{"id":1052,"date":"2020-10-21T11:46:06","date_gmt":"2020-10-21T14:46:06","guid":{"rendered":"http:\/\/localhost\/?page_id=1052"},"modified":"2021-04-29T16:37:35","modified_gmt":"2021-04-29T19:37:35","slug":"automorfismos-de-corpos-e-o-grupo-de-galois","status":"publish","type":"page","link":"http:\/\/localhost\/index.php\/ensino\/grupos-e-corpos\/automorfismos-de-corpos-e-o-grupo-de-galois\/","title":{"rendered":"Automorfismos de corpos e o grupo de Galois"},"content":{"rendered":"

$\\newcommand{\\F}{\\mathbb F}\\newcommand{\\E}{\\mathbb E}\\newcommand{\\Q}{\\mathbb Q}\\newcommand{\\R}{\\mathbb R}\\newcommand{\\C}{\\mathbb C}\\newcommand{\\fix}[1]{\\mbox{Fix}(#1)}\\newcommand{\\gal}[2]{\\mbox{Gal}(#1:#2)}\\newcommand{\\aut}[1]{\\mbox{Aut}(#1)}$Seja $\\E$ um corpo. Lembre que um mapa $\\varphi:\\E\\to\\E$ bijetivo \u00e9 dito automorfismo de $\\E$ se\u00a0$\\varphi(x+y)=\\varphi(x)+\\varphi(y)$ e $\\varphi(xy)=\\varphi(x)\\varphi(y)$ vale para todo $x,y\\in\\E$. O conjunto de automorfismos de $\\E$ \u00e9 um grupo com a opera\u00e7\u00e3o de composi\u00e7\u00e3o e este grupo \u00e9 denotado por $\\aut \\E$. Se $\\varphi\\in\\aut\\E$, ent\u00e3o definimos
\n\\[
\n\\fix\\varphi=\\{x\\in \\E\\mid \\varphi(x)=x\\}.
\n\\]<\/p>\n

Exerc\u00edcio.<\/strong> $\\fix\\varphi$ \u00e9 um corpo, portanto $\\E:\\fix\\varphi$ \u00e9 uma extens\u00e3o de corpos.<\/p>\n

Exemplo. <\/strong>A conjuga\u00e7\u00e3o complexa\u00a0$\\varphi: x+iy\\mapsto x-iy$ \u00e9 um automorfismo de\u00a0 $\\C$ e\u00a0 $\\fix\\varphi = \\R$.<\/p>\n

Exemplo.\u00a0<\/strong>Seja $p$ um primo e seja $f(x)\\in\\F_p[x]$ um polin\u00f4mio irredut\u00edvel de grau $d$. Defina $\\E=\\F_p[x]\/(f(x))$ e note que $\\E$ \u00e9 um corpo de $q=p^d$ elementos. Afirmamos que o mapa $\\varphi:\\E\\to\\E$ definido como $\\alpha\\mapsto \\alpha^p$ \u00e9 um automorfismo. \u00c9 bem conhecido que $(\\alpha+\\beta)^p=\\alpha^p+\\beta^p$ e $(\\alpha\\beta)^p=\\alpha^p\\beta^p$, ent\u00e3o precisamos verificar apenas que $\\varphi$ \u00e9 uma bije\u00e7\u00e3o. Como $\\E$ \u00e9 um corpo finito, \u00e9 suficiente verificar que $\\varphi$ \u00e9 injetivo. Isso \u00e9 verdade, pois se $\\alpha,\\beta\\in\\E$ tais que $\\varphi(\\alpha)=\\varphi(\\beta)$, ent\u00e3o
\n\\[
\n0=\\alpha^p-\\beta^p=(\\alpha-\\beta)^p
\n\\]
\nque implica que $\\alpha-\\beta=0$; ou seja $\\alpha=\\beta$. Temos ent\u00e3o que $\\varphi\\in\\aut\\E$. Al\u00e9m disso, $\\fix\\varphi$ \u00e9 o conjunto de solu\u00e7\u00f5es da equa\u00e7\u00e3o $x^p=x$ e esta equa\u00e7\u00e3o tem precisamente $p$ solu\u00e7\u00f5es, nomeadamente, os elementos de $\\F_p$. Logo\u00a0$\\fix\\varphi=\\F_p$. O automorfismo $\\varphi$ \u00e9 conhecido como o automorfismo de Frobenius<\/a>.<\/p>\n

