Formas clássicas e os grupos clássicos

$\newcommand{\F}{\mathbb F}$Seja $\F$ um corpo e $V$ um espaço vetorial de dimensão $n$ sobre $\F$. Seja $\sigma\in \mbox{Aut}(\F)$. Um mapa
$$
V\times V\rightarrow\F,\quad (u,v)\mapsto (u,v)
$$
é dito $\sigma$-sesquilinear se
\begin{align*}
(\alpha u+\beta v,w)=&\alpha(u,w)+\beta(v,w);\\
(u,\alpha v+\beta w)=&(\alpha\sigma) (u,v)+(\beta\sigma)(v,w).
\end{align*}
Uma forma $\sigma$-sesquilinear $(\cdot,\cdot)$ é dita $\sigma$-hermitiana, se $(u,v)=(v,u)\sigma$. Uma forma $\mbox{id}$-sesquilinear é dita bilinear.

Lema. Seja $(\cdot,\cdot)$ uma forma $\sigma$-hermitiana não nula. Então $\sigma^2=\mbox{id}$.

Demonstração. Sejam $u,v\in \F$ tais que $(u,v)=c\neq 0$. Então
$$
c{\sigma^2}=(u,v)\sigma^2=(v,u)\sigma=(u,v)=c.
$$

O lema anterior implica que se $(\cdot,\cdot)$ é uma forma $\sigma$-hermitiana, então $\sigma$ é um automorfismo do corpo $\F$ com $\sigma=\mbox{id}$ ou $|\sigma|=2$. No segundo caso, dizemos que $\sigma$ é um automorfismo involutivo.

Uma forma $\mbox{id}$-hermitiana é dita forma simétrica. Uma forma bilinear é dita simplética se $(u,u)=0$ para todo $u\in V$. Note que se $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simplética, então $(u,v)=-(v,u)$ vale para todo $u,v\in V$. Além disso, se $\mbox{char}\,\F\neq 2$, então a identidade $(u,v)=-(v,u)$ implica que a forma é simplética.

Uma forma $(\cdot,\cdot)$ é dita não degenerada se
\begin{align*}
&\{v\in V\mid (v,u)=0\mbox{ para todo }u\in V\}=\\&\{v\in V\mid (u,v)=0\mbox{ para todo }u\in V\}=\{0\}.
\end{align*}

Seja $V$ um espaço vetorial sobre um corpo de caraterística diferente de 2. Seja $(\cdot,\cdot)$ é uma forma que satisfaz uma das seguintes condições:

  1. forma nula: $(u,v)=0$ para todo $u,v\in V$;
  2. forma bilinear simplética não degenerada;
  3. forma $\sigma$-hermitiana não degenerada com $\sigma\in\mbox{Aut}(\F)$ involutíva.
  4. forma bilinear simétrica não  degenerada.

Uma forma que satisfaz uma das quatro condições em cima é dita forma clássica.

Seja $(\cdot,\cdot)$ uma das formas clássicas e denote por $Z=\{\lambda I\mid \lambda\in\F^*\}\leq GL(n,\F)$.
Denotamos por
\begin{align*}
GX(n,\F)=&\{X\in GL(n,\F)\mid (uX,vX)=(u,v)\mbox{ para todo } u,v\in V\};\\
SX(n,F)=&\{X\in SL(n,\F)\mid (uX,vX)=(u,v)\mbox{ para todo } u,v\in V\};\\
PGX(n,\F)=&GX(n,\F)/(Z\cap GX(n,\F));\\
PSX(n,\F)=&SX(n,\F)/(Z\cap SX(n,\F)).
\end{align*}

Sobre um corpo finito existem um número pequeno de possibilidades das formas clássicas. Se $(\cdot,\cdot)$ é uma forma clássica, então um par $(e,f)\in V\times V$ é dito par hiperbólico se $(e,e)=(f,f)=0$ e $(e,f)=1$. Neste caso o espaço $\left<e,f\right>$ é dito plano hiperbólico.

Se $u,v\in V$ tais que $(u,v)=0$, então escrevemos que $u\perp v$. Se $U,W\leq V$ tal que $u\perp w$ para todo $u\in U$ e $w\in W$, então escrevemos que $U\perp W$. Se, além disso, $U\cap W=0$, então escrevemos $U\oplus W=U ⦹W$.

