Isometrias de formas sesquilineares

Sejam $(V,B)$ e $(W,C)$ $\F$-espaços vetoriais com formas sesquilineares reflexivas. Um morfismo entre $(V,B)$ e $(W,C)$ é uma transformação linear $f:V\to W$ tal que $C(f(v),f(w))=B(v,w)$ para todo $v,w\in V$. Um morfismo bijetivo $f:V\to W$ é chamado isometria. Dois espaços $(V,B)$ e $(W,C)$ são isométricos se existir uma isometria $f:V\to W$.
Assuma que $f$ é um morfismo entre $(V,B)$ e $(W,C)$. Então $\ker f\leq \mbox{Rad}(B)$. Em particular, se $B$ é não degenerada, então $f$ é injetiva.
Seja $v\in\ker f$ e $w\in V$ arbitrário. Então $B(v,w)=C(f(v),f(w))=0$ e $v\in \mbox{Rad}(B)$. Se $B$ for não degenerada, então $\mbox{Rad}(B)=0$ e $\ker f=0$ e, consequentemente, $f$ é injetiva.
Seja $V$ um espaço vetorial de dimensão finita com forma sesquilinear reflexiva e não degenerada $B$. Se $f:V\to V$ é um morfismo, então $f$ é uma isometria de $V$. Em particular $f$ é um automorfismo de $V$.
Seja $V$ um espaço com forma sesquilinear reflexiva $B$. Um sistema de vetores $X$ de $V$ é dito ortogonal se $B(b_i,b_j)=0$ (ou seja, $b_i\perp b_j$) para todo $b_i,b_j\in X$ distintos. O sistema $X$ é dito ortonormal se ele é ortogonal e $Q(b_i)=B(b_i,b_i)=1$ para todo $b_i\in X$.
Seja $B$ uma forma $\sigma$-sesquilinear reflexiva sobre um espaço $V$.
  1. Mostre que um sistema $X$ ortogonal com $Q(b,b)\neq 0$ para todo $b\in X$ é l.i.
  2. Seja $X$ uma base ortogonal com $Q(b,b)\neq 0$ para todo $b\in X$. Mostre para $v\in V$ que
    \[
    v=\sum_{b\in X} \frac{B(v,b)}{B(b,b)}b
    \]
    (mostre que a soma na linha anterior é finita mesmo que $X$ seja infinita).
Seja $V$ um $\F$-espaço de dimensão finita sobre um corpo de caraterística diferente de $2$ e $B$ uma forma $\sigma$-Hermitiana (incluindo simétrica). Então $V$ possui uma base ortogonal.
Seja $V_0=\mbox{Rad}(V)$ e escreva $V=W\perp V_0$ com um complemento $W$ de $V_0$ qualquer. A restrição de $B$ para $W$ é não degenerada. Se $X_W$ é uma base ortogonal de $W$ e $X_0$ é uma base qualquer de $V_0$, então $X_W\cup X_0$ é base ortogonal de $V$. Então precisamos achar base ortogonal no espaço $W$ e assumimos sem perder a generalidade que $B$ é não degenerada em $V$.

Avançamos por indução em $\dim V$. Se $\dim V=1$, então qualquer vetor $v\in V\setminus\{0\}$ é uma base ortogonal. Assuma que espaços de dimensão $n-1$ com formas não degeneradas têm bases ortogonais e assuma que $\dim V=n$. Seja $Q$ a forma quadrática associada com $B$; ou seja $Q(v)=B(v,v)$. Afirmamos que existe $v\in V$ tal que $Q(v)\neq 0$. Caso contrário, escolha $u,v\in V$ tal que $B(u,v)=1$ (eles existem) e obtenha por um lema na página anterior que
\[
0=B(u,v)+B(v,u)=B(u,v)+B(u,v)^\sigma=1+1^\sigma.
\]
Ou seja, $1^\sigma=-1$. Mas se $\mbox{car}(\F)\neq 2$, isso é impossível, pois $1^\sigma=1$ para todo automorfismo de $\F$. Logo existe vetor $b_1\in V$ tal que $Q(b_1)=B(b_1,b_1)\neq 0$. Seja $U=\langle b_1\rangle$ e considere $U^\perp$. Temos que $\dim U^\perp=\dim V-1$ ($B$ é não degenerada). Além disso, se $w$ pertençe ao radical de $B$ restringida a $U^\perp$, então $w\perp b_1$ e $w\in\mbox{Rad}(B)$. Logo a restrição de $B$ para $U^\perp$ é não degenerada. Pela hipótese da indução $U^\perp$ possui uma base $\{b_2,\ldots,b_n\}$ ortogonal. Ora $\{b_1,\ldots,b_n\}$ é base ortogonal de $V$.

Seja $\sigma\in\mbox{Aut}(\R)$. Mostre que
  1. se $x$ é positivo, então $x^\sigma$ é positivo;
  2. $\sigma$ é não decrescente;
  3. $\sigma$ é contínua;
  4. sabendo que $Q\subseteq \mbox{Fix}(\sigma)$, deduza que $\sigma=\mbox{id}_\R$.

[Dica: consulte a discussão na página de StackExchange.]