Seja $\\E:\\F$ uma extens\u00e3o de corpos. Defina
\n\\[
\n\\gal \\E\\F=\\{\\alpha\\in\\aut\\E\\mid \\F\\subseteq\\fix\\alpha\\}.
\n\\]
\nEm outras palavras, $\\gal\\E\\F$ \u00e9 o conjunto de automorfismos $\\varphi$ de $\\E$ tais que $\\varphi(x)=x$ para todo $x\\in\\F$. \u00c9 f\u00e1cil verificar que $\\gal\\E\\F$ \u00e9 um subgrupo de $\\aut\\E$. Este subgrupo \u00e9 chamado de grupo de
Galois<\/a> da extens\u00e3o $\\E:\\F$ ou de grupo de Galois de $\\E$ sobre $\\F$.<\/p>\n

Exerc\u00edcio.\u00a0<\/strong>Se $\\varphi\\in\\gal\\E\\F$, ent\u00e3o $\\varphi$ \u00e9 uma transforma\u00e7\u00e3o $\\F$-linear de $\\E$.<\/p>\n

Lema.\u00a0<\/strong>Seja $\\E:\\F$ uma extens\u00e3o, $f(x)\\in\\F[x]$, $\\alpha\\in\\E$ tal que $f(\\alpha)=0$, e $\\varphi\\in\\gal\\E\\F$. Ent\u00e3o $f(\\varphi(\\alpha))=0$.<\/p>\n

Demonstra\u00e7\u00e3o.<\/strong>\u00a0 Exerc\u00edcio. Revise a demonstra\u00e7\u00e3o do fato bem conhecido que se um n\u00famero complexo \u00e9 raiz de um polin\u00f4mio com coeficientes reais, ent\u00e3o o conjugado complexo deste n\u00famero ser\u00e1 tamb\u00e9m raiz do mesmo polin\u00f4mio.<\/p>\n

Exemplo.\u00a0<\/strong>Determinemos $\\gal\\C\\R$. Seja $\\varphi\\in\\gal\\C\\R$. Como $\\varphi$ \u00e9 uma transforma\u00e7\u00e3o $\\R$-linear, as imagens $\\varphi(1)$ e $\\varphi(i)$ determinam $\\varphi$. Como $1\\in\\R$, temos que $\\varphi(1)=1$. Note que $\\varphi(i)$ \u00e9 raiz do polin\u00f4mio $x^2+1$, ent\u00e3o $\\varphi(i)$ ser\u00e1 raiz do mesmo polin\u00f4mio que implica que $\\varphi(i)=\\pm i$. Escolhendo $\\varphi(i)=i$, obtemos que $\\varphi=\\mbox{id}_\\C$, enquanto escolhendo $\\varphi(i)=-i$, obtemos a conjuga\u00e7\u00e3o complexa. Obtivemos ent\u00e3o que $\\gal\\C\\R$ \u00e9 um grupo de ordem 2.<\/p>\n

Exemplo.\u00a0<\/strong>Seja $\\xi=\\exp(2\\pi i\/3)$ (terceira raiz da unidade) e considere a extens\u00e3o $\\E=\\Q(\\xi)$ de $\\Q$. Note que $\\xi$ \u00e9 raiz do polin\u00f4mio $x^3-1=(x-1)(x^2+x+1)$ e que o polin\u00f4mio $x^2+x+1$ \u00e9 irredut\u00edvel sobre $\\Q$. Em particular, $m_\\xi(x)=x^2+x+1$ e $\\E$ \u00e9 um espa\u00e7o vetorial de dimens\u00e3o $2$ sobre $\\Q$. Al\u00e9m disso,
\n\\[
\n\\E=\\left<1,\\xi\\right>_\\Q=\\{\\alpha+\\beta\\xi\\mid \\alpha,\\beta\\in\\Q\\}
\n\\]
\ne para determinar os automorfismos $\\varphi\\in\\gal\\E\\Q$, \u00e9 suficiente saber $\\varphi(1)$ e $\\varphi(\\xi)$. Como no exemplo, anterior, $\\varphi(1)=1$ e $\\varphi(\\xi)$ \u00e9 raiz de $x^2+x+1$; consequentemente $\\varphi(\\xi)=\\xi$ ou $\\varphi(\\xi)=\\xi^2=\\bar\\xi$ (conjugado complexo). O primeiro caso d\u00e1 o automorfismo identidade, enquanto o segundo d\u00e1 o automorfismo
\n\\[
\n\\alpha+\\beta\\xi\\mapsto \\alpha+\\beta\\bar\\xi \\quad\\mbox{onde}\\quad\\alpha,\\beta\\in\\Q.
\n\\]
\n(Na verdade, precisa verificar que isso \u00e9 um automorfismo, mas isso \u00e9 uma conta simples que o leitor pode fazer.) Ent\u00e3o $|\\gal\\E\\Q|=2$.<\/p>\n

