As transformações ortogonais de $\R^n$

$\newcommand{\rot}[1]{\mbox{Rot}(#1)}\newcommand{\refl}[1]{\mbox{Ref}(#1)}$
Nesta página consideramos $\R^n$ com o produto interno usual $\langle-,-\rangle$.
A distáncia de $v,w\in \R^n$ está definida como
\[
d(v,w)=\|v-w\|=\langle v-w,v-w\rangle^{1/2}.
\]
Uma aplicação (não necessariamente linear) $f:\R^n\to \R^n$ é chamada de isometria se ela preserva distáncia. Ou seja,
\[
d(f(v),f(w))=d(v,w)\quad\mbox{para todo}\quad v,w\in \R^n.
\]
Se $v_0\in \R^n$, então $T_{v_0}:v\mapsto v+v_0$ é uma isometria. Este exemplo mostra que uma isometria não precisa ser linear. Em $\R^2$, a rotação $R_{\alpha}$ no redor da origem por $\alpha$ graus é também uma isometria. Note que $R_\alpha$ é linear.

É imediato observar que uma isometria $f:\R^n\to \R^n$ é injetiva. Acontece que uma isometria precisa ser também sobrejetiva, mas nós não provaremos esta afirmação por falta de tempo.

As seguintes são equivalentes para uma transformação linear $f:\R^n\to \R^n$.
  1. $f$ preserva o produto interno em $\R^n$.
  2. $f$ preserva a norma em $\R^n$.
  3. $f$ preserva a distância em $\R^n$
Assuma que $f$ preserva produto interno. Então, para todo $v\in V$,
\[
\|f(v)\|^2=\langle f(v),f(v)\rangle =\langle v,v\rangle=\|v\|.
\]
Ou seja, $f$ preserva a norma.

Agora, assuma que $f$ preserva a norma. Então temos para todo $v,w\in V$ que
\[
d(f(v),f(w))=\|f(v)-f(w)\|=\|f(v-w)\|=\|v-w\|=d(v,w).
\]
Logo $f$ preserva distância. Note que no meio da equação anterior, usamos que $f$ é linear.

Assuma agora que $f$ preserva distância. Note para $v\in V$ que
\[
\|f(v)\|=d(0,f(v))=d(0,v)=\|v\|
\]
e assim $f$ preserva a norma. Note que no meio da linha anterior, usamos que $f(0)=0$. Ora, temos pela identidade de polarização para $v,w\in V$, que
\begin{align*}
\langle f(v),f(w)\rangle&=\frac 12(\|f(v)+f(w)\|-\|f(v)\|-\|f(w)\|)\\
&=\frac 12(\|f(v+w)\|-\|f(v)\|-\|f(w)\|)\\&=\frac 12(\|v+w\|-\|v\|-\|w\|)\\
&=\langle v,w\rangle.
\end{align*}
Logo, $f$ preserva produto interno.

Uma transformação ortogonal de $\R^n$ é uma isometria linear de $\R^n$.
Seja $f:\R^n\to \R^n$ uma transformação ortogonal e seja $A$ a sua matriz na base canônica. Então $A^tA=I$; ou seja, as colunas de $A$ são ortonormais e $A$ é uma matriz ortogonal. Em particular, uma transformação ortogonal de $\R^n$ é invertível.
Note que a base canônica $e_1,\ldots,e_n$ é ortonormal. As colunas de $A$ são $f(e_1),\ldots,f(e_n)$. Como $f$ preserva produto interno, estes vetores formam uma base ortonormal.
Seja $f:\R^n \to \R^n$ uma transformação ortogonal.
  1. O determinante de $f$ é $\pm 1$.
  2. Se $\lambda\in\C$ é um autovalor de $f$, então $\overline \lambda$ também é um autovalor de $f$.
  3. Se $\lambda\in \C$ é um autovalor de $f$, então $|\lambda|=1$.
  4. Se $\lambda\in \R$ é uma autovalor de $f$, então $\lambda=\pm 1$.
Seja $A$ a matriz de $f$ na base canônica e note que
\[
1=\det I=\det AA^{-1}=\det AA^t=(\det A)^2.
\]
Logo $\det A=\pm 1$. Se $\lambda\in\C$ é um autovalor de $f$, então $\overline \lambda$ também é, pois $\mbox{pcar}_f(t)\in\R[t]$. Para provar afirmação 3., considere o operador $f_\C:\C^n\to\C^n$, $f_\C(v)=Av$ para todo $v\in \C^n$ considerado como vetor coluna. Note que $f_\C^*$ é a transformação $v\mapsto A^tv$. Seja $v\in \C^n$ um autovetor com autovalor $\lambda\in \C$. Agora
\[
\lambda\overline \lambda\|v\|=\langle\lambda v,\lambda v\rangle = \langle Av,Av\rangle=\langle v,A^tAv\rangle=\langle v,v\rangle.
\]
Como $v\neq 0$, temos que $\langle v,v\rangle\neq 0$ e $\lambda\overline\lambda=\|\lambda\|^2=1$.
Finalmente, afirmação 4. segue trivialmente da afirmação 3.
O conjunto das transformações ortogonais de $\R^n$ é denotado por $O_n$. O conjunto das transformações ortogonais com determinante igual a $1$ é denotado por $SO_n$. O nome de $O_n$ é grupo ortogonal enquanto $SO_n$ é chamado de grupo ortogonal especial. Os grupos $O_n$ e $SO_n$ podem ser identificados com os conjuntos das matrizes ortogonais e matrizes ortogonais com determinante $1$.
Sejam $f,g\in O_n$. Então
  1. $f\circ g\in O_n$
  2. Se $f,g\in SO_n$, então $f\circ g\in SO_n$.
  3. $f^{-1}\in O_n$
  4. Se $f\in SO_n$, então $f^{-1}\in SO_n$.
Exercise.

O lema anterior diz essentialmente que $O_n$ e $SO_n$ são grupos. Nesta disciplina nós não definimos o conceito dos grupos, eles vão aparecer muito na disciplina Grupos e Corpos. Os grupos $O_n$ e $SO_n$ têm muitas aplicações nas áreas da física teórica, mecánica clássica, robótica, gráfica computacional, etc.