Seja $\sigma\in\mbox{Aut}(\C)$ tal que $\sigma$ é contínuo. Mostre que $\sigma=\mbox{id}_\C$ ou $\sigma$ é o conjugado complexo. [Dica: considere as raízes do polinômio $t^2+1$.] Tem uma boa discussão dos automorfismos de $\C$ que não são contínuos no StackExchange.
Assuma que $V$ e $B$ são como no resultado anterior e assuma que $B$ é não-degenerada.
  1. Se $\F=\C$ e $\sigma=\mbox{id}_\C$, então $V$ possui uma base ortonornal.
  2. Se $\F=\R$ ou $\F=\C$ e $\sigma$ é o conjugado complexo, então $V$ possui uma base ortogonal $\{b_1,\ldots,b_n\}$ tal que $B(b_i,b_i)=\pm 1$. Além disso, o número $p$ de $b_i$ com $B(b_i,b_i)=-1$ é independente a base escolhida.
Assuma que $\{b_1,\ldots,b_n\}$ é base ortogonal de $V$ e seja $\alpha_i=B(b_i,b_i)\neq 0$.

1. Se $\F=\C$ e $B$ é simétrica, então podemos substituir $b_i$ por $b_i’=(\alpha_i)^{1/2} b_i$ e $\{b_1′,\ldots,b_n’\}$ é base ortonormal.

2. Ponha $b_i’=|\alpha_i|^{1/2}b_i$. Ora $\{b_1′,\ldots,b_n’\}$ é base com $B(b_i’,b_i’)=\pm 1$.

Assuma agora que $X=\{b_1,\ldots,b_k,b_{k+1},\ldots,b_n\}$ é base de $V$ tal que $Q(b_i)=-1$ para $i\in\{1,\ldots,k\}$ e $Q(b_i)=1$ para os demais $i$. Seja $Y=\{c_1,\ldots,c_m,c_{m+1},\ldots,c_n\}$ uma outra base com $Q(c_j)=-1$ para $j\in\{1,\ldots,m\}$ e $Q(c_j)=1$ para os demais $j$. Assuma que $k\geq m$. Afirmamos que
\[
b_1,\ldots,b_k,c_{m+1},\ldots,c_n
\]
é um sistema L.I. Assuma que
\[
\alpha_1b_1+\cdots +\alpha_kb_k+\alpha_{m+1}c_{m+1}+\cdots+\alpha_nc_n=0.
\]
Logo
\[
\alpha_1b_1+\cdots+ \alpha_kb_k=-\alpha_{m+1}c_{m+1}-\cdots-\alpha_nc_n.
\]
Aplicando $Q$ nos vetores $v$ e $w$ nos dois lados da equação acima, obtemos que $Q(v) \leq 0$, enquanto $Q(w) \geq 0$. Portanto $Q(v)=Q(w)=0$ e $\alpha_i=0$ para todo $i$. Isso implica que $k+n-m\leq n$; ou seja, $k\leq m$; ou seja $k=m$.

O par $(p,n-p)$ no resultado anterior é chamado assinatura de $B$. A assinatura está bem definida nas situações do item 2. no corolário anterior.
O espaço $\R^{p+q}$ (também denotado por $\R^{p,q}$) é o espaço vetorial $\R^{p+q}$ com forma simétrica $B$ com matriz diagonal com $-1,\ldots,-1,1,\ldots,1$ na diagonal ($-1$ repetendo $p$ vezes e $1$ repetendo $q$ vezes). O espaço $\C^{p+q}$ está definido na mesma forma, mas tomamos uma forma $\sigma$-hermitiana com $\sigma$ sendo o conjugado complexo.
Note que $\R^{0+q}$ é o espaço $\R^q$ com o produto interno usual em $\R^q$. O espaço $\R^{1+3}$ é o espaço de Lorentz usado na relatividade especial.
Seja $V$ um $\F$-espaço vetorial de dimensão $n$ com uma forma $\sigma$-hermitiana $B$ não degenerada.
  1. Se $\F=\R$, então $\sigma=\mbox{id}_\R$ e $(V,B)$ é isométrico ao espaço $\R^{p+q}$ com alguns $q,p$ tais que $p+q=n$.
  2. Se $\F=\C$ e $\sigma$ é o conjugado complexo, então $(V,B)$ é isométrico ao espaço $\C^{p+q}$ com alguns $q,p$ tais que $p+q=n$.
  3. Se $\F=\C$ e $\sigma=\mbox{id}_\C$, então $V$ é isométrico ao espaço $\C^n$ com forma $B_0$ onde
    \[
    B_0(v,w)=v_1w_1+\cdots+v_nw_n.
    \]
    para $v=(v_1,\ldots,v_n)$ e $w=(w_1,\ldots,w_n)$.
Seja $A$ uma matiz com entradas em um corpo $\F$ de caraterística diferente de $2$.
  1. Se $A$ é simétrica, então existe uma matriz $X$ com entradas em $\F$ tal que
    \[
    XAX^t
    \]
    é diagonal.
  2. Se $\F=\C$ e $A^t=\overline A$ (conjugada complexa de $A$), então existe $X$ com entradas em $\C$ tal que
    \[
    XA\overline X^t=I_{\pm 1,0}
    \]
    onde $I_{\pm 1,0}$ é uma matriz diagonal com entradas $-1,\ldots,-1,1,\ldots,1,0,\ldots,0$ na diagonal.
  3. Se $\F=\C$ e $A$ é simétrica, então existe $X$ com entradas em $\C$ tal que
    \[
    XA X^t=I_0
    \]
    onde $I_0$ é matriz diagonal com entradas $1,\ldots,1,0,\ldots,0$ na diagonal principal.
  4. Se $\F=\R$ e $A$ é simétrica, então existe $X$ com entradas em $\R$ tal que
    \[
    XAX^t=I_{\pm 1,0}
    \]
    onde $I_{\pm 1,0}$ é uma matriz diagonal com entradas $-1,\ldots,-1,1,\ldots,1,0,\ldots,0$ na diagonal.
Em todos os casos considere a forma $B_A$ com matriz $A$ em uma base. Diagonalize a forma e aplique a formula para mudança de base na página anterior.