Teorema.\u00a0<\/strong>Seja $\\F$ um corpo de carater\u00edstica zero ou um corpo finito. Assuma que $\\E$ \u00e9 um corpo de decomposi\u00e7\u00e3o de um polin\u00f4mio irredut\u00edvel $f(x)\\in\\F[x]$ com $\\mbox{grau}\\,f(x)=k$. Ent\u00e3o $G=\\gal\\E\\F$ permuta as ra\u00edzes de $f(x)$ transitivamente e $G$ pode ser visto como um subgrupo transitivo de $S_k$. Em particular $k$ divide $|G|$.<\/p>\n

Demonstra\u00e7\u00e3o.\u00a0<\/strong>Sejam $\\alpha,\\beta\\in\\E$ duas ra\u00edzes de $f(x)$. Note que $m_\\alpha(x)=m_\\beta(x)=f(x)$, e\u00a0 $\\F(\\alpha)\\cong\\F(\\beta)$. De fato, n\u00f3s provamos em um resultado anterior que existe um isomorfismo $\\psi:\\F(\\alpha)\\to\\F(\\beta)$ tal que $\\psi|_\\F=\\mbox{id}_\\F$ e $\\psi(\\alpha)=\\beta$. Agora observe que $f(x)$ pode ser visto como um polin\u00f4mio sobre $\\F(\\alpha)$ e tamb\u00e9m sobre $\\F(\\beta)$ e $\\E$ \u00e9 corpo de decomposi\u00e7\u00e3o de $f(x)$ sobre estes corpos. Por um outro teorema anterior, existe isomorfismo (na verdade um automorfismo) $\\varphi:\\E\\to\\E$ tal que $\\varphi|_{\\F(\\alpha)}=\\psi$. Ora, observe que $\\varphi\\in\\gal\\E\\F$ tal que $\\varphi(\\alpha)=\\beta$. Isso implica que $\\gal\\E\\F$ permuta transitivamente as ra\u00edzes de $f(x)$.<\/p>\n

Para mostrar que $\\gal\\E\\F$ pode ser considerado como um subgrupo de $S_k$, observe que $f(x)$ n\u00e3o possui ra\u00edzes m\u00faltiplas em $\\E$ (pois $\\mbox{mdc}(f(x),f'(x))=1)$ e isso significa que $f(x)$ tem precisamente $k$ ra\u00edzes, nomeadamente $\\alpha_1,\\ldots,\\alpha_k$ mutualmente distintas. Se um elemento $\\sigma$ de $\\gal\\E\\F$ est\u00e1 no n\u00facleo da a\u00e7\u00e3o em $\\{\u00a0\\alpha_1,\\ldots,\\alpha_k\\}$, ent\u00e3o $\\sigma$ fixa todas as ra\u00edzes. Mas como $\\E$ \u00e9 gerado por estas ra\u00edzes (sendo corpo de decomposi\u00e7\u00e3o), $\\sigma=\\mbox{id}_\\E$. Ent\u00e3o $\\gal\\E\\F$ pode ser visto como um subgrupo do grupo sim\u00e9trico do conjunto\u00a0\u00a0$\\{\u00a0\\alpha_1,\\ldots,\\alpha_k\\}$ e este grupo sim\u00e9trico \u00e9 claramente isomorfo a $S_k$. Finalmente, o fato que $k\\mid |\\gal\\E\\F|$ segue do Teorema Orbita-Estabilizador.<\/p>\n

Exerc\u00edcio.\u00a0<\/strong>Seja $\\E$ um corpo e sejam $\\varphi_1,\\ldots,\\varphi_k\\in\\aut\\E$. Assuma que $\\alpha_1,\\ldots,\\alpha_k\\in\\E$ tais que $\\alpha_1\\varphi_1+\\cdots+\\alpha_k\\varphi_k=0$. Mostre que $\\alpha_1=\\cdots=\\alpha_k=0$.<\/p>\n

Lema.<\/strong>\u00a0Seja $\\E:\\F$ uma extens\u00e3o finita. Ent\u00e3o $|\\gal\\E\\F|\\leq \\dim_\\F\\E$.<\/p>\n

