal que $0\in J$ e $\lim_{h\rightarrow 0}r(h)/h^n=0$.

Além disso, $p(h)=\sum_{ì=0}^n \frac{f^{(i)}(a)}{i!}h^i$ é o único polinômio de grau menor ou igual a $n$ tal que $\lim_{h\rightarrow 0}(f(a+h)-p(h))/h^n=0$.

Demonstração. Calculemos a $i$-ésima derivada de $r(h)$ para $i=0,\ldots,n$: $$ r^{(i)}(0)=f^{(i)}(a+0)-f^{(i)}(a)=0. $$ Logo $\lim_{h\rightarrow 0}r(h)/h^n=0$, como foi afirmado.

A unicidade de $p(h)$: O polinômio $p(h)$ satisfaz $p^{(i)}(0)=f^{(i)}(a)$ para todo $i=0,\ldots,n$. Pelo primeiro lema da página, $p(h)$ é único.

Observação: Por substituição de variável $b=a+h$ (e $h=b-a$), a Fórmula de Taylor é frequentamente escrita como $$ f(b)=f(a)+f'(a)(b-a)+\frac{f”(a)}{2}(b-a)^2+\cdots+\frac{f^{(n)}(a)}{n!}(b-a)^n+ r(b-a)= $$ $$ \sum_{ì=0}^n \frac{f^{(i)}(a)}{i!}(b-a)^i+r(b-a). $$

Exemplo. A fórmula de Taylor quer dizer que funções deriváveis podem ser aproximadas por funções polinomiais. A condição que $\lim_{h\rightarrow 0}r(h)/h^n=0$ significa que “$r(h)$ converge rapidamente a 0 enquanto $h$ converge a $0$”. Considere a função $f(x)=\sqrt x$ no intervalo $I=]0,\infty[$ e seja $a=1$. Aproximaremos a função $f(x)$ em uma vizinhança de $a$ por um polinômio de grau $2$. Calculemos que $$ f(1)=1,\quad f'(1)=\frac 12,\quad f”(x)=-\frac 14. $$ Logo a fórmula de Taylor diz, para $0<b$, que $$ f(b)=1+\frac 12(b-1)-\frac 18(b-1)^2+r(b-1) $$ onde a função $r(h)$ é “pequena” para valores $b$ na proximidade de $1$. Portanto na proximidade do ponto $a=1$, a função $f(x)=\sqrt x$ está próxima à função polinomial $p(b)=1+1/2(b-1)-1/8(b-1)^2$. De fato, é fácil verificar por WolframAlpha que as curvas das duas funções são muito próximas na proximidade do ponto $a=1$. Para experimentar, cole a instrução Plot[{x^(1/2), 1+1/2(x-1)-1/8*(x-1)^2}, {x, 1/2, 3/2}] no espaço em baixo. Vai ver que as curvas das duas funções estão de fato muito próximas.

Teorema (Fórmula de Taylor com resto de Lagrange). Seja $f\in C^{n}([a,b])$ tal que existe $f^{(n+1)}(x)$ em $(a,b)$. Então existe $c\in(a,b)$ tal que
$$
f(b)=\sum_{i=0}^{n} \frac{f^{(i)}(a)}{i!}(b-a)^i+\frac{f^{(n+1)}(c)}{(n+1)!}(b-a)^{n+1}.
$$

Demonstração. Defina $\varphi:[a,b]\rightarrow\R$ com
$$
\varphi(x)=f(b)-\sum_{i=0}^{n} \frac{f^{(i)}(a)}{i!}(b-a)^i-\frac{K(b-x)^{n+1}}{(n+1)!}
$$
onde $K\in\R$ é escolhido tal que $\varphi(a)=0$. Então $\varphi$ é contínua em $[a,b]$ e é diferenciável em $(a,b)$ com $\varphi(a)=\varphi(b)=0$. Além disso
$$
\varphi'(x)=\frac{K-f^{(n+1)}(x)}{n!}(b-x)^{n}.
$$
Pelo Teorema de Rolle, existe $c\in(a,b)$ tal que $\varphi'(c)=0$. Isto significa que $K=f^{(n+1)}(c)$. Agora faça a substituição $x=a$.

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