Subgrupos normais, quocientes e homomorfismos

$\newcommand{\Z}{\mathbb Z}\newcommand{\F}{\mathbb F}$Um subgrupo $H$ de $G$ é dito normal se $gH=Hg$ para todo $g\in G$. Esta condição pode ser expressa por dizer que $g^{-1}Hg=H$ para todo $g\in G$. Escrevemos que $H\unlhd G$, ou $H\lhd G$ quando $H< G$.

As afirmações dos seguintes exemplos podem ser justificadas ou por exercícios anteriores ou por contas triviais.

Exemplo. 

  1. $\{1\}$ e $G$ são normais em $G$.
  2. Em um grupo abeliano, todo subgrupo é normal.
  3. O subgrupo $SL(n,\F)$ é normal em $GL(n,\F)$.
  4. Se $|G:H|=2$, então $H$ é normal em $G$.
  5. O subgrupo formado pelas rotações em $D_n$ é normal em $D_n$.
  6. $\left<(1,2)(3,4),(1,3)(2,4)\right>=\{1,(1,2)(3,4),(1,3)(2,4),(1,4)(2,3)\}$ é normal em $S_4$.
  7. $\left<(1,2)\right>=\{1,(1,2)\}$ não é normal em $S_3$.

Seja $N$ um subgrupo normal em um grupo $G$. Definimos uma operação no conjunto das classes laterais $Ng$ (onde $g\in G$) no modo seguinte:
\[
(Ng_1)(Ng_2)=Ng_1g_2.
\]
Como $N$ é normal, esta operação é bem definida. Além disso, ela é associativa, $N1=N$ é elemento neutro, e todo elemento $Ng$ tem inverso (nomeadamente, $Ng^{-1}$). Assim o conjunto das classes laterais com esta operação é um grupo denotado por $G/N$. O grupo $G/N$ é dito grupo quociente (de $G$ por $N$). Temos que $|G/N|=|G:N|$. Em particular, se $G$ é finito, então $|G/N|=|G|/|N|$.

Exemplo.  Considere o grupo aditivo $\Z$, seja $n\geq 2$ e seja $n\Z=\left<n\right>=\{nk\mid k\in \Z\}$. Se $a\in\Z$, então a classe lateral $n\Z+a$ é a classe residual $\{nk+a\mid k\in\Z\}$ e a operação entre classes laterais é definida como
\[
(n\Z+a)+(n\Z+b)=n\Z+(a+b)
\]
e esta operação corresponde à operação $+$ entre classes residuais modulo $n$. Temos então que o grupo $\Z_n$ pode ser visto como o grupo quociente $\Z/n\Z$.

Sejam $G$ e $H$ grupos. Um mapa $\varphi:G\to H$ é dito homomorfismo se
\[
\varphi(ab)=\varphi(a)\varphi(b)\quad\mbox{para todo}\quad a,b\in G.
\].

Exercício. Verifique as seguintes propriedades de um homomorfismo $\varphi:G\to H$.

  1. Se $g\in G$ e $n\in\Z$, então $\varphi(g^n)=\varphi(g)^n$. Em particular, $\varphi(g^{-1})=\varphi(g)^{-1}$.
  2. $\varphi(1_G)=\varphi(1_H)$.

Exemplo. 

  1. Se $G$ e $H$ são grupos, então o mapa $\varphi:G\to H$ definido por $\varphi(g)=1_H$ é um homomorfismo.
  2. Se $G\leq H$, então o mapa $\varphi:G\to H$ definido por $\varphi(g)=g$ é um homorfismo. Este mapa é chamado de inclusão ou mergulho de $G$ em $H$.
  3. Se $N$ é um subgrupo normal de $G$ então o mapa $\varphi:G\to G/N$ definido por $\varphi(g)=Ng$ é um homomorfismo. Este mapa é chamado de homomorfismo natural ou projeção natural de $G$ em $G/N$.
  4. Pelo raciocínio anterior, o mapa $\varphi :\Z\to \Z_n$ definido por $\varphi(k)=k+n\Z$ é um homomorfismo.

Em relação com homomorfismos usamos as seguintes expressões.

  • Morfismo é a mesma coisa que homomorfismo. A palavra morfismo está mais usada ma teoria de categorias.
  • Monomorfismo: homomorfismo injetivo.
  • Epimorfismo: homomorfismo sobrejetivo.
  • Isomorfismo: homomorfismo injetivo e sobrejetivo.
  • Endomorfismo: um homomorfismo $G\to G$.
  • Automorfismo: um isomorfismo $G\to G$.

Dois grupos $G$ e $H$ são ditos isomorfos que existe um isomorfismo (ou seja, um homomorfismo injetivo e sobrejetivo) $G\to H$. O conjunto de automorfismos $G\to G$ é um grupo chamado do grupo de automorfismos de $G$. Este grupo é denotado por $\mbox{Aut}(G)$.

Dado um homorfismo $\varphi:G\to H$, definimos
\begin{eqnarray*}
\mbox{Im}\,\varphi&=&\{\varphi(g)\mid g\in G\}\\
\ker\varphi&=&\{g\in G\mid \varphi(g)=1_H\}.
\end{eqnarray*}

O seguinte resultado resuma as propriedades mais importantes de homomorfismos.

Teorema. Seja $\varphi:G\to H$ um homomorfismo. As seguintes afirmações são verdadeiras.

  1. $\mbox{Im}\,\varphi\leq H$;
  2. $\ker\varphi\unlhd G$;
  3. $\varphi$ é injetivo se e somente se $\ker\varphi=\{1_G\}$;
  4. $G/\ker\varphi\cong \mbox{Im}\,\varphi$.

Demonstração. 1. Exercício.

2. Assuma que $g\in G$ e $h\in\ker\varphi$. Então
\[
\varphi(g^{-1}hg)=\varphi(g^{-1})\varphi(h)\varphi(g)=\varphi(g)^{-1}\varphi(g)=1_H
\]
que diz que $g^{-1}hg\in\ker \varphi$. O mesmo argumento implica que $ghg^{-1}\in\ker\varphi$. Um exercício em cima mostra que $\ker\varphi\unlhd G$.

3. Se $\varphi$ é injetivo, então $1_G$ deve ser o único elemento cuja imagem é $1_H$, então $\ker\varphi=\{1_G\}$.

Assuma agora que $\varphi$ é injetivo e sejam $a,b\in G$ tais que $\varphi(a)=\varphi(b)$. Isto implica que
\[
1_H=\varphi(a)\varphi(b)^{-1}=\varphi(ab^{-1}),
\]
ou seja, $ab^{-1}\in \ker\varphi=\{1_G\}$. Daqui obtemos que $ab^{-1}=1_H$; ou seja $a=b$. Assim, temos que $\varphi$ é injetivo.

4. Seja $N=\ker\varphi$ e defina
\[
\bar \varphi:G/N\to \mbox{Im}\,\varphi,\quad Ng\mapsto \varphi(g).
\]
É fácil ver que $\bar\varphi$ é um homomorfismo bem definido e ele é sobrejetivo. Assuma que $g\in G$ tal que $\bar\varphi(Ng)=1_H$. Isto implica que $\varphi(g)=1_H$; ou seja, $g\in N$ e $Ng=N=1_{G/N}$. Portanto $\ker\bar\varphi=\{1_{G/N}\}$ e isto implica que $\bar\varphi$ é injetivo. Logo $\bar\varphi$ é um isomorfismo e $G/\ker\varphi\cong \mbox{Im}\,\varphi$.

Exemplo. Sejam $\F$ um corpo, $n\geq 2$ e $\varphi: GL(n,\F)\to \F^*=\F\setminus\{0\}$ definido com $\varphi(X)=\det X$. Temos que $\varphi$ é um homomorfismo sobrejetivo e que $\ker\varphi=SL(n,\F)$. Pelo teorema anterior, obtemos que $GL(n,\F)/SL(n,\F)\cong \F^*$.