Demonstra\u00e7\u00e3o.\u00a0<\/strong>Seja $n=\\dim_\\F\\E$ e assuma que $\\varphi_1,\\ldots,\\varphi_{n+1}$ s\u00e3o elementos distintos de $\\gal\\E\\F$. Vamos obter uma contradi\u00e7\u00e3o. Seja $e_1,\\ldots,e_n$ uma base de $\\E$ sobre $\\F$. Considere o sistema de equa\u00e7\u00f5es lineares sobre $\\E$:
\n\\begin{eqnarray*}
\n\\varphi_1(e_1)x_1+\\cdots+\\varphi_{n+1}(e_1)x_{n+1}&=&0\\\\
\n&\\vdots&\\\\
\n\\varphi_1(e_n)x_1+\\cdots+\\varphi_{n+1}(e_n)x_{n+1}&=&0.
\n\\end{eqnarray*}
\nComo temos $n$ equa\u00e7\u00f5es para $n+1$ inc\u00f3gnitas, existe uma solu\u00e7\u00e3o n\u00e3o trivial $(\\alpha_1,\\ldots,\\alpha_{n+1})\\in\\E^{n+1}$ e obtemos usando esta solu\u00e7\u00e3o que
\n\\[
\n0=\\alpha_1\\varphi_1(e_i)+\\cdots+\\alpha_{n+1}\\varphi_{n+1}(e_i)=(\\alpha_1\\varphi_1+\\cdots+\\alpha_{n+1}\\varphi_{n+1})(e_i)
\n\\]
\npara todo $i\\in\\{1,\\ldots,n\\}$.
\nIsso implica que $\\alpha_1\\varphi_1+\\cdots,\\alpha_{n+1}\\varphi_{n+1}=0$, mas isso \u00e9 imposs\u00edvel pelo exerc\u00edcio anterior.<\/p>\n

Lema.\u00a0<\/strong>Seja $\\F$ um corpo infinito (por exemplo um corpo de carater\u00edstica zero), $\\E$ uma extens\u00e3o de $\\F$ e sejam $\\alpha,\\beta\\in\\E$ elementos alg\u00e9bricos sobre $\\F$. Ent\u00e3o existe um elemento $\\gamma\\in\\E$ tal que $\\F(\\alpha,\\beta)=\\F(\\gamma)$.<\/p>\n

Demonstra\u00e7\u00e3o.<\/strong> Exerc\u00edcio.<\/p>\n

Corol\u00e1rio.\u00a0<\/strong>Seja $\\F$ um corpo de carater\u00edstica zero, $f(x)\\in\\F[x]$ um polin\u00f4mio irredut\u00edvel, e seja $\\E$ o corpo de decomposi\u00e7\u00e3o de $f(x)$. Ent\u00e3o $|\\gal \\E\\F|=\\dim_\\F\\E$.<\/p>\n

Demonstra\u00e7\u00e3o.\u00a0<\/strong>Seja $h=|\\gal\\E\\F|$.. Pelo\u00a0 resultado anterior, $h\\leq\\dim_\\F\\E$, ent\u00e3o basta provar a outra desigualdade. Pelo lema anterior, temos que $\\E=\\F(\\alpha)$ com algum $\\alpha\\in\\E$. Afirmamos que $\\mbox{grau}\\,m_\\alpha(x)\\leq h$ e isso vai implicar que $\\dim_\\F\\E\\leq h$. Note que \u00e9 suficiente achar um polin\u00f4mio $g(x)\\in\\F[x]$ de grau $h$ tal que $\\alpha$ \u00e9 raiz de $g(x)$. Assuma que $\\{\\sigma_1,\\ldots,\\sigma_h\\}=\\gal\\E\\F$ com $\\sigma_1=1$ e considere o polin\u00f4mio
\n\\[
\ng(x)=(x-\\sigma_1(\\alpha))\\cdots(x-\\sigma_h(\\alpha))=x^h+\\beta_{h-1}x^{h-1}+\\cdots+\\beta_1h+\\beta_0.
\n\\]
\nComo $g(x)$ \u00e9 invariante por todo elemento $\\sigma_i$ de $\\gal\\E\\F$, temos que $g(x)\\in\\F[x]$. Al\u00e9m disso, $g(\\alpha)=g(\\sigma_1(\\alpha))=0$ e a demonstra\u00e7\u00e3o est\u00e1 pronta.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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