Teorema. Seja $\F$ um corpo finito de ordem $q$ ímpar e seja $(\cdot,\cdot)$ uma forma clássica em $V=\F^n$.  Então uma das seguintes possibilidades é válida:

  1. $(\cdot,\cdot)$ é a forma nula;
  2. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simplética, $n$ é par e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{n/2}$ tais que
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{n/2}.
    $$
  3. $q=q_0^2$, $\sigma:x\mapsto x^{q_0}$, $(\cdot,\cdot)$ é uma forma $\sigma$-hermitiana, $n$ é par e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{n/2}$ tais que
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{n/2}.
    $$
  4. $q=q_0^2$, $\sigma:x\mapsto x^{q_0}$, $(\cdot,\cdot)$ é uma forma $\sigma$-hermitiana, $n$ é ímpar e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{(n-1)/2}$ e $w\in V$ tais que $(w,w)=1$ e
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{n/2}⦹ \left<w\right>.
    $$
  5. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simétrica, $n$ é par e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{n/2}$ tais que
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{n/2}.
    $$
  6. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simétrica, $n$ é par e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{(n-2)/2}$ e $w_1,w_2\in V$ tais que $(w_1,w_1)=2$, $(w_2,w_2)=2\zeta$, $(w_1,w_2)=2$, onde $x^2+x+\zeta\in\F[x]$ é irredutível e
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{(n-2)/2}⦹\left<w_1,w_2\right>.
    $$
  7. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simétrica, $n$ é ímpar e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{(n-1)/2}$ e $w\in V$ tais que $(w,w)=1$  e
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{(n-1)/2}⦹\left<w\right>.
    $$
  8. $(\cdot,\cdot)$ é uma forma simétrica, $n$ é ímpar e existem planos hiperbólicos $L_1,\ldots,L_{(n-1)/2}$ e $w\in V$ tais que $(w,w)=\zeta$ com $\zeta\in\F^*\setminus\F^2$ e
    $$
    V=L_1⦹ \cdots⦹ L_{(n-1)/2}⦹\left<w\right>.
    $$

Enquanto nos casos 7. e 8. do teorema anterior, obtemos espaços não isométricos, os grupos correspondentes são isomorfos. Os grupos $GX$, $SX$, $PGX$, $PSX$ são denotados de acordo com a seguinte tabela:

forma $GX(n,q)$ $SX(n,q)$ $PGX(n,q)$ $PSX(n,q)$
nula $GL(n,q)$ $SL(n,q)$ $PGL(n,q)$ $PSL(n,q)$
simplética $Sp(n,q)$ $Sp(n,q)$ $PSp(n,q)$ $PSp(n,q)$
hermitiana $GU(n,q)$ $SU(n,q)$ $PGU(n,q)$ $PSU(n,q)$
simétrica (caso 5.) $GO^+(n,q)$ $SO^+(n,q)$ $PGO^+(n,q)$ $PSO^+(n,q)$
simétrica (caso 6.) $GO^-(n,q)$ $SO^-(n,q)$ $PGO^-(n,q)$ $PSO^-(n,q)$
simétrica (caso 7.-8.) $GO(n,q)$ $SO(n,q)$ $PGO(n,q)$ $PSO(n,q)$

Simplificando a definição verdadeira, no caso de formas simétricas, denotamos ainda por $\Omega^+(n,q)$, $\Omega^-(n,q)$, e por $\Omega(n,q)$, o subgrupo derivado de $SO^+(n,q)$, $SO^-(n,q)$, e $SO(n,q)$, respetivamente. Escrevemos $P\Omega(n,\F)=\Omega(n,\F)/(Z\cap \Omega(n,\F))$ e $P\Omega^\pm(n,\F)=\Omega^\pm(n,\F)/(Z\cap \Omega^\pm(n,\F))$.

Teorema. As seguintes afirmações são verdadeiras.

  1. Se $n\geq 2$ e $(n,q)\neq (2,2),\ (2,3)$, então $PSL(n,q)$ is simples;
  2. Se $n\geq 2$ e $(n,q)\neq (2,2),\ (2,3),\ (4,2)$, então $PSp(n,q)$ é simples;
  3. Se $n\geq 2$ e $(n,q)\neq (2,4),(2,9),(3,4)$, então $PSU(n,q)$ é simples;
  4. Se $n\geq 6$ par e $q$ é ímpar, então $P\Omega^+(n,q)$ é simples.
  5. Se $n\geq 4$ par e $q$ é ímpar, então $P\Omega^-(n,q)$ é simples.
  6. Se $n\geq 3$  ímpar e $q$ é ímpar e $(n,q)\neq (3,3)$,  então $P\Omega(n,q)$ é simples.

Partes 1.-3. podem ser demonstradas usando o Lema de Iwasawa. Para demonstrar partes 4.-6., pode-se usar a teoria das álgebras de Clifford.

Os grupos clássicos podem ser simples sobre um corpo $\F$ infinito ou sobre caraterística 2, mas a situação é mais complicada.